DETERMINANDO O "PRAZO INDETERMINADO":DURAÇÃO E CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL
DOI:
https://doi.org/10.20873/uft.2359-0106.2024.v11n2.p473-505Palavras-chave:
internação, tempo indeterminado, medida socioeducativa, justiça juvenilResumo
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) inaugurou o paradigma garantista que vigora atualmente. Contudo, apesar dos avanços dessa legislação, o ECA estabelece que a medida socioeducativa de internação não comporta prazo determinado. A despeito da relevância dessa questão, a literatura sobre o tema ainda é bastante reduzida, com poucos levantamentos e informações imprecisas. Assim, foi realizada análise quantitativa e qualitativa a partir dos autos processuais e banco de dados estatísticos do Poder Judiciário no Distrito Federal. A análise quantitativa contou com 1.010 processos, utilizando a abordagem estatística de análise de sobrevivência. Por sua vez, a abordagem qualitativa utilizada foi a Análise Temática a partir da leitura integral de 10 processos. Como resultados, destaca-se que a curva de Kaplan Meier apontou para uma diferença estatisticamente relevante (p=0,048) no prazo de duração dos quatro atos infracionais de maior frequência (tráfico de drogas, roubo, latrocínio e homicídio). De forma complementar, a partir do aprofundamento qualitativo, quatro categorias principais foram identificadas nas justificativas judiciais para manutenção ou liberação do adolescente na medida socioeducativa de internação: tempo como amadurecimento; tempo como um roteiro e tempo como uma forma de punição. A partir dos dados, infere-se que há uma relação intrínseca - na avaliação quanto à permanência do adolescente - entre o ato infracional e a concepção acerca do tempo necessário para discernimento e maturidade. Dessa forma, os resultados obtidos trazem luz ao debate do tempo da medida socioeducativa de internação e revelam critérios que têm sido empregados como justificativa para manutenção dessa medida.
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