Glossários das forças de segurança no Brasil
Os instrumentos linguísticos na relação com o direito e o Estado
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar glossários produzidos pelas forças de segurança no Brasil, mostrando que eles selecionam e definem palavras e expressões como próprias de organizações criminosas, gozando de valor jurídico na medida em que são utilizados como ferramentas de investigação e de produção de provas pelas polícias, Ministério Público, advogados e juízes. Assim, num primeiro momento, detalhamos a produção e o emprego dos glossários das forças de segurança, apontando os sujeitos envolvidos. Em seguida, demonstramos que esses instrumentos giram em torno dos mesmos campos semânticos, com a definição dos vocábulos significando as mesmas pessoas, ações e objetos como foras da lei, geralmente os jovens pobres, o comércio e consumo de drogas e o porte de armas de fogo. Por fim, logo depois de discutir a questão do sentido e da relação entre língua e direito, argumentamos que é preciso recusar qualquer objetividade ou neutralidade na fabricação e aplicação dos instrumentos linguísticos, pois, atravessando o debate linguístico, há a atuação de um sujeito afetado pela história e pela ideologia, no nosso caso, o agente de segurança que constrói o artefato em prol do aparelho repressivo do Estado.
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