Norma Padrão e Norma dita culta: confusão sistêmica entre instrumento linguístico e amostra de variação
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo problematizar a aparente aproximação entre os conceitos de norma padrão e da norma estabelecida como culta, haja vista que o primeiro atua, como um instrumento linguístico, ao regular a gramática normativo-prescritiva, enquanto o segundo se configura, em princípio, como uma amostra de usos da língua recorrentes entre sujeitos historicamente considerados cultos. No entanto, não é raro que, tanto na grande mídia, quanto em salas de aula da rede básica de ensino, os termos se confundam, de modo a corroborar com a manutenção sistemática de poder inerente ao uso da língua portuguesa no Brasil. Para tanto, recorremos ao referencial teórico da Linguística Aplicada, devido a seu caráter indisciplinar (MOITA LOPES, 2006), dado que mobilizamos aqui conceitos da tradição normativa (a saber, norma padrão) e da sociolinguística (a saber, norma culta), sob o prisma da Historiografia das Ideias Linguísticas (AUROX, 1992, 1998). Para realizar a discussão proposta, adotamos a metodologia explanatória de base qualitativa. Por fim, verificamos que a confusão entre tais noções de norma afeta as práticas sociais da língua em uso (LUCCHESI, 1994, 2015; FARACO, 2008; BAGNO, 2003, 2012), bem como das relações de poder inerentes a ela (MATTOS E SILVA, 1995; CHARITY-HUDLEY, 2013; CERQUEIRA, 2020, 2022; FREITAG, 2023).
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