Um olhar decolonial para a psicologia do trabalho no Brasil: Epistemologias e imaginários para além da mercado-lógica do capital

Autores

  • Sergio Dias Guimarães Junior Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • Lêda Gonçalves de Freitas Universidade Católica de Brasília

DOI:

https://doi.org/10.20873/2526-1487e024028

Palavras-chave:

Psicologia do Trabalho, Decolonialidade, Bem viver, Interseccionalidade

Resumo

A intenção deste ensaio é formular proposições críticas ao campo da psicologia do trabalho no
Brasil a partir de contribuições epistemológicas decoloniais. Para tal, primeiramente foram
apresentados aspectos conceituais da filosofia do Bem Viver, proveniente dos povos
originários, andino e amazônico, e sua pertinência para a construção de uma descolonização
intelectual e das práticas em psicologia do trabalho com vistas a imaginar outras
possibilidades de pesquisa e intervenção que problematizam a realidade laboral e os modos de
produção e acumulação de capital. Em seguida, buscou-se demarcar a potência da noção de
interseccionalidade, proveniente do feminismo negro, como importante operador
ético-político para uma atuação crítica no campo da psicologia do trabalho no país, marcado
tradicionalmente pela hegemonia de saberes tecnicistas, disciplinares, adaptacionistas e
classificatórios pautados no paradigma euroamericano e na colonialidade do poder, do saber e
do trabalhar. Propõe-se, a partir deste exercício decolonial, tensionar saberes e práticas
instituídos e refundar as bases científicas da psicolologia do trabalho no Brasil visando
mobilizar uma atuação efetivamente crítica em prol dos mecanismos das lutas plurais por
direitos, pela proteção da saúde e pela afirmação da dignidade para que seja possível imaginar
outros modos de vida, trabalho e psicologia para além da mercado-lógica do capital.

Biografia do Autor

Sergio Dias Guimarães Junior, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Av. Pasteur, 250 - Urca, Rio de Janeiro - RJ, 22290-180.

Lêda Gonçalves de Freitas, Universidade Católica de Brasília

Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB); Brasília, DF, Brasil

Referências

Acosta, A. (2016). O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução: Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária/Elefante.

Akotirene. C. Interseccionalidade. São Paulo: Polém, 2019.

Almeida, S.L. (2020). O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte (MG): Letramento.

Almeida, I. M. (2020). Proteção da saúde dos trabalhadores da saúde em tempos de COVID-19 e respostas à pandemia. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45(17), 2020. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.140

Andrade, D.E.C.V., Teodoro, M.C.M. (2020). A colonialidade do poder na perspectiva da interseccionalidade de raça e gênero: análise do caso das empregadas domésticas no Brasil. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília,10(2), 564-585. https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6855

Antunes, R. (2019). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo.

Antunes, R. (2020). Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado (Pandemia Capital). 1. ed. São Paulo: Boitempo.

Barbosa, H., & Paiva, I. (2020). Interseccionalidades: categorias articuladas a experiências de trabalhadoras em contexto de pandemia e Covid-19. Revista Inter-Legere, 3(28), c21157. https://doi.org/10.21680/1982-1662.2020v3n28ID21157

Bento, M. A. (2022). O pacto da branquitude. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras.

Bilge, S. (2009). “Théorisations féministes de l’intersectionnalité”. Diogène, 1 (225): 70-88. https://www.cairn.info/revue-diogene-2009-1-page-70.htm

Brown, W. (2019). Nas Ruínas do Neoliberalismo: A Ascensão da Política Antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia.

Carvalho, M.P., Abreu, T. (2021). Políticas Públicas e interseccionalidades: uma análise sobre o mercado de trabalho e as assimetrias de raça, classe e gênero. Humanidades & Inovação, 8(58) - Interseccionalidades das diferenças I. https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/5486

Codo, W. (1984). O papel do psicólogo na organização industrial :notas sobre o “lobo mau” em psicologia. In: Lane, S. T. M., Codo, W. (org.). Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense.

Collins, P. H. (2019). Pensamento Feminista Negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo, Boitempo.

Collins PH, Bilge S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo; 2020.

Crenshaw, K. (2022). Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, 10(1), 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011

Crenshaw, K. (1989). Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. The University of Chicago Legal Forum: feminism in the law: theory, practice and criticism, Chicago, 139-167.

Dardot, P., Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.

Davis, A. (2017). Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo.

De Mozzi, G., De Mello, A. G. (2019). Deficiência e Psicologia: Perspectivas Interseccionais. Florianópolis: Tribo da Ilha, 26-38.

Dowbor, L.. Rentismo, o novo modo de produção. Outras Palavras, 2024. https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/rentismo-o-novo-modo-de-producao/

Dowbor, L. (2017). A era do capital improdutivo – a nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Outras Palavras & Autonomia Literária.

Druck, M.G. (2013) A Precarização Social do Trabalho no Brasil: alguns indicadores. In: Antunes, R. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo Editorial.

Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP). (2020). Em duas semanas, número de negros mortos por coronavírus é cinco vezes maior no país. http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/48879

Federici, S. (2017). Calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante.

Federici S. (2019). O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante.

Filho, J. M. J., Assunção, A. A., Algranti, E. G., Saito, C. A., & Maeno, M. (2020). A saúde do trabalhador e o enfrentamento da COVID-19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45(14). https://doi.org/10.1590/2317-6369ED0000120

Fisher, M. (2020). Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?. São Paulo: Autonomia Literária.

Franco, T., Druck, M.G., Seligmann-Silva, E. (2010). As novas relações de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 35(122), 229-248. https://doi.org/10.1590/S0303-76572010000200006

Garcia, L. P. (2020). Dimensões de sexo, gênero e raça na pesquisa sobre COVID-19. Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 29(3). https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000300023

Goes, E.F., Ramos, D.O., Ferreira, A.J.F. (2020). Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, 18(3), e00278110. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00278

Gonzaga, P.R.B. (2022). Interseccionalidade: uma contribuição do feminismo negro para a construção de práticas e conhecimentos antiracistas na psicologia. Conselho Federal de Psicologia. Psicologia brasileira na luta antirracista. Brasília, v.1, 155-17. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2022/11/VOLUME-1-luta-antirracista-1801-web.pdf

Gonzalez, L. (1984). Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 223- 244.

Gonzalez, L. (1982). A mulher negra na sociedade brasileira (uma abordagem político-econômica). In: Luz, M.T. (Org.) O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Graal.

Guimarães Junior, S.D., Ferreira, J. B. de O., & Freitas, L. G. de. (2023). Neoliberalismo e produção de subjetividade: elementos para uma crítica da razão dogmática neoliberal. Psicología del Trabajo y las Organizaciones, 27(43), 69-86.

Guimarães Junior, S.D. (2023). Poeiras de vida: terceirização, subjetividade e possíveis resistências. Porto Alegre: Editora Fi.

Guimarães Junior, S.D, Souza, I.C.A, Nunes, D.S., Lorentz, A.R.K.B. (2022). Efeitos da pandemia de Covid-19 nos modos de vida e trabalho de mulheres brasileiras: interseccionalidades, desafios e urgências. Trabalho (En)Cena, 7, e022013. https://doi.org/10.20873/2526-1487e022013

Han, B. C. (2020). Psicopolítica – o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné.

Hirata, H. (2018). GÊNERO, PATRIARCADO, TRABALHO E CLASSE. Revista Trabalho Necessário, 16(29), 14-27. https://doi.org/10.22409/tn.16i29.p4552

Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais . Tempo Social, 26(1), 61-73. https://doi.org/10.1590/S0103-20702014000100005

Hirata, H., Kergoat, D. (2021). Atualidade da divisão sexual e centralidade do trabalho das mulheres. Revista de Ciências Sociais-Política & Trabalho, 1(53), 22-34. https://doi.org/10.22478/ufpb.1517-5901.2020v1n53.50869

Hooks, b. (1984) Feminist theory: from margin to center. Boston: South end press.

Ibirapitanga e Schucman, L.V. (orgs.) (2023). Branquitude: diálogos sobre racismo e antirracismo. São Paulo: Fósforo Editora.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2019). Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf

Kergoat, D.. (1978), “Ouvriers = ouvrières? Propositions pour une articulation théorique de deux variables: sexe et classe sociale”. Critiques de l’Économie Politique, 5: 65-97, nova série.

Lacerda Neto, M.S., Guimarães Junior, S.D., Monteagudo, P.M., Ferreira, J.B. (2021). Racismo, trabalho e psicologia: provocações ético-políticas à luz da pandemia pela COVID-19. Psicologia para América Latina, 35,105-112, 2021. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870350X2021000100009&lng= pt&nrm=iso

Lander, E. (Org). (2005). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO.

Lorde, A. (2007). Sister outsider: essays and speeches by Audre Lorde. Berkeley: Crossing Press.

Marchesan, R.. (2020). Por que o desemprego aumentou mais para negros do que brancos na pandemia. CEERT. https://ceert.org.br/noticias/mercado-de-trabalho- comercio-servicos/43392/por-que-o-desemprego-aumenCtou-mais-para-negros-do-que-brancos- na-pandemia

Martín-Baró, I. (2014). Psicologia Política do Trabalho na América Latina. Revista Psicologia Política, 14(31), 609-624.

Mbembe, A. (2018). Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 Edições.

Núñez, G. Perspectivas guarani sobre binarismos da colonização: caminhos para além das monoculturas. Tempo e Argumento, 15, 0101-31, 2023. https://periodicos.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180315402023e0101

Oliveira, R.G., Cunha, A.P., Gadelha, A.G.S, Carpio, C.G., Oliveira, R.B., & Corrêa, R.M. (2020). Desigualdades raciais e a morte como horizonte: considerações sobre a COVID-19 e o racismo estrutural. Cadernos de Saúde Pública, 36(9), e00150120. https://doi.org/10.1590/0102-311X00150120

Oxfam International. DESIGUALDADE S.A. Como o poder das grandes empresas divide o nosso mundo e a necessidade de uma nova era de ação pública. Brasília, 2024. https://ifz.org.br/desigualdade-s-a-como-o-poder-corporativo-divide-nosso-mundo-e-a-necessidade-de-uma-nova-era-de-acao-publica/

Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander, E. (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO.

Ribeiro, D. (2019). Pequeno manual antirracista. 1. Ed. São Paulo: Companhia das Letras.

Santos, A. (2024). A terra dá, a terra quer. São Paulo: UBU Editora.

Santos, E. F., Diogo, M. F., Shucman, L. V. (2014). Entre o não lugar e o protagonismo: articulações teóricas entre trabalho, gênero e raça. Cadernos De Psicologia Social Do Trabalho, 17(1), 17-32. https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v17i1p17-32

Santos, M.P., Nery, J.S., Goes, E.F., Silva, A., Santos, A.B.S., Batista, L.E., e Araújo, E.M. (2020). População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, 34(99), 225-244. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014

Santos, S. C. dos, Kabengele, D. do C., & Monteiro, L. M. (2022). Necropolítica e crítica interseccional ao capacitismo: um estudo comparativo da convenção dos direitos das pessoas com deficiência e do estatuto das pessoas com deficiência. Revista Do Instituto De Estudos Brasileiros, 1(81), 158-170. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i81p158-170

Souza, H.A., Silva, G.R.A., Silva, R.L., & Silva, C.H.F. (2020). Pessoas transgêneras e o mundo do trabalho: desafios e reflexões sobre o compromisso ético e político da Psicologia. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 23(2), 175-188. https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v23i2p175-188

Schwarcz, L. M. (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras.

Viegas, M.F.W., Silva, E.N. ; Vieira I.B., Avena, M.J. ; Lagoeiro, M.C., Guimarães Junior, S.D. (no prelo). Por detrás da cortina: uma análise interseccional da invisibilidade do trabalho doméstico no Brasil. Revista Ciências do Trabalho, 2024.

Zanelli, J.C., Bastos, A.V.B., e Rodrigues, A.C.A. (2014). Campo profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In: Zanelli, J.C.; Borges-Andrade, J.E., Bastos, A.V.B. (Orgs.). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 526-548.

Downloads

Publicado

2024-09-11

Como Citar

Guimarães Junior, S. D., & Freitas, L. G. de. (2024). Um olhar decolonial para a psicologia do trabalho no Brasil: Epistemologias e imaginários para além da mercado-lógica do capital. Trabalho (En)Cena, 9(Contínuo), e024028. https://doi.org/10.20873/2526-1487e024028

Edição

Seção

Dossiê: Trabalho, Subjetividades e Práticas Clínicas

Artigos mais lidos pelo mesmo(s) autor(es)