Vozes Dissonantes, Gênero e Heterotopia

Autores

  • Nathalia Muller Camozzato Programa de Pós-Graduação em Linguística - Universidade Federal de Santa Catarina

Resumo

Este ensaio propõe refletir criticamente o entendimento que os estudos da linguagem detêm acerca do que chamamos de vocalidade (ZUMTHOR, 2005) e,  buscando aproximar-se da voz, considera pertinente um certo distanciamento de alguns pressupostos do campo disciplinar da linguística em sua abordagem dos sons da fala, para aproximar-se de outras áreas do conhecimento, como a filosofia; os estudos de teatro, literatura e música; os estudos do discurso; selecionando-se, no caso, aqueles em cuja base epistemológica estão as teorias feministas de gênero e sexualidade e as teorias queer. Nesse sentido, o trabalho enquadra o que chamo de dissonância de gênero, ou seja, vozes cujo soar é ouvido sob o signo do desvio e do erro em matrizes de gênero caracterizadas por um centramento cisgênero e heteropatriarcal. Examina-se, ademais, como a materialidade da voz é investida por poderes e saberes e pode tornar-se um índice para produção da verdade e da normalidade de um sujeito generificado, análise feita a partir de diálogo com os enunciados daqueles e daquelas que relatam publicamente a experiência de ter sua voz posta em xeque. Finalmente, investimos na voz a partir da chave teórica da heterotopia foucauldiana, de forma a refletir acerca da possibilidade da especialidade da voz como um contra-espaço.

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Publicado

2020-04-17

Como Citar

Muller Camozzato, N. (2020). Vozes Dissonantes, Gênero e Heterotopia. Porto Das Letras, 6(1), 250–275. Recuperado de https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/portodasletras/article/view/8111