v. 7 n. 10 (2021): 10º Edição da Revista CSDT
EDITORIAL
Esta é a 10ª edição da Revista Controle Social e Desenvolvimento Territorial (CSDT), cujos textos mostram, por um lado, um pano de fundo de luta pelo poder de dominação dos interesses privados sobre a coisa pública e os bens comuns, evidenciando as fragilidades de luta das populações locais frente aos interesses capitalistas. Nesse sentido, notam-se os desequilíbrios de poder nas relações entre Estado, Mercado e Sociedade no Brasil com um claro favorecimento ao mercado, em detrimento dos interesses públicos representados pelo Estado e corroendo as estruturas de organização da sociedade civil e os bens comuns construídos. Os seis artigos e uma resenha que compõem está 10ª edição mostram, por outro lado, as possibilidades de organização da sociedade civil por meio de processos participativos de controle social, ao considerar as tecnologias sociais, a transparência pública por meio da atuação dos observatórios sociais e de certificação orgânica participativa. A sequência dos artigos foi definida pelas articulações possíveis de seus conteúdos, no sentido de facilitar a interpretação dos leitores. O artigo, CIÊNCIA E TECNOLOGIA SOCIAL, O DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DA INOVAÇÃO, trata das tecnologias sociais como um constructo teórico-metodológico necessário para o desenvolvimento sustentável. Os autores procuram mostrar a relevância das tecnologias sociais para a superação das desigualdades no Brasil e da necessidade de registrar e sistematizar, teoricamente, as diversas experiências criativas que se observam nos diferentes espaços e culturas espalhadas pelo território brasileiro. Esse artigo nos mostra que as tecnologias sociais podem contribuir muito para potencializar as ações de controle social em diferentes contextos, seja no caso da APL Apicultura, seja no caso da certificação orgânica participativa, ou, ainda, no contexto relatado nos dois artigos sobre os impactos de megaempreendimentos no bairro Ilha da Madeira, no município de Itaguaí-RJ. O artigo, TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAÇADOR/SC – UMA ANÁLISE DO PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, de natureza teórico-empírico, mostra que a gestão pública participativa se torna efetiva através da transparência e da publicidade no município de Caçador, no interior do estado de Santa Catarina. Os autores ressaltam o papel essencial dos Observatórios Sociais no Brasil para garantir a efetividade da transparência pública e o exercício do controle social, envolvendo a participação dos cidadãos municipais, e, em específico, no município de Caçador – SC. Apesar de constatar a ausência de algumas informações previstas na Lei de Acesso a Informações (LAI) no Portal da Transparência Pública do município em análise, os autores concluíram que a gestão pública municipal alcançou o percentual aceitável dos itens exigidos pela referida LAI, garantindo o controle social da população em relação à gestão municipal. Os resultados deste artigo nos mostram que uma sociedade civil que se organiza em grupos de trabalho em prol da construção do bem comum pode alcançar resultados significativos. Isso nos faz pensar no caso do município de Itaguaí, caso a população local criasse um Observatório Social, no sentido de garantir a transparência e o controle social da gestão pública municipal, certamente os impactos dos megaempreendimentos poderiam ser mitigados ou mesmo até inverter a situação, como está sendo a tentativa de introduzir a etnomatemática nas práticas escolares daquele município. O artigo, A CONSTRUÇÃO POLÍTICA DA NEUTRALIDADE DOS DISPOSITIVOS: O DILEMA DA CER[1]TIFICAÇÃO PARTICIPATIVA DOS ALIMENTOS OR[1]GÂNICOS A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA REDE ECOVIDA, diz respeito às questões teóricas e práticas que envolvem o selo de certificação orgânica. Este tipo de selo constitui uma forte crença institucionalizada nos padrões de qualidade dos produtos, atestada de forma participativa entre os próprios produtores de alimentos. É um sistema participativo de garantia. O objetivo do artigo é mostrar até que ponto a construção participativa de garantia do selo de certificação orgânica reforça ou coloca em risco a sua força institucional. Para tanto, analisou-se a rede Ecovida de Agroecologia desde 2011. Em 2010 essa rede registrou a Associação Eco[1]vida de Certificação Participativa – OPAC, a qual, em 2020, respondia por cerca de 5 mil registros participativos no Brasil. Para os autores, “a certificação atua como um mecanismo de ‘naturalização’ (DOUGLAS, 1988) e ‘objetificação’ (CALLON; MUNIESA, 2002) dos valores e crenças que definem o produto orgânico”. Os autores concluem que a imparcialidade não é um fator importante na certificação participativa, pois o processo participativo funciona com base em uma lógica distinta dos alimentos auditados por empresa, ou seja, a confiança é estabelecida no âmbito das relações de conflitos e negociações entre produtores e consumidores. Pode- -se considerar que o processo de certificação orgânica de forma participativa apresenta ricas possibilidades de aperfeiçoamento em termos de metodologias participativas, caso o processo seja conduzido por um método participativo, como na utilização do Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador (DRPE). Ao utilizar um método participativo de diagnóstico para efeito de certificar o processo de produção de alimentos, a coletividade poderá garantir maior legitimidade ao selo, fazendo-se referência ao método já consagrado cientificamente e alcançar efetividade do processo por envolver, dialogicamente, todos os atores sociais em contexto de conflito e comprometidos com a busca de um entendimento. Este artigo nos mostra, ainda, que os participantes do processo de certificação orgânica podem potencializar, ainda mais esse processo, ao serem orientados pelos critérios ou princípios da cidadania deliberativa, quais sejam: processo de discussão; inclusão; pluralismo; igualdade participativa; autonomia; bem comum. O artigo, A IMPLEMENTAÇÃO DO APL APICULTURA VALE DO JAGUARI-RS, NA PERSPECTIVA DE SEUS ATORES, trata da implementação do APL Apicultura no âmbito da intervenção estatal com fomento externo no período de abril de 2016 a setembro de 2017, envolvendo nove municípios no território. As políticas públicas de APL no Rio Grande do Sul iniciaram no final de 1990 e, no caso específico da apicultura, o fomento é considerado tardio. Os autores mostram que o APL Apicultura funcionou quando a política pública estava em curso, com recursos financeiros garantidos pelo governo esta[1]dual e foi se desestruturando com a mudança de governo. A conclusão que os autores chegaram foi a de que a política pública de APLs declinou, encerrando-se por completo o ciclo de fomento externo. Pode-se considerar que a política pública, neste caso, foi ineficaz, seja porque os atores sociais envolvidos diretamente não foram capazes de se organizar para fazer valer a política, ou mesmo, porque a política não foi estruturada com a participação efetiva dos empreendedores, podendo ser caracterizada como topdown. Pode-se inferir algumas causas do fracasso dessa política em específico dentro dos limites de informações subsidiadas pelo conteúdo do artigo. Este contexto pode servir para uma reflexão crítica de elaboração de políticas públicas em todo o seu ciclo (concepção, implementação e avaliação), bem como serve para pensarmos como a gestão social da política pública poderia ser implementada. Assim como vale considerar os resultados do artigo sobre a experiência da certificação orgânica participativa para o caso da APL Apicultura: a confiança construída no processo participativo de certificação orgânica, mesmo no âmbito de relações conflituosas de negociação entre os atores sociais envolvidos, conseguiu garantir a continuidade dos negócios. Podemos, ainda, considerar, com base nesses dois casos, a formação de um bem comum, no caso da certificação, e de um processo de individualização, no caso da APL Apicultura. São possibilidades ricas de análise que suscitam os dois artigos. O artigo, O CASO DA COMPANHIA MERCANTIL E INDUSTRIAL INGÁ S/A, O RISCO EMINENTE CONTI[1]NUA, trata de uma análise social, histórica e ambiental relacionada à exploração mineral, realizada pela Companhia Mercantil Industrial Ingá, no bairro da Ilha da Madeira, município de Itaguaí, Baía de Sepetiba, localizada na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Segundo os autores, os resultados da exploração mineral pela Companhia Ingá, desde 1962, foram a degradação ambiental e exclusão social e econômica da população local, alterando os aspectos paisagísticos, sociais e ecossistêmicos e deixando como espólio o acúmulo de resíduos tóxicos a céu aberto. Na verdade, toda a área do bairro Ilha da Madeira foi tomada por diversas indústrias que continuam o processo de degradação ambiental. No caso do artigo A ESCOLA MUNICIPAL DO BAIRRO DA ILHA DA MADEIRA EM ITAGUAÍ (RJ) COMO AGENTE DE RESGATE DA IDENTIDADE CULTURAL LOCAL DA PESCA ARTESANAL o objetivo foi mostrar que a instalação de megaempreendimentos no município de Itaguaí agride e faz com que a identidade cultural da pesca artesanal do bairro da Ilha da Madeira entrasse em declínio. Os autores argumentam a favor da Etnomatemática na prática escolar como um meio de possível superação dos problemas advindos dos impactos de megaempreendimentos, e como pro[1]cesso de construção de uma sociedade justa. Além disso, os autores consideram que as práticas realizadas pelos antepassados dos alunos podem ser resgatados e contribuir para preservar a identidade cultural “ameaçada de extinção” e para resignificar os conhecimentos escolares. No entanto, constataram na pesquisa que as indústrias que atuam no município de Itaguaí e no bairro Ilha da Madeira, é que ditam as regras do desenvolvimento econômico local e, ainda mais com a instalação do Porto Sudeste recentemente, deixando margem muito pequena para os processos de controle social neste território. O contexto dos megaempreendimentos, apresentado no artigo sobre o caso da Cia Mercantil e Industrial Ingá serve para compreender as fragilidades da população local diante de imensos interesses privados e estatais. Na verdade, os dois artigos são complementares porque fazem parte do mesmo contexto empírico de análise. Esses dois artigos nos apresentam grandes desafios teóricos, metodológicos e empíricos no sentido de uma possível intervenção social com vistas a fortalecer a população local para que possa lutar por seus direitos e preservar o meio ambiente local, garantindo a reprodução de suas práticas culturais de subsistência relacionadas à pesca artesanal.
A resenha, QUESTÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UM DESAFIO ÉTICO-POLÍTICO AO SERVIÇO SOCIAL, elaborada por Laís Melo de Andrade, diz respeito ao primeiro capítulo do livro de Maria das Graças e Silva, autora da obra que leva o título desta resenha, publicada pela editora Cortez em 2010. Segundo a autora “a degradação ambiental é comandada pela economia, pois sua força é maior que o Estado”, mostrando a dependência do homem em relação à natureza, e que a escassez dos produtos naturais pode levar a uma crise do capitalismo. Essa resenha soma perfeitamente ao contexto empírico de análise apresentado nos dois artigos que tratam dos impactos de degradação ambiental promovidos por megaempreendimentos capitalistas, reforçando a tese de que “a degradação ambiental é comandada pela economia”, ou melhor, pelos interesses capitalistas frente ao Estado e à sociedade, estabelecendo-se, aí, um processo de dominação legal/institucional. Em termos gerais os seis artigos e a resenha apresentados nesta 10ª edição da CSDT instigam pesquisadores a novas pesquisas que possam descobrir novos meios de controle social sobre o Estado e o Mercado, bem como investigar processos participativos de desenvolvimento territorial no sentido da construção do bem comum na preservação ambiental e no fortalecimento das organizações locais.
José Roberto Pereira
Prof. Titular em Administração Pública e Gestão Social
Universidade Federal de Lavras FCSA-DAP
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SUMÁRIO
Artigo 01 .......................................................07-16
Artigo 02 .......................................................17-31
Artigo 03 ....................................................... 32-48
Artigo 04 ....................................................... 49-69
Artigo 05 ....................................................... 70-83
Artigo 06 ....................................................... 84-104
Resenha ....................................................... 105-109
Política Editorial ....................................................... 110-111
DESEJAMOS A TODOS UMA BOA LEITURA
CORDIALMENTE,
CORPO EDITORIAL