LITERATURA INDÍGENA COMO DESCATEQUIZAÇÃO DA MENTE, CRÍTICA DA CULTURA E REORIENTAÇÃO DO OLHAR
sobre a voz-práxis estético-política das minorias
Resumo
Neste texto, apresentamos e propomos a literatura indígena brasileira como descatequização da mente, crítica da cultura e reorientação do olhar, a partir da constituição, pelos próprios indígenas, de uma voz-práxis estético-literária autoral, em que o eu-nós lírico-político assume um relato autobiográfico, testemunhal e mnemônico de sua singularidade antropológica e de sua condição de marginalização, de exclusão e de violência geradas pela colonização. Com isso, a literatura indígena projeta-se como ativismo, militância e engajamento públicos, políticos e culturais dos intelectuais e dos escritores indígenas, aliando-se intrinsecamente ao Movimento Indígena brasileiro, visando, nessa correlação, à constituição de uma voz-práxis direta, carnal e pungente, política e politizante, sem mediações institucionalistas, tecnicistas e cientificistas, que desvela, desconstrói e problematiza as caricaturas, as teatralizações e os preconceitos produzidos pela colonização e, depois, por nossa modernização conservadora em relação aos povos indígenas, oferecendo, em contrapartida, a perspectiva dos próprios indígenas relativamente a si mesmos e no que diz respeito à história de nossa sociedade de um modo mais geral. A partir do exemplo da literatura indígena, argumentaremos que a voz-práxis estético-literária, dada sua constituição anti-sistêmica, possibilita às minorias a autoexpressão e a autoafirmação desde sua alteridade-diferença radical, constituindo-se em arena, instrumento e prática inclusivos e participativos, geradores de crítica social, resistência cultural e luta política. E, com isso, para as minorias, é questão de vida ou de morte essa afirmação de si mesmas e por si mesmas como sujeitos públicos, políticos e culturais, radicalmente politizados e atuantes em termos da esfera pública democrática, que, ao superarem a invisibilização, o silenciamento e o privatismo aos quais estão confinadas, desnaturalizam e politizam radicalmente a sociedade, as instituições, os sujeitos sócio-políticos, as relações, as práticas e os valores intersubjetivamente vinculantes. É exatamente a participação pungente e radical das minorias da esfera pública democrática, como sujeitos públicos, políticos e culturais, que viabiliza a crítica social, a resistência cultural e a luta política, que funda o ponto de vista normativo, por meio da pluralização dos sujeitos, das histórias e dos relatos acerca de nossa sociedade, por meio, ainda, do desvelamento e do enfrentamento das contradições social, cultural, política e institucionalmente latentes.