v. 31 n. 1 (2023): Psicologia, Educação e Homossexualidades: o normal e o patológico em revistas científicas de 1970 e 1980
Os preconceitos e julgamentos morais relativos à sexualidade humana, especialmente quando esta foge à norma social, não deixam de ter repercussões nas investigações científicas, principalmente naquelas localizadas na interface entre a Psicologia e a Educação. A presente tese tem como objetivo compreender como as questões relativas à normalidade e à patologia estiveram imbricadas na maneira pela qual as homossexualidades foram trabalhadas por essas áreas do conhecimento nas décadas de 1970 e 1980, tendo como base empírica a leitura de revistas científicas paulistanas editadas nesse período. A escolha dessas décadas deveu-se aos conceitos foucaultianos de proveniência e emergência histórica. Dito de outra forma, por se considerar esses anos como o momento de virada, em que as homossexualidades deixaram de ter para a Medicina e a Psiquiatria, por exemplo, a concepção de sexualidade desviante, patológica, para tornarem-se uma possibilidade de identidade. Essa virada, por força do movimento social gay, tem como marcos a retirada da homossexualidade do rol dos transtornos mentais pela Associação Americana de Psquiatria, em 1973; pela Associação Americana de Psicologia, em 1975; e, finalmente, pela Organização Mundial da Saúde, em 1990. No Brasil, a despatologização foi feita, em 1985, pelo Conselho Federal de Medicina. O Boletim de Psicologia, publicado pela Associação de Psicologia de São Paulo, e a Revista Brasileira de Psicanálise, publicada pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, foram integrados ao corpus da pesquisa pela importância que exerceram no campo da psicologia brasileira. Dado seu prestígio e sua capacidade de impacto, o periódico Caderno de Pesquisa, publicado pela Fundação Carlos Chagas, foi tomado como contraponto no campo educacional. No recolhimento do material, foram encontrados 414 exemplares dessas revistas, totalizando 3822 artigos. Destes, 27 (0,6%) apresentam conteúdos sobre a temática investigada, sendo 18 (0,4%) da área de Psicologia e 9 (0,2%) da área de Educação; 13 (0,3%) fazem parte do Boletim de Psicologia, 5 (0,1%) da Revista Brasileira de Psicanálise, e 9 (0,2%) dos Cadernos de Pesquisa. As análises dos discursos científicos foram realizadas por meio de teorias que os compreendem como formulações sociais e historicamente localizadas. Para tanto, utilizou-se como referencial a perspectiva foucaultiana, particularmente no que se refere à relação poder-saber-sexualidade, como também a teoria Queer. Os resultados sinalizam o relativo silêncio dessas revistas sobre um assunto debatido socialmente e com referências antigas no campo da Psicologia e da Educação. Apesar do movimento de retirada da homossexualidade do rol dos distúrbios patológicos, observada nos catálogos médicos, psiquiátricos e psicológicos, e dos avanços do movimento gay a partir da década de 1970, os discursos presentes nessas revistas científicas são elaborados, em sua maioria, principalmente no Boletim de Psicologia e na Revista Brasileira de Psicanálise, no sentido de patologizar as homossexualidades, apontando para sua identificação através de casos clínicos e também de testes psicológicos e, por conseguinte, para a suposta cura e prevenção. Num sentido alternativo, foram encontrados, nos Cadernos de Pesquisa, discursos que vão no sentido liberalizante das sexualidades, mesmo não abordando de modo direto a homossexualidade. Os artigos analisados estão na contramão dos ganhos sociais, científicos e políticos do homossexual, uns permanecendo no sentido patologizador e outros não abordando diretamente o assunto. Com isso, mesmo estando em um período considerado repressor para as sexualidades dissidentes, os discursos reafirmam a dominação sobre as mentes e os corpos, o que se inscreve na crítica da hipótese repressiva de Foucault.