v. 1 n. 1 (2015): O canto da Carpideira
"O Canto da Carpideira' revela o cotidiano sofrido, monótono e simples de pessoas também simples, moradoras de lugares ermos, quase anônimos, no interior do Brasil. O romance está ambientado ficcionalmente nos arredores do povoado conhecido como Campineira do Anu Preto, lugar de gente que tira da lida diária, à custa de sofrimento, o sustento próprio e o da família, tecendo um dia de cada vez, sem pressa. O enredo é construído a partir do trabalho da parteira ou aparadora e da profissional que chora um defunto alheio. É a carpideira. É a pranteadeira que, por um acordo com a família do defunto, pranteava o morto. Qual o motivo de contratar uma carpideira para prantear um defunto? Há vários vieses. Um deles é a tentativa de marcar a morte com a beleza do ritual de despedida, através de cantos bem entoados e lamuriados, em um clima de saudade. Há ainda o poder que a carpideira tinha, através de seu canto, de atenuar os pecados do defunto, aliviando a dor da família, fazendo o coro no velório para que o morto não ficasse sem o choro, sem o carpir, em nenhum momento dessa passagem. Sobre o aprendizado de ambas as profissões, vê-se que elas partem de conhecimentos passados de mãe para filha. Essas profissões muitas vezes tinham a sua paga feita com crias caseiras, emoldurando algum lugar no interior do Brasil, onde a rotina e a melancolia das casas simples são metáforas de vida e morte, deixando entrever o sertão que habita cada um de nós.