v. 1 n. 19 (2020): Platão, poética e hermenêutica: Filosofia, técnica e compreensão nos estudos platônicos
Diante de uma evidente cronologia interna nos diálogos de Platão, surge a necessidade de questionar se se trata de uma cronologia baseada nos fatos reais vivenciados pelo autor ou que a eles foram relatados e, assim, estabelecer se estaria Platão retratando fatos históricos ou inventando uma ficção literária. Partindo da distinção entre sujeito do enunciado (diegese) e sujeito da enunciação (lexis), bem como da variedade de métodos disponíveis para abordagem de uma obra, questionamos se o fundamento da abordagem de uma obra não estaria nela mesma contida. E ao separarmos autor e personagens e conhecendo as relações entre estes, pudemos trilhar um caminho no qual a diferença entre a natureza dos meios pelos quais obtemos o discurso de alguém podem convergir. Assim, como Platão praticamente não “fala” em sua obra, assumimos que seu pensamento estaria contido nas cartas e que justamente por isso, verificamos que ele, o autor, entende que a realidade discursiva humana é naturalmente mimética. Portanto, acreditamos que sua obra é uma obra poético-mimética, isto é, reproduz de modo verossímil o mais que pode a historicidade, os eventos e os personagens. No entanto, os diálogos são compostos por uma heterogeneidade endógena marcada nitidamente pela presença e protagonismo de Sócrates, também pelo seu não protagonismo e, enfim, sua ausência completa. Focamos na Saga socrática e, articulando ao discurso do autor, pretendemos mostrar que nestes diálogos só podemos atestar a autoria poética do autor.