Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9695
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9695
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2021
ISSN: 2525-4863
1
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Assentamento Antônio Conselheiro: A Importância do
Mapa Coletivo na Leitura da Realidade Camponesa
i
Alexandra Maria de Oliveira
1
, Antônia Sandra Honoria de Sousa
2
, Grasiele Ribeiro Gonçalves de Souza
3
1
Universidade Federal do Ceará - UFC. Departamento de Geografia. Centro de Ciências, Campus do Pici. Avenida Humberto
Monte, s/n. Bloco 911. Fortaleza - CE. Brasil.
2
Rede Particular de Educação do Município de Fortaleza.
3
Secretaria de
Educação do Ceará.
Autor para correspondência/Author for correspondence: alexandra.oliveira@ufc.br
RESUMO. A conquista dos assentamentos rurais no campo
brasileiro leva à certeza de que novos desafios estarão presentes
na vida de assentado, entre eles: a luta por políticas públicas
para dinamizar produção, a geração de renda e uma educação de
qualidade. O objetivo do artigo é analisar o uso da cartografia
social no Assentamento Antônio Conselheiro, localizado entre
Ocara e Aracoiaba no Ceará. O procedimento metodológico
parte de pesquisa realizada entre os anos de 2016 e 2018 e foi
desenvolvido com base em oficinas pedagógicas realizadas com
educandos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Campo,
na Escola Raimundo Facó. Contou, ainda, com trabalhos de
campo, entrevistas, elaboração de croquis e mapa coletivo. A
cartografia social foi desenvolvida quando as comunidades
estavam vivendo uma situação de conflito com órgãos públicos
e procurando caminhos para revelar trabalho e autonomia na
gestão dos espaços de produção, da comercialização e do lazer.
Os resultados revelam um assentamento rural consolidado com
produção, consumo e comercialização de produtos agrícolas e
artesanais. A introdução da cartografia social dentro da
comunidade (via escola básica) é um caminho diferenciado para
o diálogo entre os saberes populares e o conhecimento
geográfico, e é fundamental para interpretarmos a realidade
camponesa.
Palavras-chave: assentamento rural, conflitos no campo,
cartografia social.
Oliveira, A. M., Sousa, A. S. H., & Souza, G. R. G. (2021). Assentamento Antônio Conselheiro: A Importância do Mapa Coletivo na Leitura da Realidade
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The Antônio Conselheiro Settlement: The Importance of
the Collective Map in Reading Peasant Reality
ii
ABSTRACT. The conquest of rural settlements in the Brazilian
countryside has led to the certainty of new daily challenges for
the settlers, including the struggle for public policies that boost
production, income generation, and good quality education. The
article aims to analyze the use of social cartography in the
Antônio Conselheiro Settlement, located between Ocara and
Aracoiaba in Ceará, Brazil. The methodological procedure is
part of a research project carried out between 2016 and 2018 and
was developed based on pedagogical workshops conducted with
students of the Education Service for Youth and Adult Rural
Workers (EJA) at Raimundo Facó School. Additionally,
fieldwork, interviews, preliminary sketches, and the collective
map were used in the research. This Social cartography was
developed at a time when the communities were experiencing
conflict with public agencies and looking for ways to
demonstrate their work and autonomy in the management of
spaces for production, marketing, and leisure. The results show
a consolidated rural settlement with the production,
consumption, and commercialization of agricultural and
artisanal products. The introduction of social cartography to the
community through adult elementary education is a
differentiated approach to the dialogue between popular and
geographic knowledge and is fundamental for interpreting the
peasant reality.
Keywords: rural settlement, agrarian conflicts, social
cartography.
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Asentamiento Antônio Conselheiro: La Importancia del
Mapa Colectivo en la Lectura de la Realidad Campesina
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RESUMEN. La conquista de los asentamientos rurales en el
campo brasileño lleva a la certeza de que nuevos desafíos
estarán presentes en la vida de los pobladores de los
asentamientos, entre ellos: la lucha por políticas públicas para
dinamizar la producción, la generación de ingresos y una
educación de calidad. El objetivo del artículo es analizar el uso
de la cartografía social en el Asentamiento Antônio Conselheiro,
ubicado entre Ocara y Aracoiaba en Ceará. El procedimiento
metodológico surge a través de una investigación realizada entre
los años 2016 y 2018 y se desarrolló a partir de talleres
pedagógicos realizados con estudiantes de Educación de Jóvenes
y Adultos (EJA) del Campo, en la Escuela Raimundo Facó.
También contó con trabajo de campo, entrevistas, elaboración
de bocetos y un mapa colectivo. La cartografía social se
desarrolló cuando las comunidades vivían una situación de
conflicto con los organismos públicos y buscaban formas de
revelar el trabajo y la autonomía en la gestión de los espacios de
producción, comercialización y esparcimiento. Los resultados
revelan un asentamiento rural consolidado con producción,
consumo y comercialización de productos agrícolas y
artesanales. La introducción de la cartografía social en la
comunidad (vía escuela básica) es unaa diferente para el
diálogo entre los conocimientos populares y el conocimiento
geográfico, y es fundamental para interpretar la realidad
campesina.
Palabras clave: asentamiento rural, conflictos en el campo,
cartografía social.
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Introdução
No processo de luta pela terra
travada no campo brasileiro, os
assentamentos rurais correspondem a
“frações do território” conquistadas pelos
trabalhadores rurais na luta pela terra
(Fernandes, 1996, p. 17). No Ceará a luta
dos camponeses pela terra viabilizou a
criação de assentamentos rurais, sobretudo,
após a abertura política ocorrida em
meados dos anos 80 do século XX. O
primeiro plano nacional de reforma agrária
(1985) da denominada Nova República
contribuiu para que parte dos camponeses
tivessem o acesso à terra e, também, para
que esses camponeses iniciassem novas
ações de luta por direito à moradia,
trabalho, educação e dignidade no campo.
E por isso, para parte dos estudiosos da
questão agrária, o assentamento rural é
“ponto de chegada da luta camponesa no
acesso à terra(Feliciano, 2006, p. 113) e,
ao mesmo tempo, seu “ponto de partida
como conquista de um novo patamar do
qual se pode acessar um conjunto
importante de políticas, (de crédito, por
exemplo)” (Leite, 2012, p. 111).
No processo de luta e conquista dos
assentamentos rurais no Ceará, a
organização camponesa da vida de
assentado apresentou como razão
estruturante o trabalho familiar, a posse da
terra, a liberdade do trabalho, os laços de
parentesco e a religiosidade sertaneja
(Oliveira, 2017). São relações
estabelecidas na família entre si, com seus
vizinhos e com a terra e o trabalho que
permite a reprodução da cultura, das
técnicas e da identidade camponesa. Com
isso, fazer uma leitura da realidade
camponesa no cotidiano da vida de
assentado passa por considerar que a
relação terra, trabalho, família e liberdade
identifica sujeitos sociais e políticos que
estão desenvolvendo ações e mobilizações
na luta pela reforma agrária popular no
campo brasileiro. E, ainda, que esses
sujeitos via associações constroem
caminhos para negociar com o governo via
órgãos públicos na busca por uma vida
com dignidade no campo.
A proposta de uso da cartografia
social no Assentamento Antônio
Conselheiro foi um desafio que surgiu no
percurso da pesquisa (Sousa, 2018) e no
desenrolar das novidades presentes nas
comunidades rurais no Ceará. No diálogo
com os assentados da comunidade Umari
ficou evidenciado o conflito presente entre
o governo do Estado via Departamento
Nacional de Infraestrutura e Transportes
(Dnit) e os camponeses na redefinição da
localização e do material utilizado nas
barracas distribuídas ao longo da BR-122,
que corta o Assentamento. Para o Dnit, não
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poderia haver barracas de alvenaria
próximas à BR-122, as quais deveriam
manter um distanciamento mínimo a fim
de evitar acidentes. A proposta foi
fortemente contestada pelos camponeses,
que se viram acuados com a presença de
técnicos do órgão no Assentamento
dispostos a intervir nos pontos de
comercialização das mercadorias. O
conflito ganhou repercussão, e todos
queriam ver no papel o que poderia mudar,
de fato, razão por que veio a proposta de
produção de um mapa coletivo com a
comunidade.
A pesquisa qualitativa foi
desenvolvida no diálogo com os sujeitos
envolvidos nas comunidades. A
participação dos pesquisadores no
cotidiano do Assentamento foi
fundamental para uma leitura crítica da
realidade social e local. A metodologia foi
constituída de leituras acadêmicas e
técnicas sobre a questão agrária no Ceará e
assentamentos rurais, e de trabalhos de
campo com entrevistas semiestruturadas e
oficinas didáticas com procedimento
metodológico pautado na cartografia social
proposta por autores como Batista (2014) e
Santos (2016). Optamos por referenciar os
sujeitos da pesquisa com uso de letras,
como por exemplo: camponês A ou
camponesa B.
A cartografia social, segundo Santos
(2016), “é vista como um processo de
construção coletiva que aproxima, em uma
mesma categoria de importância,
pesquisadores e agentes sociais mapeados”
(p. 274). Com isso, entendemos que a
cartografia social é realizada com a
comunidade, revelando o olhar do sujeito
como os atores sociais, indivíduos de uma
coletividade que, através das relações
sociais, políticas, econômicas e culturais,
produzem territórios em áreas de reforma
agrária.
A proposta foi desenvolvida com
educandos da turma de Educação de
Jovens e Adultos (EJA do Campo) na
Escola Raimundo Facó localizada na
comunidade de Umari, no Assentamento
Antônio Conselheiro em Aracoiaba,
município do Ceará. A relevância da
produção do mapa coletivo reside na
carência de representações sobre as
práticas sociais, econômicas e culturais do
Assentamento. Os resultados revelam que
a utilização da cartografia social na
comunidade (via escola básica) é um
caminho diferenciado para o diálogo entre
os saberes populares e o conhecimento
geográfico, e é uma escolha fundamental
para interpretarmos conflitos do campo
presentes na realidade levando em
consideração a leitura dos camponeses.
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A Formação do Assentamento Antônio
Conselheiro
O Assentamento Antônio
Conselheiro teve origem na ocupação e
desapropriação da Fazenda Córrego de
Quinxinxé no dia 20 de maio de 1995. A
denominação Antônio Conselheiro foi uma
forma de homenagear o líder messiânico
Antônio Vicente Mendes Maciel,
popularmente conhecido como Antônio
Conselheiro, responsável pela criação da
comunidade de Canudos no sertão da
Bahia no século XIX.
O Assentamento Antônio
Conselheiro, desde o início, foi projetado
para ser um lugar de acolhida que
possibilitasse terra e trabalho para as
famílias camponesas, como foi registrado
nas palavras da professora Zélia, diretora
da escola do campo Francisca Pinto da
Silva: ... o intuito da criação do
assentamento era formar uma nova
Canudos aqui no Ceará (Assentamento
Antônio Conselheiro, 2017). A escolha da
Fazenda Córrego de Quinxinxé para a
ocupação da terra teve por base um
levantamento de imóveis improdutivos da
região norte do Ceará obtido de um
trabalho naquele momento (vivíamos o I
Plano Nacional de Reforma Agrária)
realizado por coletivos e lideranças de
movimentos sindicais e sociais.
Após a escolha da Fazenda, as
representações dos camponeses articularam
famílias de camponeses Sem Terra para o
momento da ocupação: moradores de
condição
iv
e posseiros. De acordo com
Sales (2003), a grande maioria dos
trabalhadores vivia em fazendas próximas
à área a ser ocupada, não tinha a posse da
terra e estava passando por problemas
relacionados a conflitos com os
latifundiários. A autora lembra, ainda, que
houve toda uma preparação com reuniões,
troca de informações e acompanhamento
dos grupos até o ato de ocupação na
Fazenda.
A história do referido assentamento
começou com a chegada das famílias que
ocuparam a Fazenda, provenientes de
diferentes cidades e localidades do estado.
As famílias começaram a chegar aqui
no dia 19 de maio de 1995, eram
muitas famílias vindas de vários
municípios do Ceará, acho que foram
uns 12 municípios e localidades,
lembro bem que vieram famílias de
Boa Viagem, Quixadá,
Quixeramobim, Canindé, Madalena,
Caucaia, Itapebussu, Ibaretama,
Ocara, Aracoiaba, Umirim e Itapagé.
Cerca de 400 famílias ficaram
acampadas embaixo de lonas; até sair
a posse da terra, foi muita resistência
(Camponês A. Assentamento
Antônio Conselheiro, 2017).
De acordo com a moradora, as
famílias tinham experiência com a
agricultura, muito embora também
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tivessem vivenciado outros trabalhos
fora do campo.
As famílias que chegaram viviam do
campo, eram todos agricultores, de
plantar para sustentar a família. Saí
com minha família da comunidade de
Rufino em Aracoiaba e trabalhei
quatro anos na Cione (Campanhia
Industrial de Óleos do Nordeste),
com a castanha do caju, porque eu e
meu marido não tínhamos terras para
plantar; quando ficamos sabendo da
ocupação, largamos o emprego e
entramos pela luta, na resistência pra
garantir nosso pedaço de chão pra
plantar e viver (Camponesa B.
Assentamento Antônio Conselheiro,
2017).
Com isso, a ocupação gerou, entre os
moradores de condição da Fazenda, medo
e desconforto, devido, sobretudo, ao temor
do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST)
v
, visto, muitas vezes,
como um movimento formado por pessoas
que gostam de confusão. Como afirmou
um antigo morador,
Deu medo, não sabíamos que povo
era esse. O MST que conhecíamos
era aquele que a televisão mostrava
que existia confusão com a chegada
deles. Então ficamos com receio de
fazer alguma coisa ou que eles
fizessem com a gente. Com o tempo
vimos que a maioria vinha pra viver
dignamente, plantando e tudo mais,
porém tinha uns que veio (sic) pra
bagunçar, eram desonestos, comia
nossos animais, faziam badernas
dentro da fazenda, mas esses foram
expulsos, não ficaram não
(Camponês C. Assentamento
Antônio Conselheiro, 2017).
O movimento de ocupação da terra,
no caso terra improdutiva, é visto como um
desafio complexo, mobilizado pela luta por
direitos e por justiça social. De acordo
com Stédile e Fernandes (1999), “se não
ocuparmos, não provamos que a lei está do
nosso lado. É por essa razão que houve
desapropriações quando houve ocupações”
(p. 115).
Durante o acampamento
vi
na
Fazenda Córrego de Quinxinxé (entre os
anos de 1995/96), ocorreram momentos de
tensão entre os acampados e os gerentes da
fazenda, que ameaçavam pôr fogo nas
barracas, e de conflito entre os camponeses
e a força policial, que ameaçava com
ordem de despejo
vii
. Nesse momento, o
MST construiu frentes de ações para
chamar a atenção do poder público sobre o
que estava ocorrendo na Fazenda. Entre as
mobilizações, vale ressaltar o ato de ocupar
a BR-122, que seguiu com uma caminhada
até o fórum de Aracoiaba finalizando com
uma dramatização realizada por crianças
contando a história das experiências
vividas no acampamento (Oliveira &
Sampaio, 2017).
A vitória das frentes de ações
mobilizadas pelos camponeses aconteceu
com a revogação da ordem de despejo
(1995) e a desapropriação por interesse
social da Fazenda considerada
improdutiva. Portanto, em 2 de abril 1996,
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depois de onze meses foi dada a emissão
de posse do Assentamento Antônio
Conselheiro pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra). O
Assentamento teve sua formação no dia 20
de maio de 1995, com mais de cinco mil
hectares divididos entre as famílias
acampadas e moradores da Fazenda, tendo
cada família ficado com cerca de trinta e
oito hectares (Sales, 2003).
O Antônio Conselheiro está
localizado entre os municípios de
Aracoiaba e Ocara no estado do Ceará,
distante da capital Fortaleza cerca de 101
quilômetros, cujo acesso se dá pela rodovia
BR-122 principal estrada de chegada
para o Assentamento, que o corta ao
meio (Mapa 1). A presença de um fluxo
contínuo de pessoas e veículos no interior
do Assentamento favorece a prática de
escoamento da produção e o comércio de
produtos agrícolas e artesanais por parte
dos assentados.
Mapa 1 Localização do Assentamento Antônio Conselheiro, Ocara e Aracoiaba, Ceará.
Fonte: Sousa, 2017.
Com a conquista da terra, a luta por
condições dignas de moradia, vida e
trabalho no campo se transformou em uma
longa empreitada viabilizada em
mobilização de luta e no diálogo entre as
associações e o governo do Estado.
Organização de associações, igrejas,
escolas, casa de moradia e seus roçados
foram dinamizando o ordenamento
socioespacial do Assentamento como um
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todo. No processo, a busca por projetos
governamentais que viabilizassem
trabalho, educação e saúde foi priorizada
pelos camponeses.
O ordenamento territorial do
Assentamento está dividido em quatro
agrovilas, também consideradas
comunidades: Córrego do Facó e Sede, no
município de Ocara, Furnas e Umari, no
município de Aracoiaba, consideradas
fundamentais para o desenvolvimento
social, político e econômico do todo. As
comunidades estão organizadas em
associações de agricultores, entidades que
constroem caminhos para negociar com o
governo do Estado via órgãos públicos a
busca por projetos e políticas públicas para
o assentamento.
No processo de territorialização das
famílias no assentamento a posse da terra e
a liberdades no trabalho são condições
fundamentais para o desenvolvimento da
“agricultura camponesa” (Carvalho &
Costa, 2012, p. 26). Uma forma de
produzir, de se relacionar com a natureza e
de viver na qual as famílias têm por base o
trabalho familiar nas seguintes atividades:
agricultura de roçado (milho, feijão e
mandioca) e de quintais produtivos
(jerimum, maxixe, hortas, entre outras
produções); pecuária (criação de pequenos
animais: suínos, aves, caprinos e bovinos);
produção artesanal de molhos, manteigas e
bolos; comercialização de produtos em
barracas localizadas ao longo da estrada na
BR-122.
Hoje, o Assentamento tem dois
projetos considerados prioritários: 1) o
projeto Um Milhão de Cisternas (P1MC)
conquistado via Associação do Semiárido
(ASA), que viabilizou água potável para o
consumo e o abastecimento dos quintais
produtivos; 2) a Escola de Ensino Médio
do Campo Francisca Pinto conquistada via
MST, onde os jovens estão desenvolvendo
o ensino médio com formação técnica em
agropecuária.
Com o projeto das cisternas, as
famílias camponesas, sobretudo as
mulheres, estão dinamizando os quintais
produtivos com a produção de alimentos
para a dieta alimentar da família e a
comercialização de produtos. Com a escola
de ensino médio, os jovens estão
aprendendo e ensinando saberes populares
e científicos e tecnologias sociais
importantes no trabalho com a terra. Além
disso, esses projetos trazem a oportunidade
de os jovens não precisarem migrar para os
grandes centros urbanos, garantindo,
portanto, a permanência deles como mão
de obra na agricultura familiar.
Em seu aniversário de 23 anos
(2018), o Assentamento festejou com
missa (Figura 1), teatro, quadrinha e
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reisado com apresentações produzidas e
interpretadas pelos jovens.
Figura 1 Missa em Ação de Graças no Assentamento Antônio Conselheiro, Ceará.
Fonte: Sousa, 2018.
Assim, o Assentamento Antônio
Conselheiro se renova ao longo dos anos
para permanecer na terra conquistada com
o trabalho familiar, o uso de novas
tecnologias sociais e a educação, que
geram oportunidades para a juventude.
Relato de experiência: a cartografia
social na comunidade
A primeira etapa da pesquisa foi
realizada com trabalho de campo e
vivência no Assentamento Antônio
Conselheiro, com o apoio de lideranças e
de professoras. No diálogo ficaram
evidentes dois pontos: primeiro, a
inexistência de representações
cartográficas do Assentamento; segundo, o
conflito presente entre o governo do
Estado via Dnit e os camponeses.
Conforme os técnicos do Dnit, as barracas
de alvenaria estavam muito próximas do
acostamento, fato que poderia dificultar a
visão dos motoristas e causar acidentes na
estrada. Por isso, o órgão solicitou ao Incra
uma redefinição da localização e do
material a ser utilizado nas barracas de
comercialização de produtos do
Assentamento instaladas ao longo da BR-
122. Ficou acordado, com parte dos
camponeses, que a regulamentação das
barracas seria disponibilizada no projeto
Terra Sol (INCRA, CE), que propôs
substituir as barracas de alvenaria por
barracas móveis com cobertura de lona,
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algo nem sempre visto com bons olhos
pelos assentados, sobretudo devido ao
calor provocado pela lona.
Contribuiu para o diálogo a sugestão
do uso da cartografia social com a turma
da EJA do Campo
viii
da Escola de Ensino
Infantil e Fundamental Raimundo Facó,
localizada na comunidade de Umari. A
opção por essa comunidade se deu pelo
fato de ela ser a mais populosa e mais
afetada pelo conflito apresentado. A escola
trabalha com a divisão em ensino Infantil,
Fundamental I, II e uma turma da EJA do
Campo noturno com cerca de 40
educandos.
O levantamento de dados construídos
em entrevistas semiestruturadas realizadas
em campo permitiu a produção de um
diagnóstico do Assentamento (Sousa,
2018). Após o diagnóstico, sentimos a
necessidade de cartografar o Assentamento
traçando suas unidades produtivas e suas
práticas sociais e econômicas. Para isso,
foi feito o contato com a professora da
EJA, com lideranças do MST e com os
educandos da Escola, para a apresentação
da proposta de procedimento com a
cartografia social. Com a anuência dos
sujeitos, retornamos para Fortaleza com a
ideia de construção de uma sequência
didática.
O planejamento da sequência
didática (Pernambuco, 1993) teve o
objetivo de construir a representação
espacial das práticas sociais presentes no
Assentamento a partir da leitura dos
educandos. O procedimento metodológico
foi dividido em três etapas: produção de
croquis, retroalimentação e socialização
dos resultados na escola.
O primeiro momento pode ser
descrito como o estudo da realidade. Para
tanto, optamos por organizar uma
sequência de conteúdos sobre o
Assentamento rural, suas comunidades e
seu entorno. A apresentação da aula foi
precedida de um questionário simples no
qual se buscou conhecer a leitura dos
educandos sobre sua comunidade: ruas,
disposição das casas, dos quintais, dos
roçados e dos recursos hídricos, entre
outros elementos. Nesse momento, as falas
circularam em torno de leituras pontuais
como “temos os quintais produtivos”, ou
ainda, “comercializamos nossos produtos
nas barracas na BR-122 e agora o Dnit
quer mudar”. Para os educandos, a renda
adquirida com a produção agrícola e
artesanal e com a comercialização dos
produtos parecia ser algo fundamental na
realidade da comunidade, que fez questão
de enfatizar o conflito provocado pelo
governo do Estado via Dnit. Essas
informações foram fundamentais para
organizarmos a construção do
conhecimento. Esse foi o momento de
Oliveira, A. M., Sousa, A. S. H., & Souza, G. R. G. (2021). Assentamento Antônio Conselheiro: A Importância do Mapa Coletivo na Leitura da Realidade
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ouvirmos e compreendermos os sujeitos da
pesquisa, estando atentos para explicar e
construir a importância de nossa proposta e
dar a ela um significado no universo do
educando.
O momento seguinte foi a aula
expositiva e dialogada (Figura 2), na qual
pontuamos o Assentamento no contexto do
sistema mundo, apresentando a cartografia
com seus elementos básicos: título,
legenda, escala, orientação e legenda.
Seguimos dialogando sobre a cartografia
oficial e a cartografia social e introduzimos
os elementos básicos para o
desenvolvimento dos croquis: estradas,
casas de moradia, áreas de roçados e
recursos hídricos. Na sequência, cada
grupo ficou encarregado de fazer um
desenho/croqui do Assentamento.
Figura 2 Aula expositiva dialogada na Escola Raimundo Facó, Assentamento Antônio Conselheiro, Ceará.
Fonte: Sousa, 2018.
A cena apresentada na Figura 2
revela a atividade da aula, precedida de um
amplo estudo da realidade local. Foi desse
estudo inicial que surgiram curiosidades
sobre a relação dos educandos com o
espaço social do Assentamento. Também
foi nesse contexto que pontuamos o passo
seguinte, ou seja, o momento de
escolhermos estratégias para o
desenvolvimento dos conteúdos
relacionados e os procedimentos
metodológicos.
O segundo momento pode ser
descrito como a fase das expectativas. Foi
também quando buscamos caminhos para
superar as fragilidades identificadas,
absorvemos informações e desenvolvemos
habilidades necessárias para dar conta das
questões apresentadas. “Aqui predomina a
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fala do organizador (Pernambuco, 1993,
p. 34, grifos do autor). Vale ressaltar que a
fala dos camponeses orientou esse
momento, que se constituiu na tentativa de
propiciar os saltos que não poderiam ser
dados sem o conhecimento científico
sistematizado em livros e na própria
formação dos organizadores. Foi, portanto,
o momento da organização do
conhecimento respeitando o diálogo de
saberes dos educandos e dos professores
em formação.
Nesse processo de organização,
optamos pelo trabalho de produção de
croquis. Para isso, levamos um conjunto de
material didático: cartolinas, papel ofício,
lápis de cor e canetinhas coloridas. Os
educandos em grupo (turma com uma
média de 35 pessoas) tiveram o desafio de
aplicar os conhecimentos de sua realidade
na construção dos croquis do
Assentamento (Figura 3).
Figura 3 Produção do Mapa Coletivo na Escola Raimundo Facó, Assentamento Antônio Conselheiro, Ceará.
Fonte: Sousa, 2018.
Nessa ocasião, tivemos o apoio
incondicional da professora de Geografia,
que viabilizou nossa permanência no
Assentamento e animou o grupo para a
produção do material. Nesse dia, houve
ainda a apresentação e a retroalimentação
dos croquis produzidos, cujo uso propiciou
a leitura espacial dos pesquisadores e dos
educandos sobre o Assentamento.
No primeiro croqui (Croqui 1) pode-
se observar a dinâmica socioespacial do
Assentamento.
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Croqui 1 Representação espacial do Assentamento Antônio Conselheiro. Aracoiaba-CE.
Fonte: Grupo da Paloma (2018).
No Croqui 1, os camponeses fizeram
questão de destacar uma especificidade da
agricultura camponesa: a diversidade
presente nos quintais produtivos com o
cultivo de coentro, cheiro-verde, pimenta e
feijão (Figura 4), além da criação de
pequenos animais, como as galinhas
presentes no desenho. Houve destaque
também para as barracas de comércio
localizadas na estrada que corta o
Assentamento.
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Figura 4 Quintais produtivos: coentro e cheiro-verde. Assentamento Antônio Conselheiro. Comunidade Umari,
Aracoiaba-CE.
Fonte: Gonçalves (2018).
Na Figura 4, o quintal produtivo com
hortaliças é o da casa de um assentado que
destacou a importância dos quintais no
fornecimento de alimentos frescos e
saudáveis, os quais ajudam no
desenvolvimento e sustento de sua família.
De acordo com Batista (2014), os
quintais produtivos nos sertões do Cea
formam “um sistema de policultivos,
preferencialmente, cultivados próximo à
residência, sendo, muitas vezes, uma
extensão da casa” (p. 56). De comuns,
esses quintais tornaram-se cada vez mais
importantes na luta pela soberania
alimentar. No assentamento em estudo, a
opção pela alimentação saudável também
passa por dentro da escola através da horta
didática descrita por Oliveira & Sampaio
(2017).
Outra representação bem interessante
foi a elaborada no Croqui 2.
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Croqui 2 Espacialização do Assentamento Antônio Conselheiro. Ocara e Aracoiaba-CE.
Fonte: Grupo da G.
No Croqui 2, o destaque foi dado às
áreas produtivas dos quintais e aos roçados
e, na sequência, às barracas na BR-122,
além dos equipamentos: como igrejas,
quadras de esporte, escola e posto de
saúde. Em todos os croquis, os educandos
tiveram o cuidado de revelar um
assentamento produtivo, com vida e
trabalho na produção de alimentos para a
dieta familiar, na criação de animais e na
comercialização (atividade composta pela
venda de produtos agrícolas e artesanais).
Demonstrando que o trabalho familiar
camponês “abastece a casa de morada,
alimenta seus membros, mas também é
destinado a lugares e pessoas exteriores a
esta realidade” (Moura, 1986, p. 55). No
diálogo com os assentados, ficou clara a
composição do trabalho familiar na relação
entre os quintais produtivos, a produção
nos roçados e a comercialização dos
produtos. A interferência da proposta do
governo do Estado via Dnit na dinâmica
dessa composição gerou dúvidas e
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conflitos envolvendo a participação do
Incra.
No conflito presente entre o governo
do Estado via Dnit e os camponeses, a
solução traçada junto ao Incra foi a
substituição das barracas de alvenaria por
barracas de lona que pudessem ser
desmontadas. No processo, as barracas de
lona foram montadas, mas as de alvenaria
não foram derrubadas (Figura 5). Muitos
dos camponeses alegaram a insalubridade
decorrente do calor provocado pelas lonas
plásticas.
Figura 5 Comércio na BR-122 na Comunidade Umari, no Assentamento Antônio Conselheiro. Aracoiaba-CE
Fonte: Sousa (2018).
A Figura 5 revela à esquerda a
barraca de alvenaria tradicional na
comunidade e à direita a barraca de lona
idealizada no projeto com o Incra,
resultado do conflito entre o governo via
Dnit e os camponeses, como já falamos.
Na leitura de muitos camponeses, a
solução foi agregar as barracas. Assim, as
denominadas “novas barracas” foram
conquistas de mais um projeto do
Assentamento para manter a economia da
venda de produtos agrícolas e artesanais na
produção de renda na comunidade.
A opção camponesa forjada no
conflito foi fundamental para revelar a
dinâmica e a diversidade da produção
agrícola e artesanal presentes no
Assentamento de reforma agrária no Ceará.
De acordo com o camponês D. “quem não
está no roçado, vem vender os produtos na
BR”. Nas barracas (Figura 6) são
comercializadas as seguintes mercadorias:
frutas (manga, graviola, castanha de caju,
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jaca, acerola e ata
ix
); temperos (molhos de
pimenta malagueta, manteiga da terra
x
e
nata); mel (abelhas jandaíra e italiana);
produtos industrializados (salgadinhos e
bombons).
Figura 6 Produtos vendidos na BR-122. Comunidade de Umari. Assentamento Antônio Conselheiro,
Aracoiaba-CE.
Fonte: Gonçalves (2018).
O resultado do momento de
produção e socialização dos croquis, com
retroalimentação e ajustes para a confecção
do mapa coletivo, foi dinamizado com o
diálogo de saberes dos camponeses
educandos com os pesquisadores em
campo. A produção de uma denominada
“cartografia camponesa” (Batista, 2014)
foi mobilizada no mundo da reforma
agrária. Assim, os camponeses,
mobilizados no mundo da escola,
intencionaram não mapear os conflitos,
mas também revelar potencialidades
presentes no Assentamento. Nesse
contexto, a camponesa E., ressaltou: “Fica
mais fácil às pessoas verem que estamos
trabalhando, que além dos roçados temos
outros projetos nas comunidades que
fortalecem a luta camponesa”.
Para o terceiro momento, da
sequência didática com os assentados,
optamos por digitalizar o mapa coletivo e,
de posse do documento impresso (Mapa 2),
socializar com a comunidade.
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Mapa 2 Comunidade Umari, no Assentamento Antônio Conselheiro. Ocara e Aracoiaba-CE.
Fonte: Farias (2018).
A entrega do mapa coletivo foi feita
à professora da EJA da Escola Raimundo
Facó, que se comprometeu a socializar
com os educandos (Figura 7).
Figura 7 Entrega do Mapa Coletivo. Comunidade Umari, no Assentamento Antônio Conselheiro. Aracoiaba-
CE.
Fonte: Gonçalves (2018).
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O uso da cartografia social chegou
num momento pertinente para o
Assentamento, pois as lideranças estavam
procurando formas de revelar para a
comunidade um levantamento sobre as
atividades locais desenvolvidas e o
reordenamento de novos espaços de
produção, comercialização e lazer. De
acordo com a camponesa F.,
O momento tem sido de decisões
sobre áreas de cultivo; mudanças no
material das barracas; reestruturação
de áreas de várzea. E com o mapa
fica materializada a divisão das
comunidades e a localização das
casas de moradia; de quintais
produtivos, das escolas entres outros
equipamentos, daí a importância
dessa cartografia simples
(Camponesa F.. Assentamento
Antônio Conselheiro, 2018).
E continua
O bom do mapa foi a riqueza dos
detalhes, e a divisão que você fez das
agrovilas também foi muito legal,
para que os assentados possam ter a
dimensão das partes do
assentamento. Porque como o
Assentamento são quatro agrovilas,
ele está muito espacializado e isso
muitas vezes faz com que os próprios
assentados não tenham a dimensão da
sua agrovila; com os mapas fica mais
claro essa divisão (Camponesa F..
Assentamento Antônio Conselheiro,
2018).
De acordo com Batista (2014), “os
mapas carregam também o desejo da
autonomia, da liberdade, do controle do
homem de suas vontades e do atendimento
das necessidades” (p. 66). O trabalho de
produção coletiva das representações
reacendeu a ideia de união, organização
conjunta, fundamental para vencer os
desafios vividos no Assentamento, que
passa pela necessidade de revelar a
autonomia da comunidade em suas
decisões e escolhas de vida e trabalho.
Nos croquis elaborados pelos
assentados, foi possível compreender o
sentido dado a algumas de suas práticas
sociais, entre as quais podemos lembrar: 1)
o uso da agroecologia presente nos quintais
produtivos como uma forma de superar a
dependência da lógica capitalista que
privilegia a compra de produtos com
agrotóxicos nos supermercados. A lógica
camponesa passa não pela produção
livre de veneno para sua família, mas para
toda a sociedade; 2) a busca pela
autonomia na prática de comercialização e
na autogestão da terra conquistada, vista
como opção para continuar camponês; 3) a
necessidade de revelar o Assentamento
Antônio Conselheiro como um espaço
social produtivo e consolidado com uma
diversidade de práticas sociais, econômicas
e políticas.
Os mapas coletivos são instrumentos
repletos de sentimentos subjetivos e
objetivos, fundamentais no
reconhecimento de valores e interesses
sobre o território. São, portanto,
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instrumentos de luta por gestão com
autonomia, por emancipação e pela
reforma agrária. Com isso, lembramos que
é preciso pensar o assentamento não
apenas como uma área de terra
desapropriada com o fim de cumprir as
disposições legais relativas à reforma
agrária e destinada à produção
agropecuária e ou extrativista, mas,
também, como um espaço heterogêneo
constituído por famílias camponesas, que
no cotidiano se organizam e lutam por um
projeto de desenvolvimento rural que
contemple terra, trabalho, educação e
dignidade, entre outros direitos, a favor dos
povos do campo.
Considerações finais
Os assentamentos rurais são “frações
do território” (Fernandes, 1996, p. 17)
capitalista conquistadas na luta pela
reforma agrária no Brasil. A terra
conquistada é, inicialmente, condição para
a recriação do trabalho familiar e da vida
no campo. Por isso, temos certeza de que a
luta para entrar na terra é o começo; a
conquista do assentamento acontece todos
os dias com criatividade, diálogo e
trabalho. A luta por projetos produtivos,
por educação, por reconhecimento da
autonomia na gestão do território acontece
no cotidiano, muitas vezes questionada
pelos órgãos públicos em suas
competências.
A experiência com o procedimento
metodológico da cartografia social com
educandos da EJA do Campo da escola
Francisco Facó, localizada na comunidade
de Umari, foi um desafio que nasceu no
diálogo com os assentados, mas que foi
alimentado por outras experiências
descritas na academia. O diálogo entre os
saberes do cotidiano e os conhecimentos
científicos na escola nos aproximou de
sujeitos sociais preocupados e
comprometidos com a luta pela recriação
camponesa no mundo da reforma agrária.
Longe de parecer desenhos com
traços soltos e sem coerência, os croquis
desenvolvidos pelos camponeses
educandos revelam um assentamento
produtivo. Esse desenho da realidade
interpretada por símbolos objetivos e
subjetivos onde as práticas produtivas
vinculadas aos roçados e aos quintais
produtivos e os caminhos alternativos na
comercialização de produtos, aliados a
projetos outros de soberania alimentar e de
educação de qualidade, é fundamental para
revelar a autonomia camponesa na gestão
do assentamento conquistado.
No processo de produção do mapa
social, os camponeses nos brindaram com
sociabilidade, coletividade e organicidade
quando revelaram a clara intenção de
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mapear os conflitos e também revelar
oportunidades presentes no Assentamento.
Dessa forma, o mapa revelou a
territorialização da luta por trabalho,
direitos, justiça, educação, soberania
alimentar e reforma agrária popular.
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i
Artigo resultado do aprofundamento de resumo
completo intitulado, Cartografia social no
Assentamento Antônio Conselheiro/Ceará
publicado no 14º
ENPEG https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/anais14enpe
g/index, no ano de 2019.
ii
Article resulting from the deepening of the
complete summary entitled, “Social cartography
at the Antônio Conselheiro Settlement / Ceará”
published in 14th ENPEG
https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/anais14enpeg/index,
in the year of 2019.
iii
Artículo resultante de la profundización del
resumen completo titulado Cartografia social no
Assentamento Antônio Conselheiro/Cea,
publicado en lo 14º
ENPEG https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/anais14enpe
g/index, en el año 2019
iv
Morador de condição é um agricultor que, não
possuindo terras, tem permissão do proprietário
para morar e lavrar a terra, a paga dessa permissão,
envolve, em muitos casos, a troca de dias de serviço
pela casa de moradia.
v
O MST é um movimento socioterritorial que
reúne em sua base diferentes categorias de
camponeses (posseiros, meeiros, trabalhadores
assalariados chamados de sem-terra) e, também
diversos lutadores sociais para desenvolver as lutas
pela terra e por Reforma Agrária” (Fernandes,
2012, p. 496).
vi
O acampamento “é um espaço de luta e
resistência. É a materialização de uma ação coletiva
que torna pública a intencionalidade de reivindicar
o direito à terra para produção e moradia”
(Fernandes, 2012, p.21).
vii
Documento assinado por um juiz autorizando
“ações policiais ou privadas de retirada forçada de
comunidades ou famílias de fazendas ..., ocupadas
por movimentos sociais quando essas propriedades
não cumprem a sua função social” (Escrivão Filho,
2012, p. 210).
viii
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) do
Campo é uma modalidade específica de educação
básica, “destinada aos sujeitos do campo e da
cidade aos quais foi negado ao longo de suas vidas
o direito de acesso à e de permanência na educação
escolar básica” (Araújo, 2012, p. 250).
ix
No Brasil, a ata (nome regional) é popularmente
conhecida como fruta-do-conde.
x
A manteiga da terra é um tipo de manteiga que se
mantém liquida em temperatura ambiente.
Geralmente, comercializada em garrafas de vidro é
sempre consumida com o cuscuz de milho ou a
macaxeira cozida.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 18/06/2020
Aprovado em: 13/03/2021
Publicado em: 07/08/2021
Received on June 18th, 2020
Accepted on March 13th, 2021
Published on August, 07th, 2021
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dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
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data, production of the manuscript, critical revision of the
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nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Article Peer Review
Double review.
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As autoras agradecem aos financiamentos dos projetos
CAPES PGPSE Proc. 88887.123947/2016-00: Sistemas
Ambientais costeiros e ocupação econômica do Nordeste;
CAPES PRINT Proc. 88887.312019/2018-00: Integrated
socio-environmental technologies and methods for
territorial sustainability: alternatives for local communities
in the context of climate change; e Programa
CAPES/FUNCAP Proc. 88887.165948/2018-00: Apoio às
Estratégias de Cooperação Científica do Programa de
Pós-Graduação em Geografia UFC.
Funding
The authors thank the funding of the projects CAPES
PGPSE Proc. 88887.123947/2016-00: Coastal
Environmental Systems and economic occupation of the
Northeast; CAPES PRINT Proc. 88887.312019/2018-00:
Integrated socio-environmental technologies and methods
for territorial sustainability: alternatives for local
communities in the context of climate change; and
CAPES/FUNCAP Program Proc. 88887.165948/2018-00:
Support to Scientific Cooperation Strategies of the
Graduate Program in Geography - UFC.
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OLIVEIRA, A. M.; SOUSA, A. S. H.; SOUZA, G. R. G.
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