Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9157
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e9157
10.20873/uft.rbec.e9157
2020
ISSN: 2525-4863
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Quando campesinato vira verbo: campesinar a escola!
Camila Zucon Ramos de Siqueira
1
,
Maria de Fátima Almeida Martins
2
1
Universidade Estadual de Minas Gerais - UEMG. Curso de Pedagogia. Avenida Paraná, 3001, Jardim Belverdere I,
Divinópolis - MG. Brasil.
2
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Autor para correspondência/Author for correspondence: camilazucon@gmail.com
RESUMO. O objetivo deste artigo é discutir a relação entre o
campesinato, o processo educativo do trabalho camponês e a
escola. Para lidar com essa questão partiu-se de leituras sobre o
campesinato, Educação do Campo e Pedagogia da Alternância,
assim como da análise dos dados da pesquisa de doutorado
desenvolvida no território norte do Espírito Santo, região
Sudeste do Brasil, onde a pedagogia camponesa tem sido
expandida para várias escolas públicas. A Pedagogia da
Alternância, uma das formas encontrada pelos camponeses para
educar seus filhos, traz a voz e as práticas produtivas e culturais
campesinas para o processo formativo, sendo a tríade terra,
trabalho e família o pilar dessa experiência. O que encontramos
nessa pesquisa foi uma prática do movimento camponês e seu
intento de incluir a escola na manutenção dessa tríade com o
propósito de educar de forma crítica, implicando um projeto
educativo que atenda horizontes de emancipação construídos
coletivamente não somente de escolarização.
Palavras-chave: Campesinato, Educação do Campo, Escola
Camponesa.
Siqueira, C. Z. R., & Martins, M. F. A. (2020). Quando campesinato vira verbo: campesinar a escola!
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When peasantry becomes a verb: peasantry the school!
ABSTRACT. The purpose of this article is to discuss the
relationship between the peasantry, the educational process of
peasant work and the school. To deal with this issue, we started
with readings on the peasantry, Rural Education and Pedagogy
of Alternation, as well as the analysis of data from the doctoral
research developed in the northern territory of Espírito Santo, in
the Southeast of Brazil, where peasant pedagogy has been
expanded to several public schools. Pedagogy of Alternation,
one of the ways found by peasants to educate their children,
brings the voice and peasant productive and cultural practices to
the training process, with the triad of land, work and family
being the pillar of this experience. What we found in this
research was a practice of the peasant movement and its attempt
to include the school in the maintenance of this triad with the
purpose of educating critically, implying an educational project
that meets the horizons of emancipation built collectively - not
only of schooling.
Keywords: Peasantry, Countryside Education, Peasant School.
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Cuando el campesinado se convierte en verbo:
¡campesinar la escuela!
RESUMEN. El objetivo de este artículo es discutir la relación
entre el campesinado, el proceso educativo del trabajo
campesino y la escuela. Para lidiar con esta cuestión, se ha
analizado la literatura sobre el campesinado, la Educación Rural
y la Pedagogía de la Alternancia, así como el análisis de los
datos de la investigación de doctorado desempeñada en el
territorio norte del estado de Espírito Santo, en la región sureste
de Brasil, donde la pedagogía campesina se ha expandido a
varias escuelas públicas. La Pedagogía de la Alternancia, una de
las formas encontradas por los campesinos para educar a sus
hijos, trae la voz del campesinado, y sus prácticas productivas y
culturales, hacia el propio proceso formativo, configurándose
como pilar de esta experiencia la triada tierra, trabajo y familia.
Lo que hemos encontrado en nuestra investigación es una
práctica del movimiento campesino y su intento de incluir la
escuela en la manutención de esta triada con el propósito de
educar críticamente, involucrándose en un proyecto educativo
que atienda no sólo horizontes de escolarización, sino también
verdaderos horizontes de emancipación colectivamente
construidos.
Palabras clave: Campesinado, Educación Rural, Escuela
Campesina.
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Introdução
Quando falamos em verbos no
infinitivo nos referimos a uma ideia de
movimento em potencial, ao ato ou efeito
de fazer algo, uma imagem de ação,
conforme apontam os dicionários. Essa
forma nominal dos verbos não se refere a
uma pessoa, a um tempo ou a um modo
específicos, mas a um vocábulo que pode
ser conjugado de diferentes formas. Dessa
maneira, quando propomos campesinar a
escola, aludimos ao ato que se atrela à
ideia de movimentar o espaço escolar a
partir dos saberes camponeses, ampliando
a noção de educação para além da escola;
dialeticamente, uma negação e uma
incorporação da ideia de escolarização da
classe camponesa.
Nesse sentido, em negação a uma
lógica de escolarização que afastava as
filhas e os filhos de camponesas e
camponeses do seu território, foi pensada
uma pedagogia que pudesse considerar o
tempo campesino no calendário escolar: a
Pedagogia da Alternância. Esta estabelece
relações entre a ida à escola sem o
abandono da dinâmica de vida camponesa,
que, segundo Gimonet (2007), citado por
Begnami (2019), cria uma pedagogia das
relações alternando tempos e espaços
educativos, ou seja, períodos de internato
na escola, chamados tempo-escola, e
estadia ou meio socioprofissional,
denominados tempo-comunidade.
Essa pedagogia surge na França em
1937 a partir das experiências educativas
das Maisons Familiales Rurales (Chartier,
1986 apud Silva, 2012). No Brasil, essa
prática formativa chegou em meados da
década de 1960, no Espírito Santo,
confluindo com as necessidades de alguns
movimentos camponeses que se
dedicavam à construção de experiências de
escolas em alternância em parceria com
sindicatos, associações, igrejas e poder
público (Andrade & Andrade, 2012). Tais
vivências, muito plurais, iniciaram-se a
partir de tonalidades políticas distintas em
cada território em que foram iniciadas,
influenciadas pelas contradições locais e
pelos grupos organizados que as
encamparam.
No Brasil e no mundo, essa
diversidade de usos e abusos da Pedagogia
da Alternância é uma realidade. Por isso,
nossa intenção não é generalizá-la como
uma pedagogia camponesa em todos os
contextos, mas afirmar seus frutos e
desdobramentos no território norte do
estado do Espírito Santo, Brasil, haja vista
que esta experiência poderá servir de
horizonte para outras territorialidades.
Neste artigo, buscamos a
aproximação entre as categorias de
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campesinato (Martins, 1983),
campesinidade e pedagogia camponesa
para discutir a Educação do Campo como
prática/movimento/paradigma (Arroyo &
Fernandes, 1999). Essa interlocução do
campesinato como classe social e como
modo de vida e da campesinidade como
ética camponesa desvela elementos
emancipatórios em diálogo com questões
antropológicas, etnográficas, pedagógicas e
educacionais.
Em questão, esse movimento teórico
que trilhamos foi provocado pela própria
realidade, que alia um conjunto variado de
afiliações e perspectivas, como vimos em
chaves interpretativas que nos auxiliaram
no trajeto analítico.
No âmbito da escolarização
oferecida aos povos campesinos, o verbo
fixar foi muito utilizado no sentido de
convencê-los a permanecer no campo, ou
seja, fixar o homem no campo era a
proposta inicial das escolas em regime de
alternância, uma vez que estas eram muito
atreladas à noção de subordinação do
campesinato às classes urbanas sob a
justificativa de que a saída do campo para
a cidade não resultasse no inchaço
populacional desta última.
Esse projeto, que denominamos de
Educação Rural, surge no Brasil na cada
de 1930 e traz de modo arraigado aos seus
princípios uma proposta que enxergava o
fim do rural e a hegemonia do urbano,
vinculando-se, ainda, à ideia do fim do
campo e do campesinato. Tratava-se de
uma leitura teórico-política fundamentada
em uma análise parcial da realidade, fruto
do nosso processo de urbanização
explosivo e dependente.
No último século, o Brasil passou
por esse processo de crescimento urbano
impactante quanto ao modo de vida. Esse
processo influenciou na leitura de campo
subjugada à lógica urbana. Embora o país
seja constituído, majoritariamente, por
relações agrárias na produção, nos hábitos
e nos costumes. Com isso, reforçou-se a
negação do seu potencial produtivo agrário
e do valor do campesinato. Ademais, esse
cenário, associado à industrialização,
ocorreu em uma relação de dependência
dos países centrais, resultando na expulsão
de camponeses para os centros urbanos em
busca de oportunidades de trabalho.
Acentuada a desigualdade social
estabelecida pela questão agrária e pela
presença de grandes latifúndios,
configurou-se um conflito intenso entre
latifundiários e campesinato.
Nesse ínterim, segundo Leonardo
Boff (2016, p. 28), “somos, pois, um dos
países mais desiguais do mundo, o que
significa um país violento e cheio de
injustiças sociais. Esta desigualdade social
é uma das causas principais da violência no
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campo e na cidade”, conflito que resulta,
até os dias atuais, em massacres cotidianos.
As sombras que produziram essa
desigualdade e essa violência, como
defende o teólogo da libertação, possui três
raízes históricas: nosso passado colonial,
que gera dependência e valorização do
estrangeiro; o genocídio indígena,
culminado em ausência de respeito e
discriminação; e a escravidão, que finaliza
o processo de desumanização para com os
povos de ancestralidade africana, ou seja,
todo o povo brasileiro.
A quarta sombra que explica grande
parte da violência no campo é a Lei
de Terras do Brasil, de 601 de 18
de setembro de 1850. Segundo esta
lei, a apropriação de terras só se faria
mediante compra da Coroa,
proprietária de todas elas. Com isso,
os pobres e afrodescendentes, por
falta de dinheiro, foram totalmente
excluídos e entregues ao arbítrio do
grande latifúndio, submetidos a
trabalhos sem garantias sociais (Boff,
2016, p. 28).
A Lei de Terras, de 1850, funda,
estruturalmente, a questão agrária
brasileira, oficializando a pobreza calcada
na desigualdade do acesso à terra. Essa
injustiça persevera no tempo e no espaço,
tomando contornos que acentuam a
segregação social e a tradição de
exploração dos trabalhadores e
trabalhadoras do campo pelos grandes
proprietários de terra, herdeiros das
sombras colonialista, genocida e
escravagista.
Diante desse contexto, as lutas dos
movimentos camponeses protagonizaram
resistência popular em toda a América
Latina, avigorando que o protagonismo do
campesinato nos movimentos sociais é
uma realidade. No Brasil, constituiu-se o
maior movimento social de luta pela terra,
a partir da necessidade de uma articulação
que garantisse a resistência camponesa
contra a violência do latifúndio,
expropriador da riqueza coletiva.
A Reforma Agrária tornou-se uma
bandeira de destaque, e a ocupação de
terras se constituiu como importante
instrumento de afirmação do campesinato,
sendo o lema “ocupar, resistir e produzir”
enunciadores desse processo de construção
da luta pela terra. Esse movimento
ampliou-se, massificou-se e passou a ter
diversas frentes, sendo uma delas a
educação, dando origem à Educação do
Campo.
A negação histórica do direito à
escola estava dentre as negações do Estado
e da sociedade aos povos camponeses,
vindo a ser visto pelo movimento social
como uma conquista tática e estratégica
muito significativa. Foi protagonizado,
inicialmente, pelo Movimento de
Trabalhadores Rurais Sem Terra MST e
articulado, posteriormente, por diferentes
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movimentos e organizações sociais, tendo,
hoje, mais de duas décadas de organização.
A Educação do Campo é,
simultaneamente, um movimento, uma
prática e um paradigma teórico
metodológico (Caldart, 2012). É um
movimento, porque as reivindicações e
lutas políticas constituem o eixo central;
uma prática, porque se metamorfoseia e se
(re)constrói cotidianamente nas escolas,
fóruns, comitês e cursos superiores; e é um
paradigma, porque diversas formulações se
articulam dialeticamente nessa grande
frente, que defende a tese da luta por uma
educação do/no/e para o campo. E, ainda,
articula o campesinato em suas diversas
formas, associativas, sindicais, escolares,
dentre outras. Dizemos, dessa forma, que é
um movimento que agrega sem reduzir e
sem perder a identidade, visto que essa
frente não se dá enquanto uma instância
organizativa autônoma, mas, sim, como
uma congregação de diversos grupos
organizados e em luta.
Dentre as comunidades que
integram tais pautas estão: as comunidades
quilombolas, com suas lides territoriais no
campo e na cidade ligadas à ancestralidade
e à dívida histórica da sociedade brasileira;
os geraizeiros, povos tradicionais que
habitam nas chapadas, no bioma dos gerais
no estado de Minas Gerais, região Sudeste
do Brasil, que reivindicam o cerrado como
um modo de vida, e não como meio, uma
natureza que não está separada da vida,
confrontando o agronegócio
cotidianamente; e as catadoras de
mangaba, no estado de Sergipe, região
Nordeste do Brasil, que resistem por uma
caatinga viva e uma economia solidária,
além de uma produção agroecológica.
Todos esses são exemplos de iniciativas
que se encontram e nutrem a Educação do
Campo.
Contextualmente, o movimento
camponês não quer escolarizar seus
filhos e filhas, mas lutar pela manutenção
da tríade terra, trabalho e família, sempre
em busca da territorialização por meio da
escola. Porquanto, a crítica à escola rural
como projeto hegemônico do Estado
brasileiro desde 1930, precária e
descontínua, fez um longo percurso até a
construção de um viés emancipador das
populações camponesas, que se tratava
de uma escola que negava a cultura do
campo e afirmava a cidade como horizonte
único e incontestável.
Logo, a veia contestatória do
movimento camponês sempre se associou à
proposição, à luta pela Reforma Agrária e
tem se dado por meio da ocupação de
latifúndios improdutivos e da
transformação dessas terras em território
coletivo de vida, de produção, de
resistência e de educação. Reforma Agrária
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e Educação do Campo são bandeiras para a
construção do campesinato enquanto
verbo: campesinar as escolas.
Nesse âmbito, conforme apresentado,
há, em desenvolvimento, uma experiência
representativa dessas ações no território
norte do Espírito Santo, região Sudeste do
Brasil, que trabalha a expansão de uma
pedagogia camponesa para rias escolas
públicas, comunitárias e de assentamentos
da Reforma Agrária. Essa pedagogia,
também conhecida como Pedagogia da
Alternância, traz a voz e as práticas
produtivas e culturais campesinas para o
processo formativo, considerando,
também, a tríade terra, trabalho e família
como pilar dessa experiência. Um dos
instrumentos pedagógicos centrais dessa
pedagogia é o Plano de Estudos, o qual
ouve as demandas das famílias camponesas
para construir e estruturar o currículo
escolar.
A prática desenvolvida por essas
escolas remete ao educar de forma crítica,
que implica a construção de um projeto
educativo que atende as demandas de
emancipação construídas de modo coletivo
e em luta. Por isso, ensaia-se um processo
de campesinar a escola, trazendo o trabalho
e a cultura campesina para os marcos desse
espaço, em contraposição à precária
escolarização oferecida hegemonicamente
pelo Estado no meio rural.
O que discutiremos a seguir será a
ação dessas escolas do campo no norte do
estado do Espírito Santo como
reafirmadora da prática camponesa e do
território como projeto de vida. Apreender
essa realidade e os conceitos sobre o
campesinato e a campesinidade
constituem-se como centrais para
compreendê-la enquanto prática no
território. A Educação do Campo e
camponesa mobilizam o território como
ação transformadora e reafirmadora de
uma escola e de um projeto de campo.
Campesinato e campesinidade
As compreensões clássicas,
envolvendo a questão agrária como
perspectiva teórico-metodológica,
instigam-nos a ir além no sentido de
conhecer um conjunto de divergências
postas pelas diversas escolas de
pensamento da Geografia Agrária. Vale
ressaltar que teceremos apenas breve
apontamento sobre tais estudos. Esses
conceitos se tornam relevantes no presente
artigo, pois a Educação do Campo está
para além da escola e busca construir um
processo educativo que considere o
trabalho e a cultura camponesa. Por isso,
campesinato e campesinidade são ideias
fundantes da noção da construção de uma
escola campesina.
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Fruto primeiro da acumulação
primitiva do capital, da propriedade
privada da terra e, posteriormente, da
concentração fundiária e da manutenção do
latifúndio improdutivo e produtivo , ou
seja, da contradição do capital, “a questão
agrária é o movimento do conjunto de
problemas relativos ao desenvolvimento da
agropecuária e das lutas de resistência dos
trabalhadores, que são inerentes ao
processo desigual e contraditório das
relações capitalistas de produção”
(Fernandes, 2015, p. 30).
Fernandes (2015) sistematiza e
difunde a existência de dois paradigmas
que explicam o campo brasileiro: o
Paradigma da Questão Agrária PQA e o
Paradigma do Capitalismo Agrário PCA.
Para o autor, no “paradigma da questão
agrária, o problema está no capitalismo, e
para o paradigma do capitalismo agrário, o
problema está no campesinato”
(Fernandes, 2015, p. 27). Para nós, adeptos
da primeira vertente, existe uma questão
agrária, e o capitalismo cria um conjunto
de contradições para a vida do
campesinato, que, mesmo contornadas,
serão superadas com o fim do próprio
capitalismo. O PQA não é homogêneo, e,
para o autor, poderia ser dividido em duas
tendências: uma proletarista e outra
campesinista.
Inspiradas por Shanin (2008),
sabemos que a conceituação e a abstração
não alcançam a realidade em sua
totalidade, mas o reconhecimento do
campesinato como uma classe social e um
modo de vida é fundamental para a
construção de sua emancipação.
Concordamos, nesse bojo, com
Marques (2008a, p. 60), que acrescenta que
esse campesinato é constituído de “uma
diversidade de formas sociais baseadas na
relação de trabalho familiar e formas
distintas de acesso à terra, como o
posseiro, o parceiro, o foreiro, o
arrendatário, o pequeno proprietário etc.”,
e que a centralidade do papel da família na
produção e nesse modo de vida
articulada com o trabalho na terra leva à
constituição dos “elementos comuns a
todas essas formas sociais” (Marques,
2008a, p. 60).
Observamos um protagonismo do
campesinato nos movimentos sociais
atuais, em uma perspectiva emancipatória
no Brasil, tal como se deu no século XIX,
quando os movimentos camponeses
tiveram um papel decisivo. E essa é uma
dimensão educativa do movimento
camponês que educa, inclusive, a escola.
Destacamos que algumas análises,
atreladas ao paradigma proletarista, feitas
sobre o campesinato, tentaram relegá-lo a
sujeitos apegados a terra, com precária
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escolarização, atribuindo-lhes um papel
subordinativo e fora das decisões políticas.
Nesse sentido, Ribeiro (2010, p. 162)
aponta que “pode ser que esses fossem os
aspectos mais visíveis; pode ser, também,
que essa seja uma forte razão para que os
movimentos sociais populares rurais/do
campo reivindiquem, junto com a terra de
trabalho, a educação do campo por eles
pensada, gerida e avaliada”.
Para todos os efeitos, o campesinato
precisa ser compreendido de uma forma
histórica e dinâmica. É por meio dessa
perspectiva que observamos as mudanças
significativas sobre a compreensão do
papel dos camponeses no decorrer da
história em distintos contextos geográficos.
O destino dessa classe social define-
se ao longo de sua própria história, a
partir das posições que ela ocupa no
campo de lutas que se forma em
torno da questão agrária e das
escolhas e estratégias que adota em
face dos possíveis historicamente
determinados (Marques, 2008a, p.
60).
Assim, o destino dessa classe social
não pode ser predeterminado, e o
desenvolvimento geográfico desigual do
capitalismo deve ser atentamente
observado, alvitrando a importância da
territorialização das análises, sem perder
de vista a noção de totalidade. Ora, o
campesinato se forja histórica e
geograficamente e se produz a partir do
trabalho familiar e no uso como valor
(Marques, 2008a).
Ao contrário, o descampesinamento
é incentivado por um conjunto de ações
estatais, tais como a Educação Rural, cuja
perspectiva camponesa que o apregoa
passa por processos de produção de novas
formas de vida e, também, pela reprodução
das formas existentes. Logo, pensar o
território camponês é condição para
elaborar políticas educacionais e escolares
condizentes com seus sujeitos e ações. A
dialética campo/cidade e rural/urbano, sem
necessariamente dicotomizar, a partir de
delimitações arbitrárias, torna-se de
fundamental importância. Ambas as faces
do território precisam ser analisadas, visto
que não há campo sem cidade e não
cidade sem campo.
Em concordância com Ribeiro
(2010), observamos a importância do
campesinato na composição do sujeito
histórico que opera os processos de
transformação social. Segundo a autora:
Os movimentos sociais populares
rurais/do campo são integrantes, sim,
do sujeito histórico de transformação
social, ainda em construção, e do
qual fazem parte todas as categorias
de trabalhadores. Superar a relação
antagônica e, portanto, contraditória,
entre capital e trabalho, supõe
superar a separação entre cidade e
campo. (Ribeiro, 2010, p. 163).
De tal modo, essa superação exige
uma parceria entre trabalhadores e
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organizações políticas do campo e da
cidade.
Sob o mesmo prisma, no esforço
intelectual de romper com uma ideia
dicotômica, há uma forma genérica de duas
definições sobre campo e cidade ligadas à
abordagem dicotômica e à de continuum.
Segundo Marques (2002, p. 100), “na
primeira, o campo é pensado como meio
social distinto que se opõe à cidade na
segunda, defende-se que o avanço do
processo de urbanização é responsável por
mudanças significativas na sociedade em
geral, atingindo também o espaço rural”.
Ambas perspectivas, contudo, apresentam
a supressão do campo pela cidade.
uma noção bastante difundida de
espraiamento do urbano, em tal nível que,
inclusive, ocorre o cerceamento do rural.
Essa noção não nos permite compreender o
território brasileiro, visto que a
preponderância se aplica a partir de uma
ideia urbanocêntrica, que pouco contribui
para a compreensão do contraditório e da
complementação da relação campo/cidade.
Nessa linha, “é preciso examinar os
processos sociais concretos de alienação,
separação, exterioridade e abstração de
modo crítico. Recuperar a história do
capitalismo rural e urbano” (Marques,
2002, p. 104), para que possamos afirmar
que “as experiências de relações diretas,
recíprocas e cooperativas são descobertas e
redescobertas muitas vezes sob pressão.
Ora, nem a cidade irá salvar o campo, nem
o campo a cidade” (Marques, 2002, p. 104,
grifo nosso).
É necessário romper com rivalidades
e perspectivas que dividem o rural e o
urbano. Tal dicotomia, impetrada pelo
capitalismo, dificulta a luta de
trabalhadores do campo e da cidade. Em
lugar de dividir, é preciso compreender a
inter-relação e a interdependência desses
espaços. Assim, destaca-se a reciprocidade
que na relação campo/cidade de forma
não-hierárquica.
Camacho e Fernandes (2017)
reiteram essa unidade dialética
contraditória, uma vez que, no tocante à
relação campo-cidade, a cada dia, as
antigas e rígidas características utilizadas
para diferenciar o rural e o urbano vêm
diminuindo, dado que a indústria está,
hoje, presente nos dois espaços. Da mesma
forma, o trabalhador assalariado reside na
cidade, mas, muitas vezes, trabalha como
boia-fria no campo.
Essas novas relações entre o rural e o
urbano dão origem ao que Ariovaldo
Umbelino de Oliveira (1999), citado por
Camacho e Fernandes (2017), denomina de
unidade dialética ou contraditória. Quer
dizer, as diferenças das atividades
econômicas existentes entre a cidade e o
campo, entre a indústria e a agricultura,
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estão sendo superadas. Forma-se, assim,
uma unidade dialética, portanto,
combinada e contraditória.
Contudo, em nossa sociedade, tal
oposição persiste ainda que,
teoricamente, seja incongruente separar
campo e cidade , o que dificulta a
superação da relação de subordinação das
classes camponesas ao capital financeiro
urbano.
As pesquisas de Bombardi (2011,
2012) demonstram, em questão, o uso de
agrotóxicos pelo campesinato brasileiro
como uma evidência da subordinação de
classe ao capital financeiro internacional.
O território camponês e o território do
capital, nesse contexto, encontram-se em
permanente disputa e se
(des)(re)territorializam em sua dinâmica de
intenso processo de subordinação da
renda da terra camponesa ao capital
monopolista: mais de 1/3 das pequenas
propriedades no Brasil utilizam venenos”
(Bombardi, 2011, p. 1). Assim, “a
expressão monopólio, neste caso, aparece
mais vívida do que nunca: Estados Unidos,
Suíça e Alemanha, juntos, através de suas
empresas, controlam 70% da venda de
agrotóxicos no Brasil” (Bombardi, 2011, p.
2).
Camacho e Fernandes (2017)
explicitam, ainda, as contradições
instauradas e destacam a importância da
permanente luta contra a subalternidade
imposta ao campesinato pelo capital.
É óbvio que não podemos generalizar
as análises no que concerne à
agricultura camponesa, tratando essa
problemática a partir de uma análise
idealista e simplista, pois a própria
lógica de mercado impõe a produção
em escala a muitos camponeses como
uma das únicas alternativas para que
essa produção chegue ao mercado
consumidor. Por isso, não é raro ver
os camponeses ocupados com uma
única atividade comercial. Todavia,
esta realidade revela a subalternidade
camponesa ao capital e a
territorialidade do capital em
território camponês, que está
confirmando a necessidade de luta
contra o capital, a fim de libertar o
campesinato dessa sujeição imposta
pelo capital. (Camacho & Fernandes,
2017, p. 61).
E, no próprio espaço escolar, essas
contradições se evidenciam, fazendo com
que o uso dos venenos afaste da lavoura os
filhos e filhas dos camponeses e
camponesas por uma questão evidente de
não-envenenamento. Na lógica do
agronegócio, portanto, uma
desumanização do trabalho camponês, haja
vista que a escola tem se tornado o espaço
de experimentação da campesinidade para
muitas crianças camponesas. Ou seja, para
possibilitar a construção dessa identidade
junto ao território.
Vemos que a terra própria e
apropriada pelo campesinato possui uma
riqueza ancestral, pois “permanentemente
os camponeses exercitam e mantêm sua
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criatividade e inventividade e, mais que
isso, expressam sua rebeldia!” (Ramos,
2015, p. 51). Os camponeses, porquanto,
disputam o território com o agronegócio e
se expressam, também, pela apropriação da
escola rural e pela campesinação do espaço
escolar. Diversas são as formas dessa
apropriação, e um dos princípios
condutores é a agroecologia como
movimento/ciência/prática.
Por sua vez, a agroecologia pode ser
compreendida como uma construção
latino-americana que se consolida a partir
das características dos camponeses dos
países da periferia do capitalismo, embora
se fundamente em toda ancestralidade
indígena e dos povos originários em geral.
Apresenta-se como uma alternativa
possível, visto que, “para além de situações
meramente conjunturais, a permanência
dos camponeses na terra e sua reprodução
social, encontra-se, hoje, gravemente
ameaçada pelo modelo tecnológico
hegemônico que é, em nível mundial, a
base de sustentação do agronegócio”
(Guhur & Toná, 2012, p. 58).
Petersen e Caporal (2012), na mesma
perspectiva, destacam que uma primeira
aproximação ao conceito de agroecologia
nos leva aos ensinamentos de Stephen R.
Gliessman, que, em 1981, escrevia sobre
“A base ecológica para a aplicação de
tecnologia agrícola tradicional ao manejo
de agroecossistemas tropicais” (Gliessman,
2012, apud Petersen & Caporal, 2012, p.
65). É válido avigorar que seus estudos,
inclusive, tiveram como base as diversas
práticas desenvolvidas pelos povos
indígenas mexicanos.
Nesse campo do conhecimento, outro
destaque é o autor Altieri (2012), que
apresentou noções de bases científicas da
agricultura alternativa.
também, na Universidade de
Córdoba, na Espanha, um grupo de
investigação que traz, a partir de uma
leitura da questão agrária associada às
ações campesinas, “o livro seminal da
Agroecologia europeia, com o título
‘Ecologia, Campesinado e História’, de
Eduardo Sevilla Guzmán y Manuel
González de Molina” (Petersen & Caporal,
2012, p. 65). A partir desse momento, “a
Agroecologia passaria a ser uma ciência
que vai além da aplicação dos conceitos e
princípios da ecologia ao manejo de
agroecossistemas, na busca de mais
sustentabilidade na agricultura” (Petersen
& Caporal, 2012, p. 65).
No Brasil, a agroecologia tem sido
uma alternativa ligada à agricultura, à
questão ambiental e à luta pela terra dos
povos camponeses; assim, uma
movimentação de caráter contraditório ao
desenvolvimento do capitalismo no campo.
De forma oposta, a modernização
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conservadora do campo brasileiro produz,
simultaneamente às lavouras com pivô
central, sementes transgênicas e todo tipo
de agrotóxicos; trabalhadores e
trabalhadoras veem o abatimento do que
restou de sua soberania e de sua autonomia
no trabalho camponês, veem suas terras
sendo usurpadas.
O movimento agroecológico tem se
forjado, assim, como disputa das mudanças
estruturais no campo e na cidade, aliando-
se à histórica luta pela terra, como os
Movimentos de Pequenos Agricultores e
Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Observe-se que esta disputa ocorre
em um ambiente hostil, no qual ‘a
defesa do movimento agroecológico
pela vigência histórica da agricultura
familiar camponesa é, ainda, muito
frequentemente interpretada como
uma tendência do idealismo utópico.
Mas essa vigência vem sendo
construída no dia a dia pelo próprio
campesinato, por meio de lutas
silenciosas pelo controle de frações
do território com vistas a reduzir o
poder de apropriação das riquezas
socialmente geradas pelo capital
industrial e financeiro ligado ao
agronegócio”. (Petersen, Dal Sóglio
& Caporal, 2009, apud Petersen &
Caporal, 2012, p. 66).
As diversas (re)existências do
campesinato vão sendo, desse modo,
constantemente apropriadas pela lógica do
capital. Como posto na obra “Os
(des)caminhos do meio ambiente”, de
Carlos Walter Porto-Gonçalves (1989), há,
em evidência, os rumos do discurso
ecológico e a capacidade de o capital
abarcar tudo com um capitalismo
travestido de verde, como também alude
Marta Inez Medeiros Marques (2008b):
O campo passa a comportar novas
ruralidades criadas, entre outros, a
partir do uso do espaço rural para
atividades recreacionais e turísticas, e
pela valorização do potencial das
populações rurais para contribuir
para o desenvolvimento de formas
sustentáveis de manejo da natureza e
conservação do meio ambiente - a
proposta da agroecologia nasce neste
contexto. Também são engendradas
novas formas de resistência e de luta
(Marques, 2008b, p. 56).
O capital recria-se e reinventa-se
constantemente, mas essa não é uma
capacidade exclusiva dele; o movimento
também transforma o campo, guarda
determinadas características essenciais e
apresenta novas formas de luta e
existência. Muitos trabalhadores urbanos
se propõem ao desafio de voltar para o
campo, fugir dos alugueis nas cidades e de
campesinar. Por isso, observamos um
crescimento dessa classe e da sua
reprodução e recriação.
A tendência da agricultura
camponesa contemporânea de
afirmar a sua autonomia relativa
perante as diversas frações do capital
... e enveredar para agroecologia
mantém a possibilidade da sua
reprodução social, dado que constrói
socialmente as bases de outro
paradigma. (Carvalho & Costa, 2012,
p. 31).
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Vemos um encontro da agroecologia
com as diferentes formas de vida
campesina, constituindo-se como uma
proposta não só alternativa ao agronegócio,
mas, essencialmente, como um movimento
de resistência e de reconstrução dos
agroecossistemas alimentares, retomando a
autonomia produtiva e, também, ideológica
nas formas escolhidas de se produzir
alimentos, além da própria vida na terra.
A cabeça pensa a partir de onde os
pés pisam. Para compreender, é
essencial conhecer o lugar social de
quem olha. Vale dizer: como alguém
vive, com quem convive, que
experiência tem, em que trabalha,
que esperanças o animam. Isso faz da
compreensão sempre uma
interpretação. (Boff, 1997, p. 1).
A agroecologia apresenta a prática
como critério da verdade e experimenta,
ousa e propõe formas de relacionamento
com a terra e com os seres de maneira
viva, observando as respostas da natureza
aos estímulos e às necessárias adequações.
Mas somente é possível quando
vivenciada, e não estudada como algo
externo. Por isso, reiteramos Leonardo
Boff : “A cabeça pensa a partir de onde os
pés pisam” (Boff, 1997, p. 1).
Pensar o campesinato como classe,
dessa maneira, o é pensá-lo
mecanicamente na sua dimensão social a
partir da produção algumas vezes,
agroecológicas , mas em sua resistência
para a manutenção do seu território e do
seu modo de vida. Para Marques (2008b, p.
63), “a luta pela reforma agrária no Brasil
passa pela afirmação de um projeto
camponês e tem possibilitado a
trabalhadores antes proletarizados ou não à
experiência de um modo de vida camponês
e sua conformação enquanto classe”. E
campesinar é um desafio também
abrangido pelo processo educacional.
No Brasil, na contramão de um
conjunto de análises, Oliveira (1999, p. 72)
enfatiza que “os camponeses, em vez de se
proletarizarem, passaram a lutar para
continuarem sendo camponeses”,
evidenciando o crescimento do número de
posseiros entre 1960 e 1985 no território
brasileiro.
A materialidade da vida camponesa
produz uma subjetividade e uma cultura
própria que é produzida e produtora do
campesinato. Portanto, focalizando o
“lugar social de quem olha”, trazemos a
noção de campesinidade termo discutido
pelo antropólogo Klaas Woortmann
(1990), que traz para a compreensão da
realidade camponesa o debate com essa
categoria, contribuindo de forma
significativa para a reflexão da relação
terra-trabalho-família, termos
fundamentais para o movimento de se
campesinar a escola.
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Em seu ensaio “Com parente não se
neguceia”, de 1990, K. Woortmann afirma
que a ética camponesa está calcada em
uma ordem moral, que acarreta
implicações no modo como o campesinato
se constitui e como o grupo social se
reproduz materialmente, ancorado em uma
cultura e em um modus operandi próprio.
Segundo o autor, a sociedade
camponesa traz consigo a reciprocidade
como um valor camponês, que “não se
vê a terra como objeto de trabalho, mas
como expressão de uma moralidade; não
em sua exterioridade como fator de
produção, mas como algo pensado e
representado no contexto de valorações
éticas” (Woortmaan, 1990, p. 12).
O enfoque antropológico da relação
dos sujeitos camponeses com a terra
explica um movimento de resistência que
se mantém, materialmente, como fruto
dessa relação, como uma ordem moral que
se torna o princípio pela garantia da
autonomia do trabalho. -se o destaque
para o papel da terra na constituição dessa
ordem moral, tendo em vista que esta não
aparece como mercadoria, ou algo para o
negócio, mas, sim, “como patrimônio, ou
como dádiva de Deus, a terra não é simples
coisa ou mercadoria” (Woortmaan, 1990,
p. 12). A terra aparece como patrimônio
familiar, terra de vida, de cultura, de
produção, e não mera mercancia.
É importante notar que essa
campesinidade é uma qualidade, que Klass
Woortmaan (1990, p. 12) supõe comum a
diferentes lugares e tempos”. Assim, essa
ordem moral campesina estaria em todos
os territórios que produzem essa
subjetividade, que “nas culturas
camponesas, não se pensa a terra sem
pensar a família e o trabalho, assim como
não se pensa o trabalho sem pensar a terra
e a família” (K. Woortmaan, 1990, p. 19-
23). Todos os elementos da tríade estão
articulados nessa ordem moral.
Destaca-se que a influência do
mercado na ordem camponesa se apresenta
como uma dominação sobre o
campesinato, mas que o mercado, não
obstante, não organiza esse grupo social. A
ordem econômica, muitas vezes, aparece
como uma interferência à campesinidade,
“transita-se pela ordem econômica para
realizar, como fim, a ordem moral, e, com
ela, a campesinidade” (Woortmaan, 1990,
p. 19).
Porquanto, torna-se inútil entender o
trabalho em um Centro Familiar de
Formação em Alternância considerando
apenas o elemento do trabalho, tendo em
vista que terra e família participam dessa
tríade e explicam a produção e a
reprodução da alternância como pedagogia.
Por isso, todo esse aspecto se associa
diretamente a um projeto educacional e
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influi na construção da escola e do
processo de escolarização.
Apesar de todo o debate em torno do
conceito de campesinato como uma classe
social e um modo de vida, esse é o caráter
familiar do trabalho. Afinal, o que a
campesinidade tem a ver com a
alternância? Pois, ir e voltar para estudar, e
sair para estudar e não retornar. Como
afirma Martins (1983, p. 17), “a história
dos camponeses-posseiros é uma história
de perambulação”, e essa não é específica
dos posseiros, mas própria da maioria das
famílias brasileiras, visto que quase todas,
com sua origem rural, necessitaram deixar
suas terras em busca de formas de
sobrevivência.
É importante notar, também, a
existência de uma relação entre os
elementos fé, família e terra como
componentes de uma tríade que, como
mencionada por Klaas Woortmann (1990)
e reafirmada por Ellen Woortmann (2004),
atribui a designação de campesinidade.
Segundo a autora, “o trabalho do homem
implica respeito com a terra (e a natureza,
em geral), esperando dela aquilo que ela
pode e quer dar, isto é, os alimentos que
ela é capaz de produzir” (Woortmaan,
2004, p. 133).
Outro elemento relevante para se
pensar a campesinidade é a relação com a
natureza. Se um deslocamento da noção
de propriedade individual, isso também
inclui a relação com a natureza, não no
sentido de uma relação ecologizada e
preservacionista, mas, como destaca Porto-
Gonçalves (1990), em sua dimensão
socioecológica.
Sob esse cenário, é fundamental uma
Educação Camponesa, ou seja, uma
educação que esteja ligada à vida dos
camponeses e que aconteça nas
comunidades onde vivem; onde moram,
trabalham, divertem-se e celebram suas
vidas. Ou seja, repensar, a partir dela, as
políticas contraditórias de se esvaziar o
campo, que começam cedo, desde o
momento em que as crianças precisam sair
de casa, na roça, para ir estudar nas
escolas-polo das cidades.
Ora, a Educação começa pela
garantia de escolas para todas as pessoas e
para todos os níveis, devendo ser um elo
vinculante e agregador nas comunidades
(Görgen, 2017). A ideia de uma educação
camponesa, por esse viés, constitui-se
enquanto uma reafirmação da própria
Educação do Campo, avigorando sua
dimensão classista, contraproposta ao
projeto de Estado, da Educação Rural.
Como prática educativa, algumas
ações emergem na escola, porém, estas
refletem o contexto territorial em que
vivem os camponeses nesse território. Uma
dessas práticas é a que está marcada pelo
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painel de autoria de Jailson do MST de
Pinheiros, no Espírito Santo. Trata-se de
uma experiência artística exposta no
Centro Familiar de Formação em
Alternância Bley CEFFA Bley a qual nos
apresenta parte desse contexto e evidencia
a disputa territorial entre o agronegócio e a
agricultura camponesa, demonstrando o
papel da juventude organizada nessa luta.
Imagem 1 - Painel Juventude Organizada (MST-Pinheiros).
Fonte: Arquivo das autoras.
A imagem destaque ao território
camponês e avulta elementos como a
escola, a cooperativa e o posto de saúde.
Ao centro, está a bandeira da organização
Regional dos Centros Familiares de
Formação em Alternância do Espírito
Santo RACEFFAES e da Via
Campesina, ambos enxergados como
possibilidades organizativas da juventude
camponesa. A mística, a cooperação e os
valores fundamentam, por meio de
cadernos no canto esquerdo, junto à
enxada, ao violão e ao chapéu de palha, o
patrimônio cultural campesino. Essa
juventude, assim, pressiona o agronegócio
(transgênicos, monocultura de cana e
eucalipto e agrotóxicos, no canto esquerdo)
com outra perspectiva de vida. O tulo da
imagem “Juventude Organizada cultivando
a liberdade na construção da
sustentabilidade” traz um conjunto de
conceitos; entre eles, a sustentabilidade,
um termo muito associado também ao
Paradigma do Capitalismo Agrário
embora com outro propósito , e, ainda,
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destaca a liberdade dos campesinos como o
processo de construção de suas histórias.
O belo painel traz o cenário do
território camponês, do campesinato, no
qual a juventude tem protagonismo na
disputa do território com o agronegócio, da
terra como mercadoria e do espaço em seu
aspecto meramente produtivo. A
diversidade, por fim, igualmente destacada,
é a marca da campesinação do território
diversidade de cultivos, de pessoas, de
cores e de sentimentos. O território é vivo,
dinâmico e se constitui de aspectos que
valorizam a vida.
Educação do Campo e Pedagogia
Camponesa
A noção de organização desse
território e suas várias dimensões nos ajuda
a pensar a origem do movimento de
Educação do Campo como desdobramento
da Educação Popular, articulada à negação
da Educação Rural. Mas, por que tratar da
Educação Camponesa? Esse não seria o
projeto da Educação do Campo? Sim e
não. Sim, porque a Educação do Campo
agrega exatamente essa classe social,
especificamente em luta pelo seu território.
Não, porque a Educação do Campo, hoje,
agrega um conjunto muito mais amplo de
sujeitos: universidade, movimentos sociais,
escolas campesinadas e tantas outras
experiências que constituem a Educação
Camponesa.
O projeto educativo da Educação do
Campo amplia territorialmente suas ações,
a fim de dar conta das relações nos
territórios, sem, porém, perder de vista as
especificidades que a própria classe
camponesa possui. Para o campesinato, a
educação como política pública é condição
essencial para se garantir a continuidade da
produção da vida, ou seja, vincula-se ao
território camponês, mas não se restringe
ao contexto de escolarização deste.
Por isso, a Educação Camponesa
passa pela formação dos sujeitos em seu
território, e a escola integra apenas parte
dessa caminhada; a vida se dá, também, no
cotidiano do trabalho na roça, nas
brincadeiras, nas festas, nos encontros
diários e eventuais, na movimentação
diária das camponesas e dos camponeses.
Aspecto fundamental da vida dos
camponeses e das camponesas é a
relação que eles/as desenvolvem com
a terra no seu cotidiano. Nela os
trabalhadores desenvolvem seus
saberes específicos que envolvem o
cultivo, a semeadura da terra, a
colheita. Nessas atividades são
mobilizados seus conhecimentos
sobre a natureza e seus ciclos,
advindos do exercício do olhar, da
leitura dos indícios que ela lhes
apresenta para interpretar os sinais da
natureza, essenciais para o manejo
com a terra destinada plantação,
criação de animais que são os meios
essenciais vida dos/as
assentados/as. Nessas atividades
essenciais reprodução da vida
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material os/as camponês/as
estabelecem relações com a natureza
e com outros homens e mulheres,
produzem cultura, representações
acerca da vida”. (Batista, 2018, p. 4).
Esses laços e essa dinâmica de vida
referem-se a algo genuíno da cultura
camponesa. As escolas, nesse ínterim,
utilizam, muitas vezes, a experimentação,
os trabalhos de campo e as atividades de
trabalho prático como instrumento de
elucidação das ideias impressas nos livros,
nas cartilhas e nos manuais didáticos.
Pensar, pois, a Educação Camponesa, ou
mesmo a Educação do Campo, demanda
uma sistematização e um trabalho no
próprio território camponês, a partir dos
anseios e concepções dessa realidade
incluindo, também, o diálogo com a
produção de conhecimento científico, uma
vez que a “a ciência existente hoje é um
ativo esforço humano e social e só pode ser
entendida como tal” (Shanin, 2017, p.
339), e, além disso, em nome do
“progresso”, tem incentivado a leitura do
desaparecimento do campesinato e, por
conseguinte, favorecido a opressão e a
dizimação dessas culturas.
A violência cultural vivenciada pelos
povos camponeses nas escolas é notória até
os dias atuais, mesmo com o avanço do
reconhecimento do campo como espaço de
vida; trata-se do movimento
urbanocêntrico do mundo e da
mercantilização e pasteurização dos
hábitos, dos costumes e de seus sujeitos.
Assim, “simultaneamente a esse processo
de formação e territorialização do
campesinato, muitas famílias camponesas
são expulsas, expropriadas, ou seja, são
desterritorializadas” (Fernandes, 2012, p.
746).
A Educação Camponesa, ao
contrário, fortalece e produz meios de
viabilizar a territorialização camponesa
para realização de seu grande desafio de
“manter sua soberania desenvolvendo seu
território por meio de sua autonomia
relativa e do enfrentamento à hegemonia
do capital” (Fernandes, 2012, p. 746), além
de contribuir para a afirmação do trabalho
familiar como modo de produção viável e
autônoma.
Como adeptos do Paradigma da
Questão Agrária, Martins (1983), Oliveira
(1999), Fernandes (2015), Shanin (2008),
Marques (2008a), Ramos (2015), ligados à
tendência campesinista, afirmam não haver
definição ou conceito em que caibam os
camponeses, que a diversidade e a
dinâmica histórica destes é imensa mas,
ainda sim, isso não os impede de se
constituírem enquanto classe.
Em termos sociais, o camponês não é
uma pessoa ou uma família, é uma
coletividade, muitas vezes um grupo
e quando põe suas mãos uma
classe. Um conglomerado social cuja
base é a economia familiar
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multiativa, mas também daqueles que
são parte, e, por seu direito, a ela
pertencem, tendo funções não
diretamente agrícolas, participam da
vida comunitária e compartilham do
destino dos agricultores. (Bartra,
2010, p. 11, tradução nossa)
i
.
Essa coletividade tem em comum o
trabalho familiar com múltiplas atividades,
pelo que se formam como uma classe com
interesses comunitários e coletivos. Pensar
o campesinato implica pensar seu projeto
de sociedade, diverso, mas com princípios
que podem ser sintetizados na
agroecologia. As tradições e o modo
coletivo de estar no mundo da
campesinidade, e a educação camponesa
que se configura enquanto um processo de
autorreconhecimento do campesinato como
classe, reverbera, no Brasil, na formulação
da Educação do Campo como movimento,
como prática e como ciência.
Emerge, então, a noção de
campesinar a escola, que consiste na
apropriação da escola pela lógica
camponesa, a partir da inserção desses
interesses coletivistas, e a partir, também,
da ótica da solidariedade. Quer dizer, a
escola de educação camponesa a partir das
demandas do campesinato.
A análise sobre as práticas e as
formas de organização das escolas famílias
agrícolas, no norte do Espírito Santo,
indicou-se que as práticas escolares no
território apontavam uma articulação
intrínseca entre escola e o modo de vida
camponês, o que nos levou a indagar sobre
a escolarização do campesinato, ou seja,
uma forma de campesinidade da escola. É
sobre isso que trataremos a seguir.
Escolarizar o campesinato ou
campesinar a escola?
O campesinato, como classe social e
como modo de vida, seguiu, por muitas
décadas, no Brasil, apartado dos direitos de
escolarização, muito claramente
direcionados para as classes sociais
urbanas. E, ainda que esse direito fosse
atendido, era de forma precária, somada ao
demérito que se fazia da própria classe.
Essa questão educacional se articula
com uma problemática da questão agrária,
e, mirando-a pelo viés campesinista, é
preciso superar a contradição trabalho-
capital para a consolidação de uma
Educação do Campo. Trata-se de uma
utopia, de um horizonte de construção
coletiva, que, voltada à superação dessa
contradição, necessita da união entre
sindicatos urbanos, sindicatos rurais,
associações, movimentos sociais do campo
e da cidade, desmanchando a dicotomia
imposta pelo capital.
A emergência da necessidade
coletiva do movimento camponês como
projeto de sociedade permitiu às
camponesas e aos camponeses organizados
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delimitarem as razões sociais da
necessidade da escola, de forma a respeitar
e valorizar o campesinato em seu modo de
vida. O projeto de escola (professores,
estrutura, transporte e gestão) que
discrimina e desvaloriza os saberes
campesinos é uma violência cultural para
com essa classe. Portanto, a Educação do
Campo visa a apropriação e a
(re)significação dessa realidade.
Não basta, pois, contextualizar essa
escola para que se comunique com o
campesinato, mas se torna necessário
recriá-la de forma a pensar o mundo
camponês e suas necessidades. Uma escola
deve contribuir para a construção de
horizontes críticos e de emancipação dessa
perspectiva. Por isso, algumas experiências
de Pedagogia da Alternância destacam-se
como uma possibilidade por meio dos
instrumentos pedagógicos, em especial o
Plano de Estudo, que organiza todo o
currículo da escola a partir da articulação
entre a escola e a família por meio de
entrevistas com os próprios núcleos
familiares, com as comunidades e com as
organizações sociais camponesas.
A família camponesa, assim como
todas as famílias da classe trabalhadora,
não tem disponibilidade de uma presença
física constante na escola, então, sob a
pedagogia camponesa, a presença se dá nos
conselhos representativos e no cotidiano
escolar pela articulação territorial das
famílias próximas, como é o caso do
instrumento ‘contrato de formação’, que
reúne, por território, o conjunto de famílias
que decide os rumos da formação de seus
filhos, comprometendo-se a participar
desses processos.
A Pedagogia da Alternância no
estado do Espírito Santo, inicialmente
ligada às Escolas Famílias Agrícolas e a
uma rede religiosa denominada
Movimento de Educação Promocional do
Espírito Santo MEPES, vem se
expandindo, de forma laica e
comprometida, no norte capixaba pelo
trabalho das organizações sociais ali
presentes.
Indo além, tem-se inserido essa
pedagogia em escolas públicas
municipais e estaduais, associativas,
comunitárias e escolas de assentamento. O
CEFFA Bley, ligado à rede MEPES e à
RACEFFAES, tem sido um berço de
difusão dessa pedagogia camponesa e
funcionado como um centro territorial de
formação em Alternância no território
norte do Espírito Santo, contribuindo no
processo de campesinar as escolas leia-se
inserir os instrumentos da Pedagogia da
Alternância em escolas públicas.
Organizamos um mapa (Mapa 1)
com a finalidade de demonstrar
graficamente a existência do território
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Norte das escolas do campo no estado do
Espírito Santo. Embora a designação usual
seja CEFFAs, as EFAs estão assim
designadas para diferenciar dos demais
CEFFAs (municipais, comunitários e
estaduais), os quais estão apresentados na
legenda.
Mapa 1 - Território Norte da Pedagogia da Alternância/ ES.
Fonte: Adaptado de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010.
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Uma das principais pautas da
expansão da Pedagogia da Alternância para
a rede pública no norte do estado por ser
compreendida como uma pedagogia
própria e apropriada é, principalmente,
impedir o fechamento de escolas situadas
no campo. Do mesmo modo, alça-se inserir
a voz do campesinato no interior da escola
por meio dos dispositivos pedagógicos da
Alternância, motivo pelo qual essa
campesinação vem se tornando uma
realidade, como o mapa evidencia.
Bem verdade é que o fortalecimento
da tríade terra, trabalho e família encontra
diversos desafios para não se enfraquecer
diante do constante avanço do
agronegócio, que leva à desumanização do
trabalho camponês. E, por isso, a escola
tem se tornado o espaço a vivenciar a
campesinidade como experiência de valor.
Portanto, diante das ofensivas do
capital no campo, a escola pode ser um
instrumento para campesinar as crianças,
os jovens e os adultos, que,
gradativamente, vão forçadamente se
distanciando desse território, ainda que
vivendo nele. A Educação do Campo se
no campo e na cidade e luta pela
autoafirmação dos povos, pois, somente
um currículo que atenda ao campesinato
pode, de fato, respeitar e defender
criticamente seus territórios.
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i
En términos sociales, el campesino no es una
persona ni una familia; es una colectividad, con
frecuencia un gremio y cuando se pone sus moños
una clase. Un conglomerado social en cuya base
está la economía familiar multiactiva pero del que
forman parte también y por derecho propio quienes,
teniendo funciones no directamente agrícolas,
participan de la forma de vida comunitaria y
comparten el destino de los labradores.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 11/05/2020
Aprovado em: 05/09/2020
Publicado em: 17/10/2020
Received on May 11th, 2020
Accepted on September 05th, 2020
Published on October, 17th, 2020
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
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Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Camila Zucon Ramos de Siqueira
http://orcid.org/0000-0003-0046-1950
Maria de Fátima Almeida Martins
http://orcid.org/0000-0001-9244-3404
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Siqueira, C. Z. R., & Martins, M. F. A. (2020). Quando
campesinato vira verbo: campesinar a escola!. Rev. Bras.
Educ. Camp., 5, e9157.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9157
ABNT
SIQUEIRA, C. Z. R.; MARTINS, M. F. A. Quando
campesinato vira verbo: campesinar a escola!. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e9157, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9157