Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9057
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9057
10.20873/uft.rbec.e9057
2021
ISSN: 2525-4863
1
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Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória
educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na
Educação do Campo Kilombola
i
Valéria Viana Labrea
1
, Daisy Regina de Souza Reis
2
1, 2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Departamento de Estudos Especializados - FACED - Faculdade de
Educação. Avenida Paulo Gama, s/n°. Porto Alegre - RS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: valeria.labrea@ufrgs.br
RESUMO. Este artigo apresenta a descrição e análise de uma
pesquisa cartográfica de construção de um cancioneiro de rezos
entoados no terreiro em louvação aos Orixás. A cartografia
(Deleuze & Guatari, 1995) uma "pesquisa-interveno"
(Kastrup et al., 2015) que nos permitiu organizar coletivamente
o cancioneiro da pesquisa Quando rezo é canto, quando canto é
rezo como um mapa - ainda parcial - das manifestações culturais
que ocorrem na Comunidade Kilombola Morada da Paz, ao
mesmo tempo que nos permitiu um aprofundamento na Música
Popular Brasileira para conhecer cantos que têm como tema a
louvação aos Orixás. Como resultado desta pesquisa, além de
um Cancioneiro que foi apresentado em diferentes espaços
educativos durante três anos, organizamos oficinas com temas
relacionados à Educação para as Relações Étnicos-Raciais,
Educação do Campo e Educação Quilombola. Relacionamos
esses conteúdos a uma proposta de Educação do Campo
Kilombola, a partir da articulação da Pedagogia do Movimento
Sem Terra (Caldart, 2000) às Diretrizes da Educação
Quilombola, Educação para as Relações Étnicas-Raciais e
Pedagogia do Encantamento.
Palavras-chave: educação do campo, educação quilombola,
educação para as relações étnicas-raciais, cultura afro-brasileira,
música popular brasileira.
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
Campo Kilombola...
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When pray is singing, when singing is pray: educational
trajectory of a Collective of Singing and Playing in the
Kilombola Rural Education
ABSTRACT. This article presents the description and analysis
of a cartographic research for the construction of a prayer song
sung in the terreiro in praise of the Orixás. The cartography
(Deleuze & Guatari, 1995) is an “intervention-research”
(Kastrup et al, 2015) that allowed us to collectively organize the
research songbook When pray is singing, when singing is pray
as a map, though partial, of cultural events taking place in the
Kilombola community Morada da Paz, at the same time that it
allowed us to deepen in the popular Brazilian music to get to
know songs that have as their theme the praise of the Orixás. As
a result of this research, in addition of a cancioneiro that was
presented in different educational spaces for three years, we
organized workshops with themes related to education for
ethnic-racial relations, rural education and Kilombola education.
We relate these contents to a proposal for education in the
Kilombola field, based on the articulation of the pedagogy of the
landless movement (Caldart, 2000) to the Kilombola education
guidelines, education for ethnic-racial relations and enchantment
pedagogy.
Keywords: rural education, kilombola education, education for
ethnic-racial relations, afro-Brazilian culture, popular Brazilian
music.
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
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Cuando rezo es cantar, cuando cantar es rezar: trayectoria
educativa de un colectivo de canto y juego en la Educación
Rural Kilombola
RESUMEN. Este artículo presenta la descripción y el análisis
de una investigación cartográfica para la construcción de un
cancionero de rezas entoadas en el terreiro en alabanza a los
Orixás. La cartografía (Deleuze & Guatari, 1995) es una
"investigación de intervención" (Kastrup et al, 2015) que nos
permitió organizar colectivamente el cancionero de la
investigación Cuando rezo es cantar, cuando cantar es rezar
como un mapa - aún parcial - de las manifestaciones eventos
culturales que tienen lugar en la Comunidad Kilombola Morada
da Paz, al mismo tiempo que nos permitió profundizar en la
Música Popular Brasileña para conocer canciones que tienen
como tema el elogio de los Orixás. Como resultado de esta
investigación, además de un Cancioneiro que se presentó en
diferentes espacios educativos durante tres años, organizamos
talleres con temas relacionados con Educación para las
Relaciones Étnico-Raciales, Educación Rural y Educación
Quilombola. Relacionamos estos contenidos con una propuesta
de Educación en Campo Kilombola, basada en la articulación de
la Pedagogía del Movimiento Sin Tierra (Caldart, 2000) a las
Directrices de Educación Quilombola, Educación para las
Relaciones Étnico-Raciales y Pedagogía del Encantamiento.
Palabras clave: educación rural, educación quilombola,
educación para las relaciones étnico-raciales, cultura afro
brasileña, música popular brasileña.
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
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Introdução
Laroyê Bará
Abra o caminho dos passos
Abra o caminho do olhar
Abra caminho tranquilo para eu passar
Laroyê Eleguá
Tomba o mal de joelhos
só levantando o O
Dobra a força dos braços que eu vou só
Laroyê Legbá
Guarda Ilê, Onã, Orum
Coba xirê deste funfum
Cuida de mim que eu vou pra te saudar!
Kiko Dinucci - Pade Onã
ii
Os caminhos que percorre um
coletivo de cantantes e brincantes na
construção de seu cancioneiro é o mote
dessa reflexão. O Coletivo de Cantantes e
Brincantes É do Campo nasce no Curso de
Licenciatura em Educação do Campo -
Ciências da Natureza (EduCampo), na
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) em 2015, dos encontros dos
educandos e educandas, que nos intervalos
das aulas cantam, dançam e reproduzem a
sua tradução da stica
iii
, que aprenderam
com os movimentos sociais do campo.
O cantante, na nossa percepção, é
um educador popular do campo, pois não é
um cantor ou um músico, mas um
educador que canta. "A prpria ideia de
cantantes provoca um deslocamento na
ideia de quem a pessoa autorizada a
cantar, pois o educador em geral no um
cantor, mas mesmo assim pede licena e
canta, na sua voz e nas suas condies"
(Labrea, Sousa & Ferreira, 2017, p. 7).
O brincante vem da tradição dos
mestres e mestras da cultura popular, que
são artistas populares itinerantes que
percorrem o interior do Brasil e as
diferentes ruralidades, dedicados aos
folguedos tradicionais; onde podem cantar,
dançar, tocar instrumentos, improvisar
versos e cordéis, fazer brincadeiras em
geral em roda. Com os brincantes, a
brincadeira é levada de geração a geração
pelos mais velhos aos mais novos - porque
gente grande também brinca.
A escola do campo e a comunidade,
nessa perspectiva, podem ampliar o espaço
do brincar e do cantar e do ensinar pela
cultura, através de tradições que
atravessam a realidade dos educandos. A
Pedagogia da Organização Coletiva, a
Pedagogia da Cultura e a Pedagogia da
História (Caldart, 2000) se articulam e se
mostram como possibilidade de uma
educação crítica, enraizada, emancipatória
e transformadora, voltada ao
reconhecimento e respeito à diversidade
sociocultural e aos direitos humanos.
No Coletivo de Cantantes e
Brincantes buscamos conhecer a cultura, a
história e as manifestações culturais de três
grupos em particular: kilombolas,
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indígenas e assentados de reforma agrária.
Essa escolha se deu em função das
atividades de tempo-comunidade
desenvolvidas por orientandas e grupo de
pesquisa e extensão universitárias nas
escolas do campo junto às populações do
campo.
A escola do campo está situada na
zona rural ou atende predominantemente as
populações do campo: agricultores
familiares, pecuaristas familiares,
assentados e acampados da reforma agrária
e atingidos por barragens, quilombolas,
indígenas, agricultores e pescadores,
silvicultores, extrativistas, trabalhadores
assalariados rurais e outros que obtenham
suas condições materiais de existência a
partir do trabalho no meio rural (RS,
2018).
Em nosso Coletivo notamos que,
não obstante as Leis 10.639/2003 e
11645/2008 que estabelecem as diretrizes e
bases da educação nacional para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Brasil,
2003; 2008), muito pouco sobre essas
culturas são estudadas com profundidade
na EduCampo e nas licenciaturas em
geral
iv
.
Desde 2004 o Ministério da
Educação (MEC), através do Conselho
Nacional de Educação (CNE), instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
para a Educao para as Relaes tnico-
Raciais
v
(ERER) e para o Ensino de
Histria e Cultura Afro-Brasileira e
Africana (Brasil, 2004) que buscam
normatizar e orientar a formulação de
projetos empenhados "na valorizao da
histria e cultura dos afro-brasileiros e dos
africanos, assim como comprometidos com
a educao de relaes tnico-raciais
positivas" (Brasil, 2004, p.9).
Segundo o MEC, a ERER trata da
"reeducao das relaes entre negros e
brancos, designada como relaes tnico-
raciais" (Brasil, 2004, p.13). A ERER
procura corrigir a assimetria estrutural
entre negros e brancos visando "a
reparaes, reconhecimento e valorizao
da identidade, da cultura e da histria dos
negros e das negras do país" (Brasil, 2004,
p.13) A ERER impe "aprendizagens entre
brancos e negros, trocas de conhecimentos,
quebra de desconfianas, projeto conjunto
para construo de uma sociedade justa,
igual, equnime" (Brasil, 2004, p.14). Para
isso, precisa estar presente nos currículos
escolares e no currículo das licenciaturas.
No currículo da EduCampo, descrito
no Projeto Pedagógico do Curso (PPC),
podemos entender que a ERER entra como
um tema transversal
vi
a ser trabalhado de
forma interdisciplinar na etapa 5 do curso.
Essa etapa tem o seguinte eixo temático
vii
:
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Diversidade cultural da
contemporaneidade e Sucessão familiar:
gênero, gerações e etnia é o tema
gerador
viii
a ser problematizado e debatido
nas seguintes disciplinas: Diversidade
Cultural: perspectivas antropológicas;
Psicologias da Aprendizagem: alteridade e
gerações do campo; Educação em
Ciências Naturais 9: Ciência no cotidiano;
Desenvolvimento Rural; Matemática para
as Ciências Naturais 3; Educação em
Ciências Naturais 10: Espaços educativos;
Seminários Integradores 5 (UFRGS, 2013,
p. 13-19; 35-38).
Podemos entender, no contexto do
PPC da EduCampo, que este seria um
momento específico para falar sobre a
diversidade que constituem as diferentes
populações do campo, em particular
aquelas com as quais desenvolvemos as
atividades de tempo-comunidade:
agricultores familiares, assentados e
acampados da reforma agrária, kilombolas,
indígenas, entre outros povos do campo.
Ou seja, a ERER teria nesta etapa um
espaço para ser problematizada. No
entanto, uma leitura das ementas dos
planos de ensino mostra que a ERER não é
tematizada especificamente em nenhuma
destas disciplinas
ix
.
Uma estratégia dos(as) docentes do
curso para inserir a ERER na trajetória
educativa dos(as) discentes do curso foi
organizar grupos de pesquisa e extensão
universitária, seminários e rodas de
conversa, visitas às comunidades para
desenvolver atividades pedagógicas dentro
desta temática. Este artigo resulta deste
esforço e descreve uma das diversas
atividades desenvolvidas no decorrer do
curso.
A Lei 10.639/2003 também instituiu
o Dia Nacional da Consciência Negra em
20 de novembro. No âmbito universitário,
o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros,
Indígenas e Africanos (NEAB) propôs em
2017 o programa de extensão Novembro
Negro e o Coletivo de Cantantes e
Brincantes foi convidado a compor a
programação "com o objetivo de fortalecer
a luta diária pela igualdade étnico-racial no
ambiente acadêmico" (UFRGS, 2019).
Para participar do Novembro Negro,
o Coletivo de Cantantes e Brincantes se
uniu ao Coletivo de Pesquisadoras e
Pesquisadores OKARAN e ao Maracatu
Semente de Baobá, formado por jovens da
Comunidade Kilombola Ecolgica Morada
da Paz (CoMPaz) e fez uma pesquisa sobre
orins
x
que são os rezos cantados em louvor
aos Orixás
xi
.
O Coletivo de Cantantes mapeou na
Música Popular Brasileira (MPB) e em
outros terreiros da religião afro-brasileira
cantos desta temática. O Maracatu
Semente de Baobá buscou na ritualística
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do terreiro da Nação Muzunguê os rezos
que viram canto e, portanto, poderiam ser
cantados fora do terreiro onde se reúnem
mensalmente para suas louvações. Dessa
compilação se construiu um cancioneiro
que foi apresentado em 2017, 2018 e 2019
no Novembro Negro, no dia da
Consciência Negra, em 20 de novembro na
Faculdade de Educação e em outros
espaços para os quais fomos convidadas.
O Coletivo, como afirmamos
acima, não é composto por cantoras, mas
sim por cantantes que são educadoras
populares que cantam, nas suas condições,
como parte de um processo de ensinar e
aprender com sentido. Como um grupo de
pesquisa e extensão tivemos desde 2017 o
acompanhamento e orientação de um
professor de canto, discente do Instituto de
Música da UFRGS e, desde 2019, de uma
professora de Educação Musical da
Faculdade de Educação.
Assim aprendemos nas reuniões
semanais a colocar nossa voz, a compor
com as outras vozes do Coletivo e adequar
os cantos ao nosso timbre. Optamos por
utilizar somente instrumentos de percussão
nos nossos cantos e, de preferência, a
cantar em roda, sem microfones, pois esse
é contexto de uma escola ou comunidade
rural e também a característica dos
brincantes da cultura popular brasileira.
Este artigo acompanha a trajetória
educativa deste coletivo de mulheres que
adentrou nas manifestações culturais de um
kilombo e, com a permissão desta
comunidade, trouxe para a universidade e
escolas da região os cantos e os orins ou os
rezos cantados no terreiro em uma
pesquisa-intervenção, uma nova
cartografia chamada de Quando rezo é
canto, quando canto é rezo
xii
que nos
possibilitou um mergulho na cultura afro-
brasileira kilombola. Buscamos relacionar
as aprendizagens nesta pesquisa à
educação do campo e à educação
quilombola e suas implicações para uma
educação para as relações étnicas-raciais.
A metodologia: cartografia subjetiva em
território kilombola
Abre o caminho
Sentinela está na porta
Abre o caminho
Pro mensageiro passar
Kiko Dinucci - Pade
xiii
Desde a antiguidade, o mapa serve
para delimitar território, fronteiras, rotas,
referências, reserva de recursos, grupos
sociais. A cartografia no seu início esteve a
serviço da colonização e de processos
hegemônicos de dominação a fim de
legitimar a conquista de povos e territórios.
Na contemporaneidade, ao incluir os
sujeitos que vivem nos territórios para a
realização de mapeamentos participativos,
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surge a cartografia social que pode "ser
vista ora como esforço de resistência às
dinâmicas da globalização, ora como
instrumento de apoio à efetivação mesma
dessas dinâmicas" (Acselrad, 2008, p. 10).
Deleuze e Guattari (1995) vão falar
em "cartografia como um método para
acompanhar processos" (Kastrup, 2015, p.
32), em que se constrói, a cada pesquisa,
um dispositivo (Foucault, 2018)
metodológico, teórico e analítico
particular, adequado ao contexto
sociocultural do território pesquisado.
Para Foucault, o dispositivo é uma
rede heterogênea de práticas discursivas e
não-discursivas que articulam poder, saber
e produção de subjetivação em uma grade
específica de análise e esta estrutura
possibilita traçar relações entre estes
elementos, ao fazer uma "interveno
racional e organizada nestas relaes de
fora" (Foucault, 2018, p. 365). O
dispositivo seria composto por "estratgias
de relaes de fora sustentando tipos de
saber e sendo sustentadas por eles"
(Foucault, 2018, p. 365).
A cartografia (Deleuze;
Guatari:1995) uma "pesquisa-
interveno" (Kastrup et al., 2015) que nos
permitiu organizar coletivamente o
cancioneiro da pesquisa Quando rezo é
canto, quando canto é rezo como um mapa
- ainda parcial - das manifestações
culturais que ocorrem na Comunidade
Kilombola Morada da Paz, Território de
Mãe Preta, em Triunfo/RS ao mesmo
tempo que nos permitiu uma pesquisa na
MPB de músicas que tem como tema a
louvação aos orixás.
A metodologia adotada, a cartografia
subjetiva, nos permitiu entender a
Comunidade Kilombola Morada da Paz,
Território de Mãe Preta, e o modo como
ela se organizou para participar da
pesquisa a partir de suas características: a
oralidade, a circularidade, o ensinar pela
cultura, tradio e histria, o fazer junto, as
decisões coletivas no ipad - que em
yorùbá significa encontro, unio e designa
as rodas de conversa na Comunidade
(Labrea, Dornelles & Kiekow, 2019).
Foi dentro do Territrio que
definimos quais os cantos e rezos que
melhor mostrariam os elementos da cultura
e espiritualidade que foram incorporadas
nos rituais do terreiro e como
problematizá-los à luz das diretrizes da
ERER, da Educação do Campo, em
particular a Pedagogia da Cultura, a
Pedagogia da Organização Coletiva e a
Pedagogia da História (Caldart, 2000) e a
Educação Kilombola, tal como proposta
nas atividades pedagógicas da CoMPaz.
Quando rezo é canto, quando canto é rezo
Eu canto pros antepassados
Pros meus aliados,
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
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Pros meus Orixs.
Peo Ago Y Mojub
Pras minhas Ys
Pra sarav!
Semente de Baob
xiv
O primeiro movimento desta
cartografia foi conhecer a CoMPaz
xv
:
A CoMPaz é uma Comunidade
Kilombola Espiritual, Ecológica,
Sustentável, fundada em 2003 por
mulheres e homens que migraram da
região metropolitana de Porto Alegre
para a área rural do Distrito de
Vendinha, no município de
Triunfo/RS, com o intuito de
promover a sustentabilidade
ambiental como caminho para uma
melhor qualidade de vida. A CoMPaz
foi reconhecida kilombola pela
Fundação Cultural Palmares,
conforme publicação no Diário
Oficial da União de 20.05.2016,
Portaria no.104 de 16.05.16. (Labrea,
2020, p. 07).
O território tem diferentes
territorialidades, diferentes espaços, e neste
estudo interessa em particular, o terreiro de
chão batido da Nação Muzunguê.
O Muzungu oriundo do kikongo,
cujo significado se aproxima da ideia
de acolhimento. um terreiro de
cho batido onde se faz atendimentos
espirituais, assemelham-se s casas
de Umbanda, ainda que tambm no
seja exatamente isso pois em um
mesmo espao-tempo ritual,
manifestam-se as entidades do
Batuque, do Candombl e da
Umbanda (Flores, 2018, p.108), e
tem as preces prticas e a noo de
meditao ativa ..., o no consumo de
carne e de lcool, a compreenso de
que o corpo formado por pontos
energticos, os chakras, que so
atribudas ao Budismo”(Flores, 2018,
p. 115). No Muzungu h um
trabalho de recuperao dos ritos
ancestrais, como, por exemplo, a
introduo dos tambores nos rezos ou
orins, como chamam os pontos
entoados em louvao aos orixs
(Labrea, Dornelles & Kiekow, 2019,
p. 112).
Um dos aspectos fundamentais do
kilombo são as narrativas porque o povo
negro kilombola aprende a partir de uma
hierarquia circular, nos ipadês com base na
tradição oral e nas "vivncias - entendidas
como experiências coletivas que atestam o
estar no mundo e a forma como os adultos
se educam e educam as crianças e jovens
na CoMPaz" (Labrea, Dornelles &
Kiekow, 2019, p. 110).
Assim, fomos para os ipadês
conhecer a história, a cultura e a
organização comunitária e, aos poucos,
fomos também participando das
celebrações e alguns ritos, incluindo o
encontro mensal no terreiro para louvar os
orixás, o Muzunguê.
Ao nos inserirmos na comunidade
pudemos observar o terreiro, entendido
como um movimento sagrado da
ritualística da Nação Muzunguê. Os cantos
daquele ritual são de duas vertentes, alguns
orins são de matriz africana,
principalmente aqueles cantados em
yorùbá e outros rezos são músicas muitas
vezes gravadas por artistas da MPB,
como por exemplo, Padê de Kiko Dinucci
ou Mãe Preta de Caco Velho e Piratini,
que foram gravadas por Juçara Marçal e
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
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Amália Rodrigues, respectivamente. Esses
rezos, independente de sua origem, são
entoados em uma ordem determinada, e no
Muzanguê inicialmente se pede licença a
Exu ou Bará porque, segundo as Yás, "sem
Exu não se faz nada" (Labrea, 2020), e
cada mês é celebrada uma entidade:
Todo primeiro sbado de cada ms
h um Muzungu. Cada ms
corresponde a um Orix, ou seja, o
tempo est sob guardiania deste
Orix. Em Janeiro ocorre o Trabalho
dos Homens e das Mulheres,
orientado e guiado pelas pomba-
giras. Em fevereiro e em maro a
Morada da Paz fecha para o pblico
externo, seguindo uma srie de
ritualsticas e retiros para seus
membros. Em maro, h o chamado
Muzungu da Vacuidade, dedicado
aos processos de cura. Esse
muzungu direcionado para pessoas
especficas, e no aberto
comunidade. Em abril os trabalhos
abertos iniciam, com o Muzungu de
Ogum. Este seguido, em maio, pelo
das Yamis Ochorongs (chamadas de
Mes Ancestrais), de Exu em junho,
de Xang em julho, de Omulu em
agosto, dos Ibeji em setembro, das
Mes das guas em outubro, de Ians
em novembro e, por fim, o
Muzungu Xamnico em dezembro,
tambm conhecido como Muzungu
de limpeza... Cada Muzungu tem as
suas particularidades, mas o que de
praxe em todos iniciarmos com os
“orins de sustentao”, cantos
dedicados s entidades regentes do
territrio, a saber, Seu Sete, Ogum
Beira Mar, Yemanj, Me Preta,
Ibejis e, por fim, Oxal. Aps, h os
orins dos Exus e Giras que so para
limpar”. Logo iniciam-se os Orins da
entidade que rege os trabalhos
(Flores, 2018, p. 118-119).
Os orins de sustentação e os pontos
do Orixá que regem os trabalhos do
terreiro são entoados ao som de tambores
ou atabaques e essa prática considerada
ancestral foi incorporada na ritualística. Os
alabês do Muzunguê fazem parte do
Maracatu Semente de Baobá que leva para
além do território músicas autorais e
também alguns orins que são permitidos
entoar fora do terreiro. Alabê, do yorùbá
alagbê, designa o responsável pelos toques
rituais e pelos instrumentos musicais
sagrados do terreiro.
Desde 2019, os tambores do
Muzunguê são femininos. Este aspecto não
é trivial, na cultura afro-brasileira é um
avanço porque antigamente se viam
homens a tocar e a dançar. O kilombo é um
território feminino, habitado por mulheres
negras e empoderadas (Labrea, Dornelles
& Kiekow, 2019).
Afirmamos que a CoMPaz um
territrio negro feminino, pois a
grande maioria das moradoras so
mulheres que salvaguardam a cultura
matricial de seu povo. Elas nos
contaram nas rodas de conversa que,
aos poucos, “os homens foram indo
embora” do territrio e as mulheres
permaneceram. Essa característica
no incomum nos relatos de outras
mulheres negras onde as famlias se
desagregam e os homens deixam as
mulheres. O que incomum nessa
narrativa como essas mulheres
subverteram uma memria histrica
de discriminao em funo de raa,
gênero e classe social porque em seu
territrio reconstrem essa memria
a partir das atividades de cuidado que
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pautam sua organizao, suas
estratgias educativas e de
sustentabilidade comunitrias
(Labrea, Dornelles & Kiekow, 2019,
p. 113).
Ao reconhecer da MPB alguns rezos
entoados no terreiro, entendemos que no
terreiro vira rezo tudo que for cantado para
homenagear os Orixás, mas nem todo rezo
vira canto e pode ser cantado fora do
terreiro. Trabalhamos no Coletivo
principalmente com os compositores e
cantores Kiko Dinucci e Serena
Assumpção e com clássicos da MPB,
principalmente na voz de Clara Nunes que
trouxe para as rádios sicas de louvação
aos Orixás e ao povo de terreiro já nas
décadas de 1970 e 1980.
Vimos que não por acaso o samba
xvi
é o gênero musical preferido pelos
compositores que trazem o batuque para o
centro da MPB, pois em sua origem, o
samba de roda é muito semelhante ao coco
que sincretiza o batuque africano com os
cantos indígenas e esse gênero musical se
tornou a principal referência musical do
país desde meados da década de 1940.
Para cada rezo que o Semente de
Baobá
xvii
trouxe para o Novembro Negro,
buscamos um canto
xviii
correspondente.
Nessa trajetória, além dos cantos que
fizeram parte do cancioneiro das
apresentações do Novembro Negro de
2017, 2018 e 2019, também revisitamos
vários outros compositores e cantores
contemporâneos como Itamar Assumpção,
Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Martinho da Vila, Roberta Sá,
Paulinho da Viola, Vinicius de Moraes e
Baden Powell, Jamelão, entre outros.
Embora a maioria dos orins sejam
absolutamente contemporâneos, oriundos
de compositores conhecidos da MPB, ao
adentrarem no terreiro viram rezos e são
incorporados às memórias e à tradição do
povo de santo que assim são reinventadas e
constantemente atualizadas.
Esse movimento entre o novo e o
velho, o que era e o que está sendo mostra
que a cultura é viva e está em constante
movimento de reconfiguração. O terreiro
nesse sentido sinaliza o encontro entre a
tradição e a renovação desta tradição, é um
espaço de entremeio, onde circula a
história e a memória da comunidade que
vai ao encontro da contemporaneidade e
aponta para futuros possíveis.
Um aspecto importante a destacar
nessa pesquisa foi a percepção de que todo
rezo vinha acompanhado de uma história
ou itan, que em yorùbá se refere ao
conjunto de todos os mitos, histórias e
músicas desta cultura e tem como base a
oralidade. Os itan do kilombo não haviam
sidos registrados textualmente e este
trabalho está sendo desenvolvido aos
poucos, sob orientação de Mãe Preta,
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principalmente em função do trabalho
cartográfico do Coletivo OKARAN.
A base oral da história e cultura afro-
brasileira e africana influenciam também
sua musicalidade e os rezos são entoados e
podem ser substituídos sem um registro
escrito dessa passagem. As motivações e
os critérios de inclusão e exclusão de rezos
fazem parte da história e memória oral e
sinalizam um aprofundamento em alguma
questão específica da espiritualidade da
CoMPaz, que chega através da
manifestação dos Orixás que guiam os
trabalhos do terreiro.
Mãe Preta tem um papel de guiança
importante, pois não foram poucas as vezes
que vimos que ela iniciou um outro rezo
que ela preferiu ao que inicialmente estava
planejado apresentar no Muzunguê. Mãe
Preta, a entidade que guia a tomada de
decisões do território, muitas vezes traz
rezos novos para o Muzunge com isso
enfatiza alguma questão do momento.
"Me Preta uma preta velha que
acompanha h mais de 20 anos Yashodhan,
a Sangoma, guia espiritual e guardi da
cosmoviso da Nação Muzungu, a Y que
guarda e comanda os ritos no terreiro"
(Labrea, Dornelles & Kiekow, 2019, p.
112). Junto com Seu Sete, um Exu-Rei, são
considerados o pai e mãe da Comunidade.
As músicas em yorùbá nunca foram
escritas, algumas não têm título e são
passadas de uma geração a outra, ao de
ouvido, nos diferentes terreiros onde são
entoadas, e fazem parte do processo de
iniciação em um terreiro. A memória
musical do território é longa e remonta a
sua ancestralidade, e de muitos rezos não
se sabe a autoria.
Nossa presença em um kilombo,
durante três anos, foi de diferentes formas
transformadora, pois esse espaço educativo
foi desafiador e nos desacomodou, pois
vimos e participamos de práticas
educativas que nos tiraram da forma,
dançamos e cantamos, compartilhamos o
alimento, participamos de oficinas, rimos e
choramos com a profundidade e a
delicadeza dos ritos, e todo o conjunto
dessas atividades nos fez estar mais atentas
para as manifestações culturais das
populações do campo, em especial da
cultura negra e kilombola.
A pesquisa partiu de realidade
concreta, foi vivenciada intensamente e,
seguindo o método cartográfico, nos deu
pistas importantes para pensarmos, junto
com a CoMPaz, o que aproxima a
Educação do Campo e a Educação
Kilombola que esta comunidade defende e
preconiza.
A encruzilhada onde a Educação do
Campo e a Educação Kilombola se
encontram
Exú é o começo
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Atravessa o avesso
Exú é o travesso
Que traça o final
É o laço e o atalho
É o braço e a mão
Do falho e do justo
Exu é o custo
Do movimento
O tormento do ser
Que não é
Exú!
Serena Assumpção
xix
A Educao do Campo (EdoC) surge
tanto para "denunciar a desigualdade
econmica, social, cultural e cognitiva que
esto sujeitas as famlias camponesas,
desumanizando-as", quanto para propor
uma mobilizao por uma nova escola
no/do campo, "necessria, vinculada e
vinculante realidade do viver campons,
enraizada nos territrios e comprometida
com a mudana do atual modelo de
desenvolvimento socioeconômico"
(Labrea, Dornelles & Kiekow, 2018, p.
153-154).
Esse enraizamento que vincula as
atividades realizadas na escola do campo
aos saberes e fazeres da comunidade na
qual ela está inserida, aponta para novos
desenhos pedagógicos que, em nossa
leitura, estão sintetizados com muita
clareza em Caldart (2000), quando ela
descreve as Pedagogias do Movimento
Sem Terra, na qual afirma que a "escola é
mais que escola", ampliando as
territorialidades da produção e difusão de
conhecimento, para além da escola e
constatando que a comunidade e a família
também educam e seus saberes e fazeres
devem ser tematizados em sala de aula.
As Diretrizes Operacionais para a
Educao Bsica nas Escolas do Campo,
instituídas pela Resolução no. 1 de 3 de
abril de 2002, validam esse entendimento
sinalizando que as escolas do campo irão
contemplar a diversidade do campo em
todos os seus aspectos: sociais, culturais,
polticos, econmicos, de gnero, gerao
e etnia (Brasil, 2012, p. 34):
A identidade da escola do campo
definida pela sua vinculao s
questes inerentes sua realidade,
ancorando-se na temporalidade e
saberes prprios dos estudantes, na
memria coletiva que sinaliza
futuros, na rede de cincia e
tecnologia disponvel na sociedade e
nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as solues
exigidas por essas questes
qualidade social da vida coletiva no
pas (Brasil, 2012, p. 33).
Assim, foi na EdoC que procuramos
inicialmente dispositivo teórico e analítico
para desenvolver as atividades propostas
neste projeto de pesquisa e extensão
universitárias, principalmente amparadas
na leitura de Caldart (2000), relacionando a
pedagogia do Movimento Sem Terra às
vivências coletivas no kilombo. Foram
chaves de leitura a Pedagogia da
Organização Coletiva, a Pedagogia da
Cultura e a Pedagogia da História, que
descreveremos brevemente abaixo.
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A Pedagogia da Organização
Coletiva fala sobre como o Sem Terra se
educa ao enraizar em uma coletividade em
movimento. Caldart fala do esforço
intencional de um grupo social para se
constituir em um sujeito coletivo que tem
uma agenda de lutas em comum (Caldart,
2000, p. 215).
Dadas às devidas proporções, vimos
que os kilombolas também se educam a
partir de um profundo enraizamento, de
uma imersão no estudo de suas tradições,
de sua história, de sua cultura e de uma
coletividade que está sempre em
movimento, não entre si, mas com
grupos parceiros que podem ajudar a
alavancar processos no kilombo.
A organizao da comunidade uma
hierarquia circular, h diferentes grupos
que dialogam: as Ys e o Baba, as mais
velhas e o mais velho da comunidade,
fundadores da comunidade e responsveis
pelas principais decises; as Egbomis, as
irms mais velhas da comunidade; as Ias,
as iniciadas mais novas. H tambm os
Odomods, os jovens, os Omads, as
crianas (Flores, 2018, p. 16).
As decises so tomadas nos Ipads,
crculo de dilogos, "onde todos, desde os
pitocos s Iys falam e escutam e as
entidades protetoras do territrio indicam
caminhos possveis" (Labrea, Dornelles &
Kiekow, 2019, p. 114).
Essa imersão na cultura remete à
Pedagogia da Cultura que mostra que o
Sem Terra se educa ao cultivar um modo
de vida produzido pelo Movimento
(Caldart, 2000, p. 227). No kilombo esse
modo de vida se traduz na utopia do Bem
Viver: "o território, seu terreiro e as
diferentes territorialidades tm suas regras,
uma ética e uma estética: produzem
cultura, educam, tem uma economia que
garante sua sustentabilidade e simbologia"
(Labrea, Dornelles & Kiekow, 2019, p.
117).
O Kilombo realiza um trabalho de
recuperação da sabedoria ancestral africana
e afro-brasileira, que relacionamos com a
ideia de Bem Viver que um processo
proveniente da matriz comunitária de
povos que vivem em harmonia com a
natureza” (Acosta, 2016, p. 24) e assim
dialogam com um saber tradicional,
matricial, crítico e autocrítico, contextual
que permite gestar "projetos produtivos de
caráter autossustentáveis e emancipatórios
que buscam transformar e transcender a
realidade" (Labrea, Dornelles & Kiekow,
2019, p. 117).
A Pedagogia da História fala de
como a Pedagogia da Organização
Coletiva educa, preservando sua memória
e sua história, sendo um desdobramento da
Pedagogia da Cultura (Caldart, 2000, p.
232-233). Os kilombolas têm um
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cuidadoso trabalho de preservação da
memória de seus ancestrais, seja na
manutenção da ritualística, seja nas
estratégias pedagógicas para a difusão e
valorização dos conhecimentos produzidos
no kilombo, seja na afirmação de sua
identidade. Em nosso entendimento, o
kilombo e o terreiro são espaços
educativos que relacionam essas três
dimensões pedagógicas e se encontram
com a Educação Quilombola e a ERER.
As Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educao Escolar Quilombola na
Educao Bsica (Brasil, 2012b)
convergem sobre essas três dimensões
pedagógicas a partir dos seus fundamentos:
a) da memria coletiva; b) das
lnguas reminiscentes; c) dos marcos
civilizatrios; d) das prticas
culturais; e) das tecnologias e formas
de produo do trabalho; f) dos
acervos e repertrios orais; g) dos
festejos, usos, tradies e demais
elementos que conformam o
patrimnio cultural das comunidades
quilombolas de todo o pas; h) da
territorialidade (Brasil, 2012b, Art.
1o.,§1o, I, p. 3).
A Educação Quilombola, desde a
formulação, defende que sua
implementação deve ser articulada à EdoC
e à Educação Indígena "reconhecidos os
seus pontos de interseco poltica,
histrica, social, educacional e econmica,
sem perder a especificidade" (Brasil,
2012b, Art. 1o.,§1o, VI, p. 3).
As escolas do campo atendem
estudantes oriundos de quilombos porque
eles integram as populações do campo. Os
princípios da educação escolar quilombola
dialogam com a EdoC, embora
contemplem especificidades da história e
cultura afro-brasileira, seus saberes e
fazeres tradicionais, e a diversidade étnico-
racial (Brasil, 2012b, Art.7o., p. 5).
Na nossa leitura, a encruzilhada onde
EdoC e Educação Quilombola se
encontram passa pela possibilidade da
ampliação do espaço escolar, a escola é
mais que escola, na percepção de que todo
o kilombo é um espaço educativo, onde os
mais novos e os mais velhos se educam
reciprocamente nas diferentes
territorialidades do kilombo, pois este local
é simultaneamente local de morada, espaço
cultural, ponto de cultura, horta e produção
de agricultura familiar, terreiro, espaço de
preservação ambiental, escola
xx
,
brinquedoteca e biblioteca.
Passa também pelo entendimento de
que diferentes tempos educativos, que
na EdoC caracterizam a Pedagogia da
Alternância (Caldart, 2000) e que no
kilombo se mostram na valorização das
diferentes temporalidades como
transmissoras de saberes e fazeres que
estruturam o kilombo e que pautam a
organização curricular a fim de ofertar uma
educação básica imersa na (pedagogia da)
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cultura, (pedagogia da) história e na
(pedagogia da) mobilização comunitária.
O encontro da EdoC com a Educação
Quilombola, no kilombo de Mãe Preta,
permite um enraizamento profundo na
história e cultura afro-brasileira, nos vários
saberes, fazeres e tecnologias sociais que
são produzidos no cotidiano da CoMPaz.
Seus saberes e fazeres dialogam com o
senso de continuidade, com a oralidade,
respeitam a ancestralidade, todos aprendem
com todos, desde os mais novos aos mais
velhos, todos têm voz nessa hierarquia
circular na qual tudo está conectado com a
espiritualidade que compõe aquele Ilé, que
significa casa em yorùbá.
E é no terreiro, onde se conecta esse
coletivo à sua história e sua cultura, que a
riqueza da identidade kilombola se mostra
com mais evidência, pois no terreiro toda a
comunidade, desde os mais novos aos mais
velhos, vive e se expressa com liberdade e
sem preconceitos.
Há uma pedagogia que permeia todas
as ações do terreiro de chão batido e de
toda a CoMPaz, denominada no kilombo
de Pedagogia do Encantamento que fala do
modo amoroso como o kilombo se
organiza para educar os mais velhos e os
mais novos, por meio deste resgate e da
reinvenção das tradições, história e cultura
afro-brasileira e articulada aos modos de
produzir e de sustentação das atividades
desenvolvidas na CoMPaz.
Os kilombolas, com a Pedagogia do
Encantamento, defendem um projeto de
escola intercultural, humanizada e
humanizadora, de cunho emancipatrio,
construda a partir do dilogo que a
comunidade mantm "com a universidade
e com o conhecimento formal e as
orientaes de Me Preta, Seu Sete e os
Orixs que frequentam o territrio"
(Labrea, Dornelles & Kiekow, 2019, p.
116).
A Pedagogia do Encantamento é
pautada na diversidade e nos direitos dos
homens, mulheres e crianças, e para isso
batalham por uma educação do campo
kilombola, que ofereça alternativas
credíveis para permanecerem e
fortalecerem a comunidade.
Os kilombolas se educam para
"reafirmar seu modo de ser e viver,
ancorado na espiritualidade onde o passado
honrado e valorizado porque contm e
perpetua a experincia social dos mais
velhos e dos ancestrais a partir das
narrativas e vivncias" (Labrea, Dornelles
& Kiekow, 2019, p. 116).
Em nosso entendimento essa
Pedagogia atesta a possibilidade de uma
Educação do Campo Kilombola.
A Educação do Campo Kilombola,
enraizada na CoMPaz e que trata de
seus processos de ensino e
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aprendizagem surge da necessidade
de uma educao biocntrica,
intercultural, baseada na diversidade,
na cooperao e nos direitos
humanos, que contemple a histria e
a tradio dos povos africanos que
compõem a populao brasileira e
pode ser entendida como
possibilidade de acesso ao
conhecimento acumulado pela
humanidade e direito à memória e
história.
A Educação do Campo Kilombola
possibilita o acesso a tecnologias e
experiências sociais que podem
ajudar na qualidade de vida no
kilombo e se contrapor aos ataques
de fundamentalistas e à
criminalização dos terreiros e
kilombos (Labrea, Dornelles &
Kiekow, 2019, p. 116).
Considerando a proposta da
Pedagogia do Encantamento e de uma
Educação do Campo Kilombola, que
articule os princípios e fundamentos de
cada modalidade para melhor atender às
necessidades e especificidades do kilombo,
podemos inferir a importância de uma
pesquisa realizada em parceria entre o
kilombo e a universidade sobre os orins
que podem ser cantados fora do terreiro.
Consideramos que essa pesquisa produziu
um conhecimento contextual, enraizado
nas tradições, memórias e história dos
membros desta comunidade e exigiu um
mergulho profundo na espiritualidade e nos
ritos dos povos de terreiro, em particular
na Nação Muzunguê.
Com cuidado e respeito criamos o
cancioneiro desta pesquisa com a intenção
de que ele fosse apresentado em espaços da
universidade e em escolas onde transitam
negros e brancos e problematizado em
oficinas temáticas de desformação -
entendidas como espaços para sair da
forma (academicista) e trabalhar o diálogo
entre os saberes, de forma circular, em
rodas de conversa, - que denominamos
Encontros Dialógicos.
A fim de estudar junto com o
kilombo os temas que foram surgindo
nesses Encontros, organizamos em 2017 o
Coletivo de Pesquisadoras e Pesquisadores
Kilombolas OKARAN, composto por
membros da CoMPaz e educandos da
EduCampo, e desenvolvemos o projeto de
pesquisa e extensão universitárias
Pedagogia do Encantamento e Ekonomia
do Afeto: cartografia subjetiva em
território feminino kilombola até 2020
(Labrea, 2020).
Nestes Encontros, realizados
mensalmente, no segundo semestre de cada
ano (2017, 2018 e 2019), alternávamos o
local dos encontros entre o kilombo e a
UFRGS, a fim de que o público pudesse
circular nesses dois espaços.
A proposta foi mostrar aos
participantes as tecnologias sociais que a
CoMPaz estava desenvolvendo, a partir de
várias parcerias, com diferentes
universidades, como a UFRGS, a
Universidade FEEVALE de Novo
Hamburgo e UNISINOS de São Leopoldo.
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Além das educadoras da comunidade
e do Coletivo OKARAN, convidamos
várias pessoas com trabalhos em temas
afins, para podermos dialogar com
educadores, gestores de escolas e
educandos e educandas da EduCampo e
das demais licenciaturas da Universidade
para um diálogo circular, sem mesas ou
lugares de fala fixos, para nos tirar da
forma do academicismo e da
hierarquização dos saberes. Nos encontros
fizemos rodas de conversa nos seguintes
temas:
Etnoludicidade - o brincar nas/das
comunidades quilombolas e
indígenas;
O ensino da História, Literatura e
Cultura Africana e Afro-brasileira:
um diálogo entre a Educação
Kilombola da CoMPaz e a escola
tradicional;
Territorialidades de resistências;
Território kilombola: vivências,
lugar e espaço;
Escola CoMKola Kilombola na
contra-marcha do processo de
educação do Estado brasileiro;
Quando o orixá é curador do corpo
e da mente: a visão de saúde
integral de CoMPaz;
Etnoludicidade: as diferentes
formas de brincar numa
comunidade kilombola;
Do quilombo com q ao kilombo
com k: território de resistência e
resiliência;
Na minha casa toda forma de amor
é sagrada: gênero e identidade;
A corporeidade no processo de
crescimento da criança;
A cosmovisão afrobudígena no
kilombola: um jeito de ser e viver
CoMPaz;
A Pedagogia do Encantamento da
Epé Láyié: educar encantado com
afeto e amor, tendo como força
motriz os valores civilizatórios
africanos e afro-brasileiros;
Pedagogia do Encantamento e
Ekonomia do Afeto: cartografia
subjetiva em território feminino
kilombola.
Também foram oferecidos vários
cursos de desformação no kilombo, aos
sábados, nos seguintes temas:
Disponibilidade: a espiritualidade
no cotidiano;
A morada é curandeira: o Orixá
como curador;
Projetos de vida: na minha
encruzilhada quem manda sou eu!;
Desformação - Educação do Campo
Kilmbola: aprender e ensinar a
cultura afrobrasileira fora da forma.
Nestas duas atividades formativas,
todos os temas foram abordados
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considerando as DCN da ERER, da
Educação do Campo e da Educação
Quilombola.
Para implementarmos os princípios
da Educação do Campo Kilombola,
entendemos que é necessária uma
reeducação das relações entre negros e
brancos (Brasil, 2004, p. 13), como
preconizada nas diretrizes da ERER.
As atividades desenvolvidas nesta
pesquisa colaboram para o enfrentamento
do racismo e a valorização da contribuição
das populações afro-brasileiras na história
e cultura do país.
Para finalizar, retomamos o objetivo
deste artigo, descrever e analisar a
trajetória educativa do Coletivo de
Cantantes e Brincantes É do Campo junto
aos kilombolas da Comunidade Morada da
Paz, em particular o Coletivo Okaran e o
Maracatu Semente de Baobá, na
construção de um cancioneiro que trouxe
os rezos do terreiro e canções da MPB para
louvação dos Orixás para serem
conhecidos e debatidos na universidade e
escolas por meio de oficinas de
desformação.
Trouxemos os kilombolas, através do
Coletivo OKARAN, todos os semestres
para a UFRGS, entre 2017 e 2019, para o
que chamamos de oficinas de desformação
que buscam tirar da forma e pensar fora
da caixa a fim de questionar o racismo e o
mito da democracia racial que ainda
persistem em habitar a escola e a
universidade.
Nessas oficinas vimos que falta, na
formação dos futuros educadores e
educadoras, conhecimentos consistentes,
materializados através de disciplinas em
seus cursos de licenciaturas, que os
habilitem a trabalhar dentro de suas áreas
com a história e cultura afro-brasileira e
africana, e a mediar e direcionar
positivamente as relações étnicos-raciais
que surgem em ambiente escolar e "criar
estratégias pedagógicas que possam
auxiliar a reeduc-las" (Brasil, 2004, p.
16).
ainda uma lacuna na formação
dos professores que vai para além do
currículo que os mobilize para a
reeducação de brancos e negros que a
ERER preconiza e por isso é importante
que os grupos de pesquisas, articulados
com o movimento negro, continuem
pautando a universidade para abertura de
novos espaços de interlocução entre a
academia, o movimento e o kilombo.
A pesquisa Quando rezo é canto,
quando canto é rezo buscou combater o
racismo por meio da celebração e
problematização da cultura e história do
povo de terreiro, mostrando a beleza e
profundidade da sua espiritualidade, a
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
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força dos tambores femininos, dos cantos e
danças em homenagens aos Orixás.
A universidade ainda tem muito que
avançar a fim de incorporar, ao menos em
seus cursos de licenciatura, os princípios
da ERER em seus currículos e planos de
ensino, mas ao mesmo tempo, possibilita
espaços para pesquisas e atividades
extensionistas que permitem a produção de
algum conhecimento sobre essas
populações do campo e que mobilizam
uma parte da comunidade acadêmica.
Considerando todos os aprendizados
compartilhados no kilombo de Mãe Preta,
defendemos uma Educação do Campo
Kilombola que se paute por uma
aprendizagem ativa tendo como base um
saber tradicional, matricial, crítico e
autocrítico, contextual que permite gestar
projetos de caráter emancipatórios que
buscam transformar e transcender a
realidade, através de práticas antirracistas e
que defendam a diversidade sociocultural.
Esperamos que nossa pesquisa tenha
contribuído, ao menos parcialmente, para
dar visibilidade a uma proposta de educar
pela mobilização social, pela cultura e pela
história, revelando as potencialidades, as
contribuições, as articulações, as novas
configurações, os alcances, os desafios, os
limites e as tensões que a produção de um
conhecimento crítico sobre o kilombo, com
o kilombo, do kilombo pode visibilizar.
Axé!
Referências
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o
9.394, de
20 de dezembro de 1996, modificada pela
Lei n
o
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temtica “Histria e
Cultura Afro-Brasileira e Indgena”.
Brasília, D.O.U. de 11.03.2008.
Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003.
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educao nacional, para incluir no
currculo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temtica "Histria e
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Campo Kilombola...
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i
A Comunidade Kilombola Morada da Paz
(CoMPaz) usa a grafia de kilombo e kilombola com
k, pois busca capturar um outro sentido, ligado
etimologia da palavra, ressignificando
politicamente estes termos, antes associados
historicamente a processos de colonizao e ao
capitalismo e, agora, redefinidos, falam da
experiência social da CoMPaz. Entendemos que
kilombo, grafado com q uma adaptação do
colonizador ao termo africano e a usaremos sempre
que citarmos textos de outros autores que foram
grafados desse modo. Mas para designar o
Território de Mãe Preta, suas práticas e processos
educativos e de sustentabilidade, iremos grafar
kilombo com k a fim de afirmar que estamos em
uma disputa que política e linguística, para que se
recupere o sentido africano da palavra (Labrea et
al., 2019, p. 109).
ii
Padê Onã é um canto contemporâneo que virou
rezo e como todo louvor aos Exús ele abre os
cantos na roda. É um canto de chegança, como
dizem no kilombo, ele abre os caminhos.
iii
Sobre esse tema sugerimos a leitura de Labrea, V.
V; Sousa, G; Ferreira, A. A mística na educação do
campo e sua interlocução com a ecologia dos
saberes: apontamentos de percurso. Anais do III
SIFEDOC, UFFN: Erexim/RS, 2017.
iv
Um mapeamento inicial realizado no âmbito do
Grupo de Trabalho Direitos Humanos, ERER,
Inclusão e Educação Ambiental da Coordenadoria
das Licenciaturas (COORLICEN) da UFRGS
mostrou que dos 25 cursos de licenciatura (18
presenciais e 07 em EaD) apenas 2 têm disciplinas
obrigatórias que contemplam a ERER. Estes dados
são analisados em um artigo que atualmente está no
prelo.
v
É importante destacar os sentidos de raça e etnia
que são defendidas nas "relações étnicas-raciais"
apresentadas pelo MEC: o termo raa utilizado
com frequência nas relaes sociais brasileiras, para
informar como determinadas caractersticas fsicas,
como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras,
influenciam, interferem e at mesmo determinam o
destino e o lugar social dos sujeitos no interior da
sociedade brasileira. Contudo, o termo foi
ressignificado pelo Movimento Negro que, em
vrias situaes, o utiliza com um sentido poltico e
de valorizao do legado deixado pelos africanos.
importante, tambm, explicar que o emprego do
termo tnico, na expresso tnico-racial, serve para
marcar que essas relaes tensas devidas a
diferenas na cor da pele e traos fisionmicos o
so tambm devido raiz cultural plantada na
ancestralidade africana, que difere em viso de
mundo, valores e princpios das de origem
indgena, europeia e asitica (Brasil, 2004, p. 13).
vi
No PPC da EduCampo, "a concepo de temas
transversais, neste projeto, entendida na
perspectiva apresentada pelos Parmetros
Curriculares Nacionais para Educao Bsica"
(UFRGS, 2013, p. 13).
vii
"Os eixos temticos possibilitam uma estrutura
curricular flexvel e dinmica na medida em que
favorecem um dilogo entre a realidade local e o
conhecimento acadmico. ... Nesta perspectiva, os
eixos temticos orientam a interdisciplinaridade,
promovendo a construo de conhecimentos
pedaggicos nas relaes entre saber social e saber
escolar" (UFRGS, 2013, p. 14).
viii
"Os temas geradores, por sua vez, norteados
pelos eixos temticos, problematizam questes,
dvidas e discusses desafiadoras oriundas do
dilogo entre a prtica social e os saberes
produzidos. Tais temas interligam-se e constituem
uma rede de subtemas que acenam
interdisciplinarmente para uma totalidade"
(UFRGS, 2013, p. 14).
ix
Em 2018 foi apresentado o novo PPC da
EduCampo resultante de um processo de redesenho
curricular que contou com a participação de
todos(as) os(as) docentes e discentes do curso. A
disciplina de Diversidade Cultural: perspectivas
antropolgicas teve sua bibliografia atualizada e
contempla povos indígenas e diferenças culturais.
Foram incluídas as seguintes disciplinas
obrigatórias alternativas: Cultura Musical Afro-
Brasileira; Educao das relaes tnico-raciais e
interculturalidade; Sade, Meio Ambiente e a
Cosmovisão Afro Indígena (UFRGS, 2018) que
contemplam as demandas deste coletivo pelos
temas da ERER. Este novo currículo será
implementado a partir da entrada da turma 4 com
entrada prevista para 2021/1.
x
No caso das religiões de matriz africana, com
ênfase para as de origem yorùbá, os orins são o
conjunto de louvores que compõem o iré - festa-,
de um ou de vários òrìà. Os orins evocam os òrìà
no dia do seu iré . Cada òrìà possui o seu conjunto
de orins, cujo número total não se tem notícia. No
dia das festas, vê-se frequentemente, cantar três,
sete, quatorze ou vinte cantigas para cada òrìà, no
entanto, é possível que o iré seja feito com outro
número qualquer de cantigas a depender do òrìà
celebrado (Hawany, 2017). A palavra orin, segundo
Hawany, significa cântico e serve para se referir a
qualquer música, quer seja profana, quer seja
sagrada.
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
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xi
Os Orixás, do yorùbá Òrìà, são deuses que
receberam de Olurum, o Ser Supremo, a
incumbência de criar e governar o mundo, ficando
cada um deles responsável por um aspecto da
natureza e certas dimensões da vida em sociedade e
da condição humana (Prandi, 2001, p. 20).
xii
Este título foi inspirado no cd de Roberta Sá,
Quando o canto é reza, de 2010.
xiii
Padê é um canto que virou rezo que abre os
trabalhos no terreiro da Nação Muzunguê. Assim
como Padê Onã, ambas de Kiko Dinucci, são cantos
de louvor aos Exús.
xiv
Este orin, composto pelo Maracatu Semente de
Baobá, é entoado no terreiro da Nação Muzunguê,
em louvor às Yás ou as mães do Território de e
Preta.
xv
Para conhecer mais detalhadamente essa
cartografia sugerimos a seguinte leitura: Labrea, V.
V., Kiekow, P. E., & Dornelles, D. F. (2019).
Cartografia subjetiva em território feminino
kilombola: em busca da utopia do bem viver.
Cadernos do Lepaarq, 26(31), 107-120.
xvi
Para conhecer um pouco mais dessa questão,
sugerimos a seguinte leitura: Jost, M. (2015). A
construção/invenção do samba: mediações e
interações estratégicas. Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros, 62, 112-125.
xvii
Orins entoados pelo Semente de Baobá: Padê de
Kiko Dinucci, Balogum Oxum de Cris Pereira e
Beto da Xamb, Yemanj Mes D’gua Yey Om
Ejá de Margarete Menezes, Galo Macuco da Tia
Maria do Jongo (Jongo da Serrinha) e orins em
yorùbá que não foram escritos mas passados
oralmente na ritualística e entoados nesse
contexto.
xviii
Padê Onâ do Kiko Dinucci; Oxum, Iemanjá e
Iansã de Serena Assumpção; Na boca da mata do
Guitinho da Xambá; Canto das três raças de Mauro
Duarte e Paulo Pinheiro. O Cancioneiro do Quando
rezo é canto, quando canto é rezo é formado pelos
cantos do Coletivo de Cantantes e pelos rezos do
Semente de Baobá.
xix
Exú, de Serena Assumpção, é um canto que vira
rezo e aponta a encruzilhada como um lugar de
encontros, de entremeio e é neste espaço que
defendemos uma Educação do Campo Kilombola.
xx
A CoMPaz está desenvolvendo desde 2013 o
projeto político pedagógico da Escola Comunitária
Kilombola Ep Layie, que em yorùbá significa terra
viva.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 29/04/2020
Aprovado em: 10/10/2020
Publicado em: 17/05/2021
Received on April 29th, 2020
Accepted on October 10th, 2020
Published on May, 17th, 2021
Contribuições no Artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
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Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
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No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Labrea, V. V., & Reis, D. R. S. (2021). Quando rezo é
canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um
Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do
Campo Kilombola. Rev. Bras. Educ. Camp., 6, e9057.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9057
ABNT
LABREA, V. V.; REIS, D. R. S. Quando rezo é canto,
quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo
de Cantantes e Brincantes na Educação do Campo
Kilombola. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 6,
e9057, 2021. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9057