Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9003
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e9003
10.20873/uft.rbec.e9003
2020
ISSN: 2525-4863
1
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A escolarização de estudantes público-alvo da Educação
Especial na Educação do Campo no município de Boa
Vista/RR
Edineide Rodrigues dos Santos
1
, Maria Edith Romano Siems
2
1
Centro Estadual de Formação dos Profissionais da Educação de Roraima - CEFORR. Secretaria Estadual de Educação.
Avenida Presidente Castelo Branco, 668, Bairro Calungá. Boa Vista - RR. Brasil.
2
Universidade Federal de Roraima - UFRR.
Autor para correspondência/Author for correspondence: edith.romano@ufrr.br
RESUMO. O presente artigo apresenta resultados de uma
pesquisa que objetiva compreender o processo de escolarização
do público-alvo da Educação Especial nas escolas estaduais de
ensino fundamental e médio da Educação do Campo no
município de Boa Vista. Desenvolvida no contexto de um
mestrado em educação, a pesquisa toma como aporte teórico-
metodológico o materialismo histórico-dialético à luz da
pedagogia histórico-crítica. O procedimento metodológico
contemplou a releitura dos dados gerados com base em
observação, pesquisa documental e entrevistas. Realizaram-se
entrevistas com 15 professores que atuavam com o público-alvo
da Educação Especial em duas escolas de Educação do Campo
no município de Boa Vista. Os resultados apontam para a
inexistência de acessibilidade arquitetônica, urbanística, de
comunicação e de transporte; que o Atendimento Educacional
Especializado realizado não era ofertado em conformidade com
a legislação; que as Salas de Recursos Multifuncionais não se
mostravam adequadas para o Atendimento Educacional
Especializado e que a maioria dos professores não tinha
formação na área de Educação Especial, contrariando o
preconizado na legislação vigente. A pesquisa também revelou
que a maioria dos professores almejava por formação na área de
Educação Especial, por condições dignas de trabalho, para assim
propiciarem aos estudantes a apropriação do conhecimento.
Palavras-chave: Educação Especial, Atendimento Educacional
Especializado, Formação de Professores, Educação do Campo,
Pedagogia Histórico-Crítica.
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The schooling of students targeted to Special Education in
Rural Education in the city of Boa Vista/RR
ABSTRACT. This article presents results of a research that
aims to understand the schooling process, specifically for
Special Education students in state rural schools for elementary
and secondary schools located in the city of Boa Vista.
Developed in the context of a master's degree in education, the
research takes historical-dialectical materialism as a theoretical-
methodological approach in the light of historical-critical
pedagogy. The methodological procedure included re-reading
the data generated based on observation, documentary research
and interviews. Interviews were conducted with 15 teachers who
worked with Special Education students in two rural schools in
the municipality of Boa Vista. The results point out the lack of
architectural, urbanistic, communication and transportation
accessibility, that the Specialized Educational Service provided
was not offered in accordance with legislation; that the
Multifunctional Resource Rooms were not suitable for
Specialized Educational Assistance and that most teachers had
no training in the area of Special Education, contrary to what is
prescribed in the current legislation. The survey also revealed
that the majority of teachers longed for training in the area of
Special Education and for decent working conditions, so that
they could provide students with the appropriate knowledge.
Keywords: Special Education, Specialized Educational Service,
Teacher training, Rural Education, Historical-Critical Pedagogy.
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La escolarización de estudiantes públicos específico de la
Educación Especial en la Educación del Campo en el
municipio de Boa Vista/RR
RESUMEN. Este artículo presenta los resultados de una
investigación que tiene como objetivo comprender el proceso de
escolarización de los estudiantes de Educación Especial en las
escuelas públicas de educación primaria y secundaria de la
ciudad de Boa Vista. Desarrollada en el contexto de una
maestría en educación, la investigación toma el materialismo
histórico-dialéctico como un enfoque teórico-metodológico a la
luz de la pedagogía histórico-crítica. El procedimiento
metodológico incluyó releer los datos generados en base a
observaciones, investigaciones documentales y entrevistas. Se
realizaron entrevistas con 15 maestros que trabajaron con
estudiantes de Educación Especial en dos escuelas de Educación
del Campo en el municipio de Boa Vista. Los resultados apuntan
a la falta de accesibilidad arquitectónica, urbanística, de
comunicación y de transporte, que el Servicio Educativo
Especializado proporcionado no se ofrecía de acuerdo con la
legislación; que las Salas de Recursos Multifuncionales no eran
adecuadas para el Atendimiento Educativo Especializado y que
la mayoría de los maestros no tenían capacitación en el área de
Educación Especial, en contra de lo prescrito en la legislación
vigente. La encuesta también reveló que la mayoría de los
docentes querían capacitación en el área de Educación Especial,
debido a condiciones de trabajo decentes, para proporcionar a
los estudiantes la apropiación del conocimiento.
Palabras clave: Educación Especial, Accesibilidad, Servicio
Educativo Especializado, Formación de profesores, Educación
rural, Pedagogía histórico-crítica.
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Introdução
A Educação Especial e a Educação
do Campo apresentaram, ao longo de sua
trajetória, um histórico de exclusão, de
discriminação. Na Educação Especial, as
pessoas público-alvo são, por vezes,
desvalorizadas, especialmente aquelas com
deficiência, pois descrença nas suas
possibilidades de desenvolvimento”, por
serem consideradas incapazes de aprender,
de viver em sociedade (Jannuzzi, 2004, p.
17).
No tocante à Educação do Campo,
entendemos que esta seria a que se
“considerando a construção de uma escola
política e pedagogicamente vinculada à
história, à cultura e às causas sociais e
humanas dos sujeitos do campo, e não um
mero apêndice da escola pensada na
cidade” conforme destacam Kolling,
Derioli e Caldart (2002, p. 13),
compreendendo ser este um processo em
construção e que, em muitos casos, as
escolas localizadas em regiões rurais e
atendendo filhos de trabalhadores do
campo, ainda se configuram em moldes
mais próximos do existente nas escolas da
cidade, do que os parâmetros que
efetivamente a tornariam em Escola do
Campo.
Leite (1999) salienta que os sujeitos
do campo são, em muitos casos, rotulados
como indivíduos incapazes, que não
carecem de estudos, ou seja, pessoas
destinadas apenas ao trabalho braçal, que,
no entendimento do senso comum, não
exigiriam um processo formativo de maior
profundidade.
A resolução 4, de 2 de outubro de
2009 (Brasil,2009), em seu artigo 4º,
considera público-alvo da Educação
Especial: “alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento,
altas habilidades/superdotação”.
O estudo parte das seguintes
questões que se apresentaram no contato
com a realidade de duas escolas da zona
rural: “As escolas estaduais da Educação
do Campo no município de Boa Vista
dispõem de acessibilidade para permitir o
acesso, a permanência e a aprendizagem do
público-alvo da Educação Especial?
Atendimento Educacional Especializado
(AEE) nessas escolas? Se há, como é
realizado? Os professores possuem cursos,
formação na área de Educação Especial
para atender o público-alvo?”.
Entendemos a acessibilidade em seu
sentido amplo, no qual as possibilidades e
condições não se restringem apenas à
possibilidade de acesso na forma de
matrícula nas instituições. A acessibilidade
refere-se a condições mais amplas e que
consideram a adequação arquitetônica, a
oferta de transporte e mobiliários; e
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também o acesso dos estudantes à
comunicação e à apropriação do
conhecimento e aprendizagem em suas
diversas dimensões. Nesta perspectiva,
adotamos neste estudo a definição de
acessibilidade expressa na Lei 13.146 de
06 de julho de 2015 (Brasil, 2015),
também denominada Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência ou
Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Desenvolvemos, então, esse estudo,
com o objetivo de compreender as
condições de escolarização do público-alvo
da Educação Especial nas escolas estaduais
de ensino fundamental e médio da
Educação do Campo no município de Boa
Vista, no tocante a aspectos como a
acessibilidade das escolas, o tipo de AEE
ofertado aos estudantes e qual a formação
dos professores de duas escolas da
Educação do Campo no município de Boa
Vista.
Partimos do referencial teórico
metodológico da Pedagogia Histórico-
Crítica que, com suas bases no
materialismo histórico dialético, entende o
acesso ao conhecimento escolar como
direito fundamental de todos os estudantes.
Educação Especial no Brasil e em
Roraima
Compreender o contexto histórico da
Educação Especial como modalidade
educativa inserida na educação geral é
extremamente relevante. Concordamos
com Jannuzzi (2004, p. 02), quando ela
destaca a necessidade de apreender
algumas propostas sobre a Educação
Especial na educação regular, destacando
o diálogo com o passado não implica que
ele explique totalmente o presente, não
supõe que ele ensine como deveria ter sido.
Ele nos mostra o que foi, nos permite
entender que os acontecimentos não se
dão de forma arbitrária, mas existe
relacionamento entre eles. Também ao
retomar o passado se poderá, talvez,
clarificar o presente quanto ao velho que
nele persiste”.
Nesse contexto, compreender o
passado nos mostra como ocorreram
determinados processos na área de
Educação Especial e o motivo pelas quais
até hoje alguns perduram. Assim,
apresentou-se aqui uma breve discussão da
Educação Especial no Brasil e em
Roraima, assim, utilizarmos os estudos de
Jannuzzi (2004), Mazzotta (2003), Siems
(2016).
Jannuzzi (2004) destaca que, até a
década de 1930, a educação das pessoas
caracterizadas como público-alvo da
Educação Especial, tinha o foco voltado
para a deficiência e que havia uma
descrença da sociedade em relação às
possibilidades de desenvolvimento dessas
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pessoas. A lei n. 13.146, define que a
pessoa com deficiência é:
... aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições
com as demais pessoas (Brasil,
2015).
Mazzota (2003) afirma que o
atendimento era realizado por instituições
especializadas, as quais foram
consideradas, ao longo de seu processo
histórico, como “iniciativas isoladas”.
Destaca que, desde o período de 1854,
havia iniciativas oficiais e particulares
voltadas para o atendimento nas áreas de
deficiência visual, auditiva, física e
intelectual, em sua maioria iniciativas
pontuais com pouco alcance no conjunto
da educação geral. E, desta forma, seguem
os serviços voltados a pessoas com
deficiência, em perspectiva assistencial ou
de cuidados de saúde, segregados do
sistema educativo geral.
A Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva enfatiza que “o ensino deverá
garantir o acesso, a participação e a
aprendizagem dos alunos, destacando
ainda a formação de professores para
atendimentos educacionais especializados
e demais profissionais da educação para a
inclusão escolar (Brasil, 2008). O artigo
1º do Decreto Federal n 7.611, de 2011
(Brasil, 2011), estabelece a garantia de um
sistema inclusivo, a não exclusão por
deficiência, as adaptações mediante as
necessidades dos estudantes, dentre outras.
Nesse contexto, é nítida a responsabilidade
do Estado com o processo de escolarização
do público-alvo da Educação Especial.
No contexto de Roraima, Siems
(2016) afirma que, historicamente, a
escolarização do público-alvo da Educação
Especial apresenta diferenças expressivas
em relação aos demais estados brasileiros,
pela característica peculiar de ter tido seu
início no interior do sistema educacional e
não como ação do campo da saúde ou
assistência social, em escolas públicas. Isso
se contrapõe frontalmente ao efetivado no
restante do Brasil em que os primeiros
atendimentos aconteceram em instituições
hospitalares ou asilares (Aranha, 1995) ou
em instituições particulares isoladas,
assistencialistas, voltadas para o ensino
especializado, segregado (Jannuzzi, 2004 e
Mazzotta, 2003).
Atualmente o Estado de Roraima
conta com a Lei n. 1.008, de 3 de setembro
de 2015 (Roraima, 2015), que aprovou o
Plano Estadual de Educação 2014/2024, e
com a Resolução do Conselho Estadual de
Educação de Roraima n. 7, de 14 de abril
de 2009 (Roraima, 2009), os quais trazem
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estratégias e diretrizes para a Educação
Especial no Sistema Estadual de Educação
de Roraima.
Atender um padrão que efetive
educação de qualidade para todos os
indivíduos, conforme legalmente
determinado é um desafio para o sistema
educacional em geral e que se agrava
quando tratamos da Educação do Campo,
outra modalidade também demarcada por
aspectos específicos de limitação e
exclusão.
A Educação Especial no contexto da
Educação do Campo
A Educação Especial e a Educação
do Campo apresentam um histórico de
exclusão e discriminação semelhante ao
longo de sua trajetória. É um percurso que
buscamos aqui compreender a partir da
análise da produção acadêmica da área.
A Educação do Campo era
denominada Educação Rural, e hoje os
sujeitos sociais do Movimento Nacional de
Educação do Campo a definem como
Educação do Campo e ressaltam:
Decidimos utilizar a expressão
campo e não mais a usual meio rural,
como objetivo de incluir no processo
... uma reflexão sobre o sentido atual
do trabalho camponês e das lutas
sociais e culturais que hoje tentam
garantir a sobrevivência deste
trabalho (Fernandes, Cerioli &
Caldart, 2004, p. 25).
Ainda conforme os autores citados
(2004, p. 27), o propósito da conferência
é conceber uma educação básica do campo,
atendendo as suas diferenças históricas e
culturais ”. E enfatizam:
Não basta ter escolas “no” campo,
queremos ajudar a construir escolas
“do” campo, ou seja, escolas com um
projeto político pedagógico
vinculadas às causas, aos desafios,
aos sonhos, a história e a cultura do
povo trabalhador do campo
(Fernandes, Cerioli & Caldart, 2004,
p. 27).
Assim, é importante frisar que as
pessoas que vivem e estudam no campo
também têm direito à escolarização. Nesta
perspectiva, entendemos que a Educação
do Campo é aquela mediada a partir da
realidade social da escola, dos professores
e dos estudantes que nela vivem, estudam e
atuam.
É neste contexto, que a Política
Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva
esclarece:
A interface da educação especial na
educação indígena, do campo e
quilombola deve assegurar que os
recursos, serviços e atendimento
educacional especializado estejam
presentes nos projetos pedagógicos
construídos com base nas diferenças
socioculturais desses grupos (Brasil,
2008).
Com esse entendimento, buscaram-se
trabalhos acerca da interface da Educação
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Especial no contexto da Educação do
Campo: no Banco de Teses da CAPES; na
página virtual de registros das reuniões da
Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd); na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações; na Revista Brasileira de
Educação Especial, da Associação
Brasileira de Pesquisadores em Educação
Especial (ABPEE); e na Revista de
Educação Especial da Universidade de
Santa Maria. Definiu-se o período de 2011
a 2018 para a seleção dos trabalhos
relacionados à temática.
Diante da pesquisa, destacam-se aqui
alguns trabalhos voltados para a interface
da Educação Especial na Educação do
Campo no período de 2011 a 2018, entre
os quais podem ser citados: Marcoccia
(2011), Caiado e Meletti (2011), Souza
(2012), e Bruno (2012), Gonçalves
(2014), Palma (2016), Nozu e Bruno
(2017), Palma e Carneiro (2018). Para este
artigo focamos os estudos de Marcoccia
(2011) e Palma (2016), por seus estudos
apresentarem realidades que apresentam
proximidade com as condições de nosso
campo de pesquisa.
A dissertação de Marcoccia (2011)
mostrou que os estudantes da Educação
Especial não estavam usufruindo o direito
à educação, considerando a ausência de
transporte escolar, de infraestrutura das
escolas, a carência de materiais
pedagógicos, a frágil formação dos
professores e da ausência de professor
especializado. Palma (2016) afirmou que
as escolas pesquisadas não apresentavam
condições adequadas para a efetivação do
AEE.
Diante dos estudos encontrados na
produção acadêmica, notou-se que a
Educação Especial no contexto da
Educação do Campo apresenta realidades
sociais marcadas pela exclusão,
negligência, descaso e esquecimento diante
de seu público-alvo. E isso não é diferente
no Estado de Roraima, especificamente no
município de Boa Vista, conforme o que
veremos nos resultados deste trabalho.
Fundamentos teórico-metodológicos
O presente artigo apresenta um
recorte de uma pesquisa produzida no
âmbito de um estudo de pós-graduação
stricto sensu, que teve como objetivo
compreender o processo de escolarização
do público-alvo da Educação Especial nas
escolas estaduais de ensino fundamental e
médio da Educação do Campo no
município de Boa Vista.
A pesquisa teve como perspectiva
teórico-metodológica de investigação o
materialismo histórico-dialético, sob a
abordagem da pedagogia histórico-crítica
que, segundo Saviani (2012, p. 120), trata
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“de uma dialética histórica expressa no
materialismo histórico”. A pedagogia
proposta por Saviani (2009, p. 62) defende
que uma:
... pedagogia articulada com os
interesses populares valorizará, pois,
a escola; não será indiferente do que
ocorre em seu interior, estará
empenhada em que a escola funcione
bem; portanto, estará interessada em
métodos de ensino eficazes... Serão
métodos que estimularão a atividade
e iniciativa dos alunos sem abrir mão,
porém, da iniciativa do professor ...
levarão em conta os interesses dos
alunos, os ritmos de aprendizagem e
o desenvolvimento psicológico, mas
sem perder de vista a sistematização
lógica dos conhecimentos, sua
ordenação e gradação para efeitos do
processo de transmissão-assimilação
dos conteúdos cognitivos.
O estudo fundamentou-se no
materialismo histórico-dialético e na
abordagem da pedagogia histórico‐crítica
com a pretensão de apresentar a
contribuição dessa teoria para a
compreensão da realidade social da
Educação Especial na Educação do
Campo. Assim entendemos que os
estudantes público-alvo têm o direito de se
apropriar do conhecimento, inclusive no
ambiente escolar. Nesse sentido, não basta
somente ser matriculado, fazer parte do
censo escolar, mas de fato ter
possibilidades e condições de acesso ao
saber sistematizado.
Como procedimento metodológico,
adotou-se estudo de caso, descrevendo que
o objeto de investigação foi desenvolvido
conforme dados construídos com base em
pesquisa documental, em observação de
campo e entrevistas semiestruturadas. De
acordo com Gil (2002, p. 142), nos
“estudos de caso os dados podem ser
obtidos mediante análise de documentos,
entrevistas, depoimentos pessoais,
observação espontânea, observação
participante e análise de artefatos físicos”.
Importante apontar que o projeto da
referida pesquisa foi encaminhado e
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Estadual de Roraima
(UERR) por meio do site da plataforma
Brasil, vinculado ao Conselho Nacional de
Saúde e Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP), o qual obteve o
Parecer de n. 76902317.3.0000.5621.
Objetivou-se com esse procedimento o
cumprimento de parâmetros éticos de
pesquisa, a segurança dos procedimentos
metodológicos, dos instrumentos e a
qualidade dos respectivos parâmetros a
serem utilizados, além da obtenção do
Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) dos participantes.
A pesquisa foi desenvolvida em duas
escolas estaduais da Educação do Campo
de ensino fundamental e médio no
município de Boa Vista, onde, além da
permanência em aproximadamente um
semestre letivo para observação das
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atividades e condições de educação de
estudantes com deficiência, no ano de
2017, foram realizadas entrevistas e
análises documentais. As escolas onde
ocorreu o estudo, são denominadas, neste
trabalho, de E1 e E2.
As escolas da Educação do Campo
do município de Boa Vista apresentaram
em seu quadro de matrículas 11 estudantes
do público-alvo da Educação Especial, dos
quais 8 eram caracterizados com
deficiência intelectual, 2 com deficiência
múltipla e 1 com síndrome de Rett. Dos
11, 10 eram matriculados na E1 e um na
E2.
De acordo com Schwartzman (2003,
p. 112), a síndrome de Rett é:
... uma das causas mais frequentes de
deficiência múltipla severa no sexo
feminino. Pelo conjunto de suas
características, trata-se de quadro que
deve interessar a todos os
profissionais da área da saúde,
especialmente pediatras, para o
encaminhamento e diagnóstico
precoces, e especialistas que atendam
pessoas com distúrbios
neuropsiquiátricos severos.
Participaram das entrevistas 15
professores devidamente lotados nas
escolas. Dos 15 participantes: 7 eram
professores da sala de ensino regular; 5
eram professores de apoio permanente; 3
eram professores lotados na Sala de
Recursos Multifuncionais-SRM. Dos 7
professores da sala de ensino regular, 2
lecionavam Língua Portuguesa, 3
ministravam aulas de Matemática e 2
atuavam no componente de Educação
Física.
Os professores participantes da
pesquisa foram identificados da seguinte
maneira: PSRM: Professor de Sala de
Recursos Multifuncionais; PAP: Professor
de Apoio Permanente; PM: Professor de
Matemática; PLP: Professor de Língua
Portuguesa; e PEF: Professor de Educação
Física. Com isso posto, definiu-se uma
ordem numérica para diferenciá-los: assim,
PM1 refere-se a Professor de Matemática
1.
Os dados obtidos a partir do processo
de pesquisa acima descritos foram
submetidos a transcrição e análise,
tomadas como essência a prerrogativa
fundamental da pedagogia histórico-crítica,
na qual Saviani (2012) enfatiza que a
escola é para todos, sendo uma instituição
que tem a função pedagógica de propiciar
aos estudantes a apropriação do
conhecimento, do saber sistematizado,
considerando que isso é o que caracteriza a
educação escolar.
Nesse contexto, os dados do estudo
foram analisados e contextualizados
mediante os fundamentos teóricos da
pedagogia histórico crítica, na qual
Dermeval Saviani defende que a
educação é direito de todos, que a função
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da escola é permitir que os estudantes se
apropriem do conhecimento, que a
educação deve partir da realidade social.
Nessa perspectiva, a prática social é
o ponto de partida e de chegada para a ação
pedagógica do professor, ou seja, para a
práxis educativa. A pedagogia histórico-
crítica não se restringe apenas à preparação
dos estudantes, a qual depende do
professor, tampouco se refere à atividade
que parte dos alunos, mas à prática social
que abrange esse complexo, envolvendo
professores e estudantes (Saviani, 2016).
Pode-se inferir, que o público-alvo da
Educação Especial no contexto da
Educação do Campo também tem direito
ao processo de escolarização, inclusive aos
saberes escolares.
Resultados
Dentro de nosso objetivo de
compreender como se o processo de
escolarização do público-alvo da Educação
Especial em escolas estaduais de ensino
fundamental e médio da Educação do
Campo no município de Boa Vista, após os
processos de observação, análise
documental e realização de entrevistas,
identificamos três aspectos que
entendemos terem relevância de análise e
que a seguir aprofundaremos. São eles: as
condições de acessibilidade; as estruturas e
práticas de AEE e as questões relativas à
formação dos professores para ação
pedagógica junto ao público-alvo da
Educação Especial.
As escolas que estudamos no período
em análise registravam a matrícula de 11
estudantes, desses: um nunca compareceu
à E1 e dois deles, no momento da pesquisa,
não estavam frequentando a escola, sendo
um diagnosticado com hiperatividade e o
outro com deficiência intelectual; dos oito
alunos que frequentavam as escolas (E1 e
E2), seis eram caracterizados com
deficiência intelectual e dois com
deficiência múltipla.
Cabe destacar que, dos oito alunos
que frequentavam as escolas, apenas cinco
contavam com o auxílio do professor de
apoio permanente. Assim, três alunos da
E1 não recebiam o serviço de apoio, pois
não havia professores para auxiliá-los.
Diante do exposto, notou-se que 03 dos
alunos não estavam usufruindo do serviço
de apoio pedagógico, contrariando o
direito dos estudantes previsto na LDBEN
(Brasil, 1996).
Acessibilidades, acesso e permanência
Condições de acessibilidade são
elemento fundamental no processo de
escolarização do público-alvo da Educação
Especial, considerando-se suas demandas
específicas para o acesso aos espaços da
escola, ao transporte, à comunicação, ao
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conhecimento, às informações, ou seja, o
que permite ao indivíduo condições para o
seu desenvolvimento.
A Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência define em seu
artigo inciso I que a acessibilidade é a
“possibilidade e condição de alcance para
utilização, com segurança e autonomia, de
espaços, mobiliários, equipamentos
urbanos, edificações, transportes ... por
pessoa com deficiência ou com mobilidade
reduzida”. A Lei destaca, ainda, que a
acessibilidade deve ser garantida na zona
urbana e rural.
Em entrevista e, corroborando dados
que havíamos identificado em nossas
observações do ambiente escolar, os
professores participantes de nosso estudo
trataram da acessibilidade arquitetônica e
de comunicação. É importante frisar que na
E1 foi constatada a presença apenas de
estudantes caracterizados com deficiência
intelectual e física, porém, a instituição
deixou de prestar assistência a um
estudante caracterizado com síndrome de
Rett, por falta de estrutura, transporte,
professor capacitado e cuidador.
Dos 15 participantes entrevistados,
13 afirmaram que não existia
acessibilidade. Nesse sentido, destacaram-
se aqui algumas das falas dos participantes
do estudo, iniciando-se pelo entendimento
dos professores das SRM, para a melhor
compreensão de suas concepções acerca do
assunto.
PSRM1 destacou que a escola não
era acessível por não ter rampas, nem
espaço adequado para o deslocamento de
pessoas que fazem o uso de cadeira de
rodas. Por outro lado, PSRM2 afirmou que
o ambiente escolar era acessível. Para ele,
o ambiente escolar não necessitava sofrer
adequações em sua estrutura, considerando
a deficiência dos estudantes. PSRM3
afirmou “a escola não dispõe de
acessibilidade”.
Diante do exposto, pode-se notar
concepções diferentes acerca da temática
entre os professores da SRM; enquanto
PSRM1 e PSRM3 entendem que a escola
necessita de estrutura para o processo de
escolarização do público-alvo da Educação
Especial, PSRM2 da E1 relaciona a
acessibilidade apenas ao aspecto estrutural,
arquitetônico, considerando que estudante
caracterizado com deficiência intelectual
não necessita de uma escola estruturada.
Em relação aos professores de apoio
permanente entrevistados, a maioria
afirmou que as escolas não
disponibilizavam de acessibilidade. Dos
cinco que participaram da pesquisa, apenas
um deles afirmou que o ambiente escolar
era acessível. Neste sentido, destacamos
aqui algumas falas relacionadas à questão
abordada.
Santos, E. R., & Siems, M. E. R. (2020). A escolarização de estudantes público-alvo da Educação Especial na Educação do
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Quando se trata da acessibilidade ao
conhecimento todas as escolas,
principalmente as do campo, se
esbarram em todas essas questões
pedagógicas e de acessibilidade ao
conteúdo que o professor está
ministrando. (PAP1)
Deixou de vir alunos com
necessidade especial, de ser
matriculado na escola, por ela não
estar preparada, adaptada (PAP2).
Para os alunos que a gente atende
hoje, eu diria que sim temos
acessibilidade , porque nós
atendemos alunos com retardo
mental, então essas crianças têm a
sua mobilidade normal, considerada
normal. (PAP3)
Se nós tivéssemos um aluno cego
seria um problemão aqui, porque as
calçadas são bem altas, isso seria
um problema sério para quem é cego,
para quem é baixa visão. (PAP4)
A sala de aula é normal, como para
qualquer aluno, não possuindo nada
de diferente. (PAP5)
Nesse contexto, o relato dos
professores de apoio permanente mostrou
que as escolas apresentavam problemas
relacionados à estrutura física. No tocante
à adequação de estruturas de acessibilidade
na comunicação, as escolas também não
apresentavam nenhum tipo de material
com uso de comunicação em braile, que
seria necessária para estudantes com
cegueira ou a presença de profissionais
usuários da Língua de Sinais ou outros
materiais adequados a estudantes com
surdez. A ausência dessa adequação ainda
não esteve no foco de atenção dos docentes
e gestores em face de não existir, até o
período em que a pesquisa foi concluída,
estudantes com cegueira ou surdez.
Vale destacar que isso contradiz o
que traz o Decreto n. 7.611, em seu artigo
5º, que destaca que a União prestará
auxílio técnico e financeiro aos sistemas de
ensino com o objetivo de possibilitar que
as escolas tenham uma adequação
arquitetônica de modo que permita aos
estudantes a acessibilidade.
O processo de escolarização dos
estudantes caracterizados com deficiência
intelectual, deficiência múltipla e síndrome
de Rett não é responsabilidade apenas dos
professores de SRM e apoio permanente,
mas de toda a escola. Nesse sentido,
destacou-se aqui também a concepção dos
professores de sala de aula regular acerca
da acessibilidade, afinal, são eles que
propiciam ou deveriam propiciar aos
estudantes a aprendizagem, e isso depende
da acessibilidade.
Ao serem questionados, os
professores de Língua Portuguesa
destacaram que as escolas não tinham
acessibilidade, pois não disponibilizavam
de estrutura, de um ambiente adequado, de
um currículo em conformidade com a
realidade social dos estudantes do campo.
PLP2 afirmou que “na escola não tinha
livro didático voltado para o público-alvo
da Educação Especial e que o livro
utilizado era o mesmo na cidade”. Nesse
contexto, observou-se que os estudantes
não estavam sendo escolarizados a partir
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de suas necessidades e realidade. O artigo
59 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), por sua vez,
regula que os sistemas de ensino
assegurarão:
I. currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização
específica, para atender às suas
necessidades;
II. professores com especialização
adequada em nível médio ou
superior, para atendimento
especializado, bem como professores
do ensino regular capacitados para a
integração desses educandos nas
classes comuns.
Os professores de matemática (PM1,
PM2, PM3) também denunciaram a falta
de acessibilidade em ambas as escolas.
PM2 enfatizou que a E1 fez a matrícula de
um estudante caracterizado com síndrome
de Rett, o qual utilizava-se de cadeira de
rodas, porém ele não pôde frequentar a
escola por ela não apresentar condições de
acesso, por não oferecer transporte nem
estrutura adequada para o processo de
escolarização do estudante.
PM3 foi enfático em dizer que:
Na realidade não temos nada, nós não
temos laboratório de informática, o
temos materiais didáticos para o
aluno, acredito que isso é uma das
falhas da Secretaria de Educação, do
MEC, pois eles não nos ajudam com
relação a isso, e trabalhar apenas com
livro didático não é suficiente, uma
vez que os livros de matemática não
trazem nada de específico para o
aluno com deficiência. Essa falha não
é do MEC, mas também da
Secretaria de Educação.
Em relação à acessibilidade nas aulas
de Educação Física, foi observado que os
estudantes atípicos, que aqui entendemos,
em acordo com Lepre (2008), como
crianças que apresentam atrasos motores
e/ou prejuízos quando comparadas com
outras da mesma faixa etária, não
dispunham desse direito. Entretanto,
tampouco os típicos disponibilizavam
desse direito, pois nenhuma das escolas
tinha quadras para o desenvolvimento de
suas atividades.
A E1, para contornar essa
dificuldade, utilizava a quadra de uma
escola localizada nas proximidades. Já a
E2 contava apenas com um terreno a u
aberto para as aulas. Notou-se que, na E2,
a precariedade era maior em relação à E1,
pois todos os alunos, durante as aulas,
ficavam expostos ao sol. Isso mostra a
precariedade e o descaso com os
estudantes, com o professor e com o
componente curricular de Educação Física,
aqui nitidamente desintegrada da proposta
escolar mais ampla.
Dos sete professores que atuavam no
ensino regular, apenas um disse que a
escola era acessível, ressaltando que a
escola “tem banheiro, tem as calçadas
também, principalmente ali na entrada, é
bem acessível para ele” (PEF2). Mas, é
importante destacar que esse professor
fazia parte da E2, a qual tinha apenas um
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estudante caracterizado com deficiência
intelectual frequentando a escola.
A acessibilidade não está relacionada
apenas à estrutura física das escolas, mas
abrange também recursos, dentre os quais
podem-se citar os equipamentos,
mobiliários e materiais didáticos
pedagógicos. Nesse sentido, os professores
assim se manifestaram: PSRM1 disse que
os recursos eram poucos, PSRM3 afirmou
que não havia recursos: “o que tem aqui é
o computador, a impressora, o scanner,
mas o que funciona mesmo é o
computador e a impressora”; o PSRM2
denunciou que os recursos de que ele
dispunha na SRM eram pessoais, tais como
aparelho projetor e jogos.
Em relação aos recursos, PAP1,
PAP2, PAP3 e PAP5 afirmaram que as
escolas não disponibilizavam de recursos
para trabalharem com estudantes
caracterizados com deficiência. PAP4
afirmou que era a SRM que dava esse
suporte, porém destacou: “Lá ele não tem
tudo também não, tem alguma coisa que
vai amenizar, assim, a vida escolar do
aluno”.
A respeito de recursos materiais, de
acordo com PLP1: “É bem difícil essa
questão, acho que temos 50% hoje para
trabalhar com esses alunos, certa
dificuldade que a gente enfrenta, eles são
adquiridos na SRM e a gente sempre
empresta de lá”. O PLP2 destacou: “Não
recurso pedagógico direcionado para as
necessidades dos alunos com deficiências,
não livros didáticos, aliás, nem para os
alunos ‘normais’”.
Para o PM1, “Só na SRM
materiais didático-pedagógicos, contudo eu
desconheço que materiais eles usam, mas
eu sei que tem computador, impressora,
tem alguns jogos, alguns brinquedos”.
Declarou PM2: “Tem jogos, mas são
poucos, tem vezes que não tem nem
cartolina para trabalharmos”. E PM3
completou: “Não, de jeito nenhum, tem
retroprojetor”.
Por outro lado, o PEF2 destacou:
“Eles têm computador, impressora, o
material deles”. PEF1 disse: “Tem os
materiais que os alunos ditos ‘normais’
usam, que manipulam, mas material
específico, diferenciado, aqui nós não
temos”. Contudo, a LDBEN traz em seu
artigo 59, inciso I, que os sistemas de
ensino têm que assegurar ao público-alvo
da Educação Especial “recursos educativos
e organização específica para atender as
suas necessidades”.
Por outro lado, em relação à estrutura
das SRM, o estudo mostrou que as salas de
ambas as escolas apresentavam uma
estrutura inadequada, considerando que as
duas salas destinadas ao AEE eram
pequenas, com portas estreitas e não
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disponibilizavam de rampas para facilitar o
acesso dos estudantes, inclusive do que foi
matriculado e fazia uso da cadeira de
rodas.
Foi verificado, ainda, que a SRM da
E1 e E2 não estava equipada com
mobiliários, recursos pedagógicos e de
acessibilidade, uma realidade social
contrária à pesquisa de Oliveira, Lima e
Santos (2015), que desenvolveram um
estudo também na região norte do Brasil e
constataram que a maioria das SRM das
escolas apresentava mobiliários e
equipamentos para o AEE.
Nossa pesquisa mostrou que a SRM
da E1 disponibilizava apenas de um
computador, uma impressora e dois
notebooks. Porém, o computador e a
impressora não eram utilizados nos
serviços do AEE, mas sim, pelos
professores da escola, para a elaboração e
impressão de atividades. A E2 também
mostrou escassez no que diz respeito a
equipamentos e materiais, pois
disponibilizava de um computador e uma
impressora.
Diante do exposto, das observações
feitas durante o estudo, foi possível
verificar que a SRM não disponibilizava de
recursos didáticos para a elaboração de
atividades, de jogos pedagógicos, entre
outros, é o que afirmaram os professores
da SRM.
O PSRM2 denunciou: às vezes sai
do meu bolso mesmo, a escola não
disponibiliza de material nenhum, então eu
compro material com meus próprios
recursos para a produção de materiais”. O
PSRM1 afirmou que eles compravam os
materiais para a SRM. o PSRM3
afirmou: tudo sou eu que compro para cá,
para ela, para a atividade ... comprei
carimbos, e produzi com ela material
educativo, histórias, livrinhos de história”.
Constata-se que mediante escassez de
materiais, “os professores (PSRM1,
PSRM2, PSRM3) acabavam custeando
alguns recursos para a produção de
atividades”.
Vale destacar que, nas escolas, além
das barreiras de comunicação e
arquitetônicas, registraram-se limites nos
transportes. Conforme os professores da
SRM, o transporte escolar era destinado
apenas para transladar os estudantes das
aulas regulares, no horário normal do
desenvolvimento das aulas do turno
matutino, vespertino e noturno, impedindo
que o AEE ocorresse em horário oposto,
conforme orientação geral e,
consequentemente, limitando o tempo de
permanência do estudante em sala de aula
no horário regular, conforme
aprofundaremos em tópico específico.
A falta de transporte escolar é um
dos grandes problemas enfrentados pelas
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pessoas que vivem e estudam no campo,
mesmo para as consideradas “do ensino
regular”, uma vez que a ruptura de serviço
de transporte durante o período de aulas
por problemas contratuais não permite que
as escolas cumpram os dias letivos. Além
disso, influencia para a desistência e a
evasão de estudantes, entre outras
consequências.
Atendimento Educacional Especializado
O AEE é um serviço oferecido ao
público-alvo da Educação Especial com o
objetivo de proporcionar aos estudantes
condições de acesso e permanência no
âmbito escolar definido pelo Decreto n.
7.611 (BRASIL, 2011), em seu parágrafo
1º, como “o conjunto de atividades,
recursos de acessibilidade e pedagógicos
organizados institucional e
continuamente”.
A Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva de 2008 aponta que as atividades
desenvolvidas no AEE diferenciam-se das
realizadas em sala de aula e não podem ser
substitutivas à escolarização. O Decreto
7.611/2011, em seu artigo 2º, explicita que
a modalidade Educação Especial deve
garantir os serviços de apoio especializado,
os quais objetivam “eliminar as barreiras
que possam obstruir o processo de
escolarização de estudantes com
deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação” (Brasil, 2011).
Em ambas as escolas eram ofertados
os anos finais do ensino fundamental (5º ao
9º) e o médio, porém, as falas dos
professores mostraram que as atividades
realizadas na SRM eram voltadas mais
para o ensino fundamental (1º ao ano), o
que é um equívoco presente na prática do
AEE, pois notou-se na fala dos
professores, que o atendimento prestado
aos estudantes enfatizava basicamente o
processo inicial de alfabetização.
As SRM das escolas da Educação do
Campo no município de Boa Vista estavam
precariamente estruturadas para o AEE,
considerando que, em ambas as escolas,
essas salas tinham limites de acessibilidade
e dispunham de limitados equipamentos,
mobiliários e materiais didáticos para
viabilizar ao estudante o acesso, a
permanência e a aprendizagem.
Apesar de a E1 e a E2 ofertarem os
níveis de ensino fundamental e médio, de
estarem próximas da zona urbana,
observou-se que ambas as escolas
pesquisadas dispunham de SRM, e
realizavam o AEE no mesmo horário de
aula, considerando-se a indicada falta de
transporte específico em horário oposto ao
de aulas.
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O AEE na E1 era desenvolvido uma
vez por semana por um período de duas
horas seguidas. Na E2, o AEE era
realizado duas vezes na semana, e cada
atendimento durava uma hora. O PSRM3
ressaltou, ainda, que o AEE era realizado
no turno vespertino, porque o estudante
não tinha como comparecer à escola no
contraturno, que, no caso da E2, era no
período noturno. Compreendemos que,
quando o AEE é realizado em substituição
ao ensino oferecido na sala de aula regular,
uma tendência à segregação e não à
escolarização do estudante, restringindo
ainda mais sua condição de apropriação do
conhecimento.
Além disso, deixar de realizar o AEE
no contraturno é simplesmente negar o
direito do estudante. Diante do exposto,
problematizou-se, então, como ficaria o
direito do estudante ao processo de
escolarização. Seria essa a melhor forma
de propiciar ao estudante caracterizado
com deficiência intelectual a apropriação
do conhecimento? Ou o sistema estadual
de ensino, a escola e consequentemente as
condições de trabalho oferecidas aos
professores e aos estudantes estavam
implicando posturas e ações voltadas para
a segregação?
Apesar de o PSRM1 e o PSRM2
terem afirmado que o AEE tinha a duração
de duas horas, notou-se que os dois
estudantes visualizados adentrando a SRM
permaneciam na sala por períodos
inferiores e com frequência ainda menor
do que o indicado em entrevista.
Além disso, verificou-se a constante
entrada e saída de professores e
funcionários na SRM da E1, inclusive
durante o AEE, identificando-se que isso
se dava em decorrência de ser o espaço
utilizado para a venda de alguns produtos
para angariar fundos para suprir certas
necessidades básicas da escola, tais como
pequenos reparos, aquisição de materiais
pedagógicos, e até mesmo a compra de gás
de cozinha para a preparação da merenda
escolar. É imperioso destacar que a
realidade das escolas e suas condições
materiais implicam atitudes alternativas
que nem sempre são eficazes para o
processo de escolarização dos estudantes.
Por outro lado, pode-se dizer que o
AEE realizado na E2 contava com um
ambiente mais tranquilo em relação à E1,
possibilitando ao estudante caracterizado
com deficiência intelectual maiores
condições de concentração e
aprendizagem. Contudo, assim como a
SRM da E1, a E2 não estava
suficientemente equipada, não possuía
recursos suficientes para o AEE.
Apesar da E2 ter apresentado um
ambiente mais tranquilo para a apropriação
do conhecimento do estudante
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caracterizado com deficiência intelectual,
verificou-se que o processo de
escolarização nesta escola se restringia
basicamente a SRM, pois a professora de
apoio permanente retirava o estudante da
sala de aula regular para atendê-la na
SRM. Então o estudante ia para a sala
de aula comum na ausência do professor de
apoio.
No tocante à ação pedagógica do
professor da SRM, assim os professores se
manifestaram:
Trabalhamos com atividades
normais, xerocadas, usamos materiais
concretos. Os alunos gostam muito
de ser atendidos na multifuncional, a
maioria consegue desenvolver a
atividade, algumas atividades com o
nosso auxílio e outras eles
conseguem sozinhos (PSRM1).
As atividades desenvolvidas na sala
de recurso são atividades adaptadas
para chamar a atenção dos alunos,
para que eles possam desenvolver seu
aprendizado fora da sala de aula
regular como quebra-cabeça, jogo da
memória e alguma atividade que eles
consigam fazer, pois em algumas
situações os alunos vêm para a
escola para aprender a conviver, ele
não vai ter a capacidade de aprender
a ler e a escrever, mas de conviver
com outros alunos (PSRM2).
Na sala multifuncional, nesse período
agora, estou atendendo um aluno,
e as atividades que a gente faz com
ele aqui é para testar coordenação
motora, identificar cores, para a gente
ver a coordenação dele; é atividade
para cobrir, escrever em baixo as
palavras, as frases, recorte e colagem,
pintura, treinar a escrita, se torna um
pouco repetitivo, porque você
trabalha e tem que estar quase todos
os dias repetindo os mesmos tipos de
atividades (PSRM3).
As falas aqui destacadas nos
permitiram identificar concepções
preocupantes dos professores como a
compreensão de que o estudante público-
alvo da Educação Especial não
apresentaria condições de aprendizado e
desenvolvimento e estaria na escola apenas
para socialização ou ainda a compreensão
de que as atividades apresentadas eram
repetitivas, mas sem a busca de alternativas
pedagógicas ao entendido como
“repetitivo”, seja pela dificuldade de
acesso a materiais seja pela formação
docente, que será tema de nosso próximo
tópico.
A formação e os desafios dos professores
Entendemos que, tanto os
professores entendidos como especialistas
ou de apoio, quanto os professores do
ensino regular, demandam formação
consistente para sua atuação. Em relação à
formação docente, verificou-se que, dos
três professores que atuavam na SRM: um
tinha formação em curso normal superior,
tendo iniciado especialização em Educação
Especial, porém não concluiu o curso; um
tinha curso normal superior em
administração e era especialista em gestão
de sistemas educacionais; o terceiro deles
era formado em Pedagogia com
especialização na área de Educação
Especial, ou seja, entre os três professores
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que atuavam na SRM, apenas um tinha
formação na área.
Em relação à formação dos cinco
professores de apoio permanente,
verificou-se que todos eram formados em
Pedagogia, sendo: um especialista em
Psicopedagogia Institucional; um estava
cursando Educação Física pelo Programa
Nacional de Formação de Professores de
Educação Básica (PARFOR), especialista
em Psicomotricidade; um deles estava
cursando Psicopedagogia; um era
especialista em Gestão/Orientação e
Supervisão; e um era formado em Letras
com habilitação em espanhol, além de ser
especialista em Tecnologia em Educação.
Diante da formação dos professores
de apoio permanente, observou-se que,
apesar de não terem formação na área de
Educação Especial, todos eram formados
em Pedagogia. Embora entendendo que
nos cursos de licenciatura haja uma oferta
insuficiente de disciplinas com conteúdos
de educação especial, entendemos como
positivo que os professores de apoio
contem, pelo menos, com formação no
campo da Pedagogia.
Os três professores que atuavam com
a disciplina de Matemática também eram
formados na área, sendo: um especialista
em Mídias na Educação; um cursava
Gestão Escolar; e o outro era mestre na
área de Matemática.
Em relação aos professores que
lecionavam Língua Portuguesa: um era
formado em Letras com habilitação em
Inglês, Pedagogia e Teologia, com
especialização em Psicopedagogia; e o
outro tinha formação em Pedagogia,
Licenciatura em Educação Física, com
especialização em Informática na
Educação. Dos professores que
ministravam aulas de Educação Física: um
tinha formação na área com especialização
em Psicopedagogia; e o outro era
pedagogo.
Entre os 15 participantes, 13 tinham
formação na área em que estavam atuando.
Em contrapartida, em relação à habilitação
na área de Educação Especial, verificou-se
que apenas um dos docentes era habilitado
para atuar com o público-alvo da
modalidade. Marcoccia (2011) também
mostra em seu estudo a frágil formação dos
professores para atuar na Educação
Especial.
Verificamos, então, a questão da
formação para atuação nas especificidades
do público-alvo da Educação Especial, no
período de três anos antecedentes. A
consideração relativa à delimitação desse
período de três anos, adotada nesse estudo
considerou a perspectiva de tratar-se de
prazo condizente com a regularidade de
atualização em termos de formação
continuada, consideradas as ofertas
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institucionalizadas da Secretaria Estadual
de Educação ou realizadas no âmbito da
própria escola ou com seu apoio, por
exemplo, oportunizando que o profissional
disponha de tempo e condições para
participação em ações formativas.
O PSRM1 relembrou: “Eu fui ao
seminário que teve sobre acessibilidade, eu
fiz o braile, o curso inicial, e fiz também a
pós-graduação, só que tem que fazer de
novo”. O PSRM3 disse: “Nos últimos três
anos, sinceramente, eu não fiz nenhuma.
Eu fiz um curso na área de Educação
Especial uns seis anos atrás”. o PSRM2
destacou ter várias formações na área de
Educação Especial: “Eu participei de
vários cursos de pequena duração, sobre
altas habilidades, retardo mental, autismo,
Libras, a questão da minha formação, eu
sou pós-graduado em Educação Especial”.
Os professores de apoio permanente
foram enfáticos ao relatarem suas
formações na área de Educação Especial.
Destacaram-se aqui as falas desses
professores com o intuito de compreender
melhor o contexto educacional dos
pedagogos que estavam atuando com os
estudantes caracterizados com deficiência
intelectual e deficiência múltipla nas
escolas de Educação do Campo na área de
Educação Especial em Boa Vista.
O PAP1 relatou: “Então, hoje o meu
conhecimento, ele advém de um curso de
especialização, eu me especializei na área,
mas eu faço os meus estudos de forma
independente, pois o embasamento que os
cursos superiores nos dão é pouco”. Apesar
de o professor de apoio afirmar ter
especialização na área de Educação
Especial, sua formação é em
Psicopedagogia. o PAP2 afirmou ter
feito um curso de alfabetização,
comentando que fora muito interessante.
Por outro lado, o PAP3 destacou que fez
vários cursos na área de Educação
Especial:
Em nível de graduação, eu não tenho
nenhuma formação na área de
Educação Especial; eu tenho curso de
capacitação pelo Rede Cidadania,
que é o atendimento do aluno autista;
eu tenho curso pelo CAP-
DV/RR(Centro de Apoio Pedagógico
ao Deficiente Visual de Roraima); eu
tenho curso de deficiência visual, de
tecnologia assistiva.
O PAP4 afirmou não ter participado
de formação em cursos nos últimos três
anos. o PAP5, professor da E2, afirmou
ter o curso de Libras. Verificou-se que,
dos cinco professores de apoio
permanente, apenas dois apresentavam
cursos de curta duração na área de
Educação Especial, sendo que um deles fez
curso de Libras e o outro participou de
formação em tecnologia assistiva,
deficiência visual, atendimento para alunos
com autismo e de uma oficina de oito
horas intitulada “Sons e Gestos que
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Alfabetizam”. O PAP3, destacou que o
conhecimento adquirido contribuiu muito
para a sua ação pedagógica, pois lhe
ofereceu estratégias que contribuíram para
o processo de alfabetização dos estudantes.
Em relação aos professores de
Matemática, os três afirmaram não terem
feito nenhum curso na área de Educação
Especial nos últimos três anos. O PM1 e
PM3 destacaram ainda não terem formação
para atuar com o público-alvo da Educação
Especial.
O professor de Língua Portuguesa
afirmou ter participado de um curso sobre
deficiência visual de 160 horas no CAP-
BV/RR. Ele ressaltou: “Foi um curso
muito bom, nós não enfatizamos o
visual, como também tivemos outras
didáticas dentro desse curso (PLP1)”. o
PLP2 da E2 afirmou ter participado de um
curso na área de deficiência
auditiva/Libras.
Os professores de Educação Física
afirmaram não terem participado de
nenhum curso na área de Educação
Especial. Diante do exposto, constatou-se
que, dos sete professores de sala de aula
regular entrevistados, dois não
participaram de nenhuma formação na área
de Educação Especial nos últimos três
anos.
De maneira geral, verificou-se que os
professores de sala de aula de ensino
regular das escolas da Educação do Campo
no município de Boa Vista não estavam
habilitados para atuar com o público-alvo
da Educação Especial, considerando-se que
os estudantes matriculados nas duas
escolas pesquisadas foram caracterizados
com deficiência intelectual, deficiência
múltipla e síndrome de Rett, e os cursos
dos quais os professores participaram não
contemplavam o entendimento acerca
dessas deficiências e transtornos.
O estudo de Caiado, Martins e
Antônio (2009, p. 631) mostra que os
professores apontam a formação docente
como a principal sugestão na construção da
escola na perspectiva inclusiva. Nesse
sentido, notou-se quão relevante é a
formação continuada, a formação
profissional, a prática da pesquisa, de
estudos, pois assim o professor poderá
adquirir maiores possibilidades para
aprimorar seus conhecimentos, sua ação
pedagógica, inclusive quando objetiva a
escolarização do público-alvo da Educação
Especial.
Nessa linha de pensamento,
considera-se que a formação acadêmica é
essencial no processo de escolarização do
público-alvo da Educação Especial, pois
essa condição promove aos professores
uma maior possibilidade de atuar de forma
mais segura, consciente, favorecendo que
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eles oportunizem aos alunos a apropriação
do conhecimento.
Considerações finais
O estudo buscou compreender o
processo de escolarização do público-alvo
da Educação Especial nas escolas estaduais
de ensino fundamental e médio da
Educação do Campo no município de Boa
Vista/RR.
A Educação Especial na Educação
do Campo no momento em que esta
pesquisa foi realizada, estava a tornar-se
tema de discussão nas escolas, com a busca
de matrículas para estudantes com
deficiência demandada pelas famílias,
mesmo que ainda em número bem abaixo
do percentualmente esperado em termos de
volume de crianças com deficiência no
conjunto da população. Estes números,
embora de difícil aferição, são estimados
em aproximadamente 10% do total da
população. Urge, entretanto, que as
reivindicações dos movimentos sociais da
Educação do Campo contemplem em suas
propostas a Educação Especial. Nesse
sentido, é preciso uma articulação entre
ambas as modalidades de ensino. Acredita-
se que, assim, poderão existir maiores
possibilidades para a efetivação dos
direitos do público-alvo da Educação
Especial das áreas campesinas.
Em contrapartida, constatou-se que,
mesmo que a legislação garanta às pessoas
público-alvo da Educação Especial,
inclusive as que vivem e estudam no
campo, o acesso ao conhecimento e à
escolarização, evidenciou-se, no caso das
escolas que aqui estudamos e em outros
estudos semelhantes que nos antecederam
e que anteriormente referenciamos, que os
direitos dos estudantes não são efetivados,
pois, como demonstramos, nem todas as
escolas da Educação do Campo contam
com professores suficientes com formação
na área de Educação Especial para os
serviços de Atendimento Educacional
Especializado (AEE), ou disponibilizam
acessibilidade, equipamentos e recursos
materiais para atendimento especializado.
As escolas estaduais da Educação do
Campo no município de Boa Vista não
apresentavam acessibilidade arquitetônica,
de comunicação, e de transporte para o
processo de escolarização dos estudantes
público-alvo da Educação Especial, uma
vez que não ofereciam instalações básicas
para amenizar as barreiras à locomoção,
acesso e comunicação. Além disso, os
estudantes caracterizados com deficiência
intelectual e deficiência múltipla que
frequentavam a Sala de Recursos
Multifuncionais (SRM) não usufruíam dos
serviços de transporte escolar para o AEE,
fator que contribuía para o não
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cumprimento do atendimento no
contraturno e para o descumprimento do
que prevê a legislação.
Em relação ao AEE, as escolas
apresentaram realidades contraditórias,
pois a E1 realizava esse atendimento uma
vez por semana, em um período de duas
horas seguidas, enquanto a E2 desenvolvia
suas atividades duas vezes por semana em
dias intercalados. Outro ponto a ser
destacado é que, na E1, o serviço de apoio
permanente ocorria na sala de aula regular,
enquanto que na E2, ocorria na SRM.
Diante do exposto, constatou-se que
o AEE que vinha sendo realizado em
ambas as escolas não estava em
conformidade com o que diz a legislação,
que determina que esse atendimento deve
ser realizado no contraturno. Porém, como
constatamos, não havia transporte escolar
para transladar os estudantes em horário
diferente ao das aulas comuns. Além disso,
a SRM de ambas as escolas não dispunha
de equipamentos, mobiliários e materiais
didático-pedagógicos consistentes e
suficientes para o AEE. São expressivas
também as limitações nos processos de
formação e habilitação de docentes em
saberes referentes ao ensino do estudante
público-alvo da educação especial, com
um descompasso entre a formação
continuada oferecida e o perfil dos
estudantes efetivamente matriculados, o
que evidencia a ausência de um
planejamento no plano da gestão dos
sistemas.
Apesar da realidade constatada,
entendemos que o processo de
escolarização do público-alvo da Educação
Especial nas escolas de ensino regular é o
percurso adequado ao desenvolvimento da
coletividade, sendo fundamental,
entretanto, que o sistema estadual de
ensino ofereça às escolas estruturas
adequadas, que deem aos professores
condições para o exercício da docência, a
ação pedagógica, o AEE e, ofereçam aos
professores formação continuada, inclusive
na área de Educação Especial.
O estudo revelou que a maioria dos
professores que estavam atuando nas
escolas estaduais de ensino fundamental e
médio da Educação do Campo no
município de Boa Vista almejava por
acessibilidade, por condições dignas de
trabalho para o AEE, para a ação
pedagógica, e por formação na área de
Educação Especial, mas que estes
elementos, na atualidade, encontram-se
ausentes ou ocorrem em condições muito
aquém do necessário.
Compreendemos que os processos de
educação e a inclusão de todos os
indivíduos nas atividades de educação
formal oferecidas nas escolas, demandam
uma articulação entre os profissionais
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atuantes nas escolas (docentes, gestores e
técnicos), as comunidades nas quais as
escolas se inserem e em especial os
estudantes e suas famílias para que se
alcance os resultados esperados na
construção e apropriação do conhecimento
social acumulado que se espera ocorra no
ambiente escolar. Entretanto, para que isso
aconteça, uma profunda reformulação nas
condições concretas de trabalho das
instituições precisa efetivar-se, inclusive
com a expansão de oportunidades e
espaços de interlocução entre os vários
profissionais, no sentido de construírem
estratégias pedagógicas adequadas ao
conjunto concreto de estudantes
matriculados em suas escolas.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 23/04/2020
Aprovado em: 11/05/2020
Publicado em: 03/07/2020
Received on April 23th, 2020
Accepted on May 11th, 2020
Published on July, 03rd, 2020
Contribuições no artigo: A autora Edineide foi
responsável pela elaboração, análise e interpretação dos
dados e pela escrita inicial do texto, que é um recorte da
sua dissertação de mestrado. A coautora Maria Edith foi
responsável pela revisão da escrita do conteúdo do
manuscrito e ambas as autoras; aprovaram a versão final
publicada.
Author Contributions: The author Edineide was
responsible for the elaboration, analysis and interpretation
of the data and for the initial writing of the text, which is a
cutout of her Master's dissertation. Co-author Maria Edith
was responsible for the review of the manuscript's content
and both authors approved the final published version.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Edineide Rodrigues dos Santos
http://orcid.org/0000-0002-4096-9671
Maria Edith Romano Siems
http://orcid.org/0000-0001-5527-0065
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Santos, E. R., & Siems, M. E. R. (2020). A escolarização
de estudantes público-alvo da Educação Especial na
Educação do Campo no município de Boa Vista/RR. Rev.
Bras. Educ. Camp., 5, e9003.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9003
ABNT
SANTOS, E. R.; SIEMS, M. E. R. A escolarização de
estudantes público-alvo da Educação Especial na
Educação do Campo no município de Boa Vista/RR. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e9003, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9003