Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8857
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
1
Este conteúdo utiliza a Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License
Open Access. This content is licensed under a Creative Commons attribution-type BY
Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no
Projeto Fronteiras Urbanas
i
Ana Paula Caetano
1
, Mônica Mesquita
2
, Vítor Gabriel
3
1
UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa. Alameda da Universidade, 1649-013 Lisboa, Portugal.
2
MARE-
NOVA, Universidade Nova de Lisboa.
3
Anonymage.
Autor para correspondência/Author for correspondence: apcaetano@ie.ulisboa.pt
RESUMO. Apresentamos o documentário produzido no projeto de
investigação etnográfica “Fronteiras Urbanas: a dinâmica dos
encontros culturais na Educação Comunitária” (FU), e no qual se
envolveram duas comunidades locais da Costa da Caparica, Portugal
uma comunidade piscatória e uma comunidade multicultural de um
bairro clandestino e uma comunidade académica interdisciplinar,
integrando investigadores de várias instituições universitárias e não
universitárias, bem como académicos e artistas independentes. A
etnografia crítica foi a metodologia adoptada no projeto, pela qual se
reforça a participação ativa de todos os atores sociais, implicando-se
num processo de mudança intencional. No documentário produzido ao
longo do projeto assumimos a heterogeneidade de linguagens, de
géneros, de tempos, de vozes e sensibilidades, num processo de
liberdade criativa e de reflexividade permanente. Neste artigo tecemos
uma breve história do processo da sua realização e produção/edição
para, a partir daí, refletir criticamente sobre algumas opções que
identificámos em torno de diversas ordens de questões, que se
interpenetrem: 1) questões epistemológicas e metodológicas; 2)
questões políticas; 3) questões éticas; 4) questões estéticas e técnicas.
Tendo por fundamento filosófico e epistemológico uma perspetiva
crítica e emancipatória onde todos os saberes têm igual lugar,
orientados por uma ética da responsabilidade e da religação e por uma
poética e política de participação democrática e multiplicidade
descentralizada, preocupamo-nos em criar uma produção com
qualidades técnicas e estéticas, integrando formas e discursos
diversos, cruzando lógicas heterogéneas, científicas, políticas e
artísticas. Por fim, identificamos pistas para trabalhos futuros,
assumindo, deste modo, um processo aberto e que permanentemente
se repensa, analisa criticamente os seus limites e expande em novas
possibilidades.
Palavras-chave: Documentário Participativo, Etnografia Crítica,
Criatividade Relacional, Ética da Responsabilidade e da Religação.
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
2
To be not to be a participatory document of/in the project
Urban Boundaries
ABSTRACT. We present the documentary produced in the
ethnographic research project "Urban Boundaries: the dynamics
of cultural encounters in Community Education" (FU), in which
two local communities of Costa da Caparica, Portugal - a
fishing community and a multicultural community in a
clandestine neighborhood - and an interdisciplinary academic
community, comprising researchers from university and non-
university institutions, as well as independent academics and
artists. Critical ethnography was the methodology adopted in the
project, by which the active participation of all social actors is
reinforced, implicated in a process of intentional change. In the
documentary produced throughout the project we assume the
heterogeneity of languages, genres, times, voices and
sensibilities, in a process of creative freedom and permanent
reflexivity. We write a brief history of the process of its
realization and production/edition, in order to reflect critically
on some options that we have identified around several
interpenetrating questions: 1) epistemological and
methodological issues; 2) political issues; 3) ethical issues; 4)
aesthetic and technical issues. Based on critical and
emancipatory perspective, as a philosophical and
epistemological foundation, where all knowledge has an equal
place, guided by an ethics of responsibility and re-connection
and by a poetics and policy of democratic participation and
decentralized multiplicity, we were concerned with creating a
production with technical and aesthetic qualities, integrating
diverse forms and discourses, crossing heterogeneous, scientific,
political and artistic logics. Finally, we identify clues for future
work, thus assuming an open process that is constantly
rethinking, critically analyzing its limits and expanding into new
possibilities.
Keywords: Participatory Documentary, Critical Ethnography,
Relational Creativity, Ethics of Responsibility and
Reconnection.
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
3
Ser o no ser un documental participativo del/en el proyecto
Fronteras Urbanas
RESUMEN. Presentamos el documental producido en el
proyecto de investigación etnográfica "Fronteras Urbanas: la
dinámica de los encuentros culturales en la educación
comunitaria" (FU), en el que participaron dos comunidades
locales de Costa da Caparica (Portugal) - una comunidad
pesquera y una comunidad multicultural en un barrio
clandestino - y una comunidad académica interdisciplinaria, que
comprende investigadores de diversas instituciones
universitarias y no universitarias, así como académicos y artistas
independientes. La etnografía crítica fue la metodología
adoptada en el proyecto, mediante la cual se refuerza la
participación activa de todos los actores sociales, involucrados
en un proceso de cambio intencional. En el documental
producido a lo largo del proyecto asumimos la heterogeneidad
de lenguajes, géneros, tiempos, voces y sensibilidades, en un
proceso de libertad creativa y reflexividad permanente. Tejemos
una breve historia del proceso de su realización y
producción/edición para, a partir de entonces, reflexionar
críticamente sobre algunas opciones que hemos identificado en
torno a diferentes órdenes de preguntas, que interpenetran: 1)
cuestiones epistemológicas y metodológicas; 2) cuestiones
políticas; 3) cuestiones éticas; 4) cuestiones estéticas y técnicas.
Basados en una perspectiva crítica y emancipadora, como base
filosófica y epistemológica, donde todo el conocimiento tiene un
lugar igual, guiados por una ética de responsabilidad y
religación y por una poética y política de participación
democrática y multiplicidad descentralizada, nos preocupamos
por crear una producción con cualidades técnicas y estéticas,
integrando diversas formas y discursos, cruzando lógicas
heterogéneas, científicas, políticas y artísticas. Finalmente,
identificamos pistas para el trabajo futuro, asumiendo así un
proceso abierto que está constantemente repensando, analizando
críticamente sus límites y expandiéndose a nuevas posibilidades.
Palabras clave: Documental Participativo, Etnografía Crítica,
Creatividad Relacional, Ética de Responsabilidad y Reconexión.
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
4
Introdução
Ao longo do projeto de investigação
“Fronteiras Urbanas: a dinâmica dos
encontros culturais na Educação
Comunitária” (FU), e no qual se
envolveram duas comunidades locais da
Costa da Caparica e uma comunidade
académica interdisciplinar, foram-se
organizando e desenvolvendo momentos e
movimentos diversos que concorreram
para a elaboração de um documentário
sobre o projeto, as pessoas e as
comunidades nele envolvidas, os processos
de educação comunitária e as múltiplas
iniciativas que foram emergindo com a
participação do projeto. A realização do
documentário final, com o apoio de
realização e produção da ANONYMAGE,
foi o finalizar de um longo caminho de
avanços e retrocessos, em que outros
protagonistas entraram e saíram, em que
muito material foi sendo compilado e
deixado para trás, em que participantes de
todas as comunidades se envolveram,
nomeadamente em processos de formação
em fotografia e vídeo, na recolha de
imagens, em depoimentos sobre as suas
perspetivas e perceções do que ia
acontecendo e sobre o seu envolvimento
nesses processos. Através de entrevistas,
da escrita de textos poéticos, de estudo do
espaço local e da elaboração coletiva de
mapas, de pinturas, de fotografias, da
música, entre outros, foram sendo
compilados todos os dados que
constituíram a base do documentário que
se produziu. Assumimos a heterogeneidade
de linguagens, de géneros, de tempos, de
vozes e sensibilidades, num processo de
liberdade criativa e de reflexividade
permanente.
Integrando-nos numa revista sobre
educação de campo, pretendemos fazer
emergir reflexões e modelizações a partir
da apresentação de práticas, pelo que
considerámos interessante estruturar o
texto dessa mesma forma emergente,
iniciando-o com a apresentação do
documentário produzido e uma breve
história do processo da sua realização e
produção/edição para, a partir daí, refletir
criticamente e identificar pistas para
trabalhos futuros. Assumimos, deste modo,
um processo aberto e que
permanentemente se repensa, analisa
criticamente os seus limites e expande em
novas possibilidades.
O documentário breve apresentação
Aqui, no meio, uma fronteira.
A separar sentidos.
Ordem a regular o nosso trânsito.
Regras partilhadas que não
questionamos.
A facilitar-nos o quotidiano.
A regular-nos o movimento.
A impor-nos trilhos.
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
5
Nós no meio, tantas vezes
apeados,
um dia questionamo-nos:
Porquê este frenesim de ir para
algum lado?
Que vidas se escondem nessas outras
fronteiras que são estas paredes de
betão?
Porque temos também de ir,
impedidos de ficar aqui, na
fronteira?
Assim começa o documentário
Fronteiras Urbanas a dinâmica de
encontros culturais na educação
comunitária, com um texto em voz off que
acompanha o percurso por automóvel
desde o Terreiro do Paço, atravessando a
ponte 25 de Abril e uma floresta de prédios
de betão, até chegar às terras onde o mar e
as arribas se encontram a Costa da
Caparica, Portugal. Uma ponte que
simboliza a travessia por entre fronteiras
várias, num movimento pido de
frenesim, que a voz questiona. A poesia a
inaugurar uma leitura que se pretende
híbrida, multifacetada, transdisciplinar, do
projeto que, pelo documentário, se
apresenta.
A seguir sucedem-se diversos
depoimentos, vozes de alguns dos
participantes do projeto, das três
comunidades envolvidas: 1) membros da
comunidade académica um grupo
multidisciplinar que envolvia atores sociais
de diversas instituições universitárias e não
universitárias, juntos por uma vontade
comum de trabalhar em conjunto e com as
outras duas comunidades, promovendo
processos emancipatórios através de uma
investigação etnográfica crítica; 2) da
comunidade bairro uma comunidade
multicultural, ocupando um espaço
agrícola com habitações precárias e
(semi)ilegais, constituída por sub-
comunidades das quais se destacam, como
maioritária, uma comunidade de imigrantes
de Cabo Verde, bem como uma
comunidade de etnia cigana e 3) da
comunidade piscatória originariamente
constituída por migrantes da zona do
Algarve e de Ílhavo. As expetativas,
perceções e visões que as vozes dizem são
diferenciadas, correspondendo a
apropriações e sensibilidades distintas,
enraizadas em histórias, quadros
referenciais e interesses diversificados, aos
quais procurámos dar espaço tanto quanto
possível igualitário, metáfora do que
queríamos que fosse a relação entre as
comunidades e entre as pessoas.
O documentário segue uma linha
condutora estruturada, correspondendo a
um documentário de exposição (Ribeiro,
2007) no qual os primeiros depoimentos
apresentam a história do projeto, com
origem noutros que lhe foram anteriores e
cujos propósitos eram centrados no
desenvolvimento das comunidades locais e
na educação comunitária de base. Ainda
nas primeiras falas vemos os próprios
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
6
dizerem das suas finalidades e objetivos
centrais, que do seu ponto de vista eram
focados ora na educação emancipatória,
ora na investigação e na construção de
saberes sobre essa mesma educação
comunitária, ora nos interesses e nas
necessidades básicas de água e
salubridade, entre outros, ora no tornar
visíveis, em diferentes fóruns, saberes,
histórias invisíveis e os direitos violados,
pela voz conjunta dos próprios, de nós
próprios, que aqui todos eram
investigadores. Os rostos e os corpos dos
diversos atores mostram-se, síncronos com
a sua voz, pois é de pessoas que
prioritariamente se fez este projeto, mas
alternadamente desdobram-se e tornam-se
invisíveis, enquanto outras imagens se
mostram, acompanhadas pelas vozes agora
dessincronizadas. Imagens em vídeo que
mostram os contextos e as interações que
foram tendo lugar e nas quais os
próprios mais se foram envolvendo. Para
dar lugar, de novo, a outros rostos, outras
vozes, outras interações, outras histórias.
Histórias de encontros, onde a arte das
tintas, das telas e do papel cruzou criações
e afetos entre artistas, crianças e adultos.
Histórias de caminhos escolares
recuperados, que tinham sido
interrompidos. Histórias de organização
comunitária, um longo processo de
cartografia das residências e seus
habitantes, forma de recenseamento
popular com o suporte do projeto e que
permitiu a eleição e constituição de uma
comissão de moradores como rosto
coletivo de reivindicação e negociação
com o poder político local. Histórias de
sonhos cumpridos e de tradições ativadas,
na forma da constituição de um grupo de
batuko (manifestação musical cabo-
verdiana). Histórias com história,
individuais e coletivas, recuperando
memórias dos tempos primeiros, das artes
primeiras, dos primeiros a chegarem, pais e
avós dos que hoje persistem nas pescas.
Histórias dos encontros em volta da
alfabetização crítica, uma das tarefas
consideradas principais no projeto, e onde
um processo coletivo e diferenciado se foi
organizando, seguindo os desejos e os
ritmos de aprendizagem de cada um, mas
sobretudo sendo pretexto para a relação,
para o diálogo, para a reflexão sobre as
condições de vida. Histórias de
participação em todos os sentidos, entre os
quais destacamos os menos usuais na
comunidade científica, de membros das
comunidades locais ativos em
apresentações em congressos.
Através das histórias, a história do
projeto se vai contando. Histórias cruzadas
com os olhares críticos e distanciados de
quem, apoiado em factos, comenta os
entraves políticos, os conflitos de
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
7
interesses, os êxitos e os fracassos, de
quem percebe similaridades entre as
histórias das duas comunidades locais, de
quem observa mudanças na
consciencialização política, no
empoderamento individual e coletivo, no
estreitamento de relações e quebra de
isolamentos, nas solidariedades que se
fortalecem.
Aqui e ali vamos tendo acesso ao
processo com que o próprio documentário
se foi realizando entrevistas e conversas
em que a voz de um outro, interlocutor sem
corpo visível, questiona e escuta; crianças
e jovens manuseando máquinas
fotográficas e de filmar, ajudadas por
técnicos e artistas da imagem e do som; os
próprios documentaristas filmando-se e
fotografando-se mutuamente, enquanto
filmam e fotografam o que vai
acontecendo nas interações que vão
estabelecendo. Fragmentos de memórias,
através de discursos orais e de fotografias
antigas. Fragmentos de momentos vividos
no presente, imagens vídeo com som
síncrono das lides atuais de arte xávega
(pesca artesanal feita com rede de cerco),
das danças dentro e fora do bairro, de
concertos, de encontros entre
comunidades. A sensibilidade estética, as
emoções, os valores, presentes nas vozes
que se desvelam, nas frustrações e sonhos
que se contam, nos corpos que se mostram,
nos poemas que se escrevem e se dizem.
Um caleidoscópio de situações vividas ao
longo dos dois anos e meio de duração do
projeto e de momentos que depois foram
acontecendo, prolongando-se pela escola
do bairro, uma escola popular onde todos
eram educadores e educandos e que
envolveu muitos voluntários para além dos
originários participantes do projeto.
A estrutura do documentário é como
esse caleidoscópio, embora se perceba uma
linha temporal, seguindo a cronologia com
que as imagens e os depoimentos foram
sendo recolhidos. Um documentário em
aberto, seguindo a ideia que também se
veicula na voz de José Pedro Martins
Barata, consultor do projeto, quando
afirma:
O Fronteiras Urbanas é para mim
um exemplo perfeito de um processo
permanente, um processo que não
tem fim, não parte de um tempo zero,
é aceitar e compreender o passado e
interpretá-lo, interpretar o presente e
as suas condições e avaliar, ou sondar
ou intuir as possibilidades de saída
desta fase e a evolução possível do
futuro e esse é um desafio muito
grande. (FU, 2014, 30’07‘’).
E com este depoimento acaba o
documentário, terminando com a leitura da
parte final do texto poético que o inaugura
enquanto se ouve e um jovem no bairro
tocando viola. A poesia e a música juntas,
vozes e silêncios sobrepostos, harmonias
ensaiadas, explicitando sonhos e sentidos
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
8
invisíveis. O sentido encontrado, para cada
um talvez diferente, para a poetisa-
investigadora (Ana Viana/Ana Paula
Caetano) o Amor como realidade última,
pano de fundo, plano subterrâneo, que
entretece encontros, narrativas e reflexões
numa produção com unidade e ao mesmo
tempo heterogénea, onde a presença,
consciência coletiva e individual, se faz
corpo (Caetano & Afonso, 2014, p. 52-53):
O que nos salva?
Como acordar deste sonambulismo onde
estamos mergulhados? Qual o sentido? Quem
somos? O que queremos ser?
Um a um acordando…
Escolher parar aqui no meio e
acordar.
Escolher buscar os outros para com
eles nos encontrarmos.
Escolher atravessar fronteiras e
encontrá-los fechados dentro das
suas.
Escolher ser com eles abrindo trilhos
novos.
Para os percorrermos juntos.
Para que nos levem onde
nunca fomos.
Para que as paredes visíveis e invisíveis se
afastem, alarguem o espaço dentro e se tornem
mais transparentes, deixando sentir-nos
através.
Para que, cada vez mais, mais se
encontrem.
Para chegarmos ao ponto onde
somos ligados.
Sem o medo do outro, diferente de nós. Com a
confiança de podermos ser juntos, muito mais.
Deixando que a vibração do amor se
estenda.
Vivendo a realidade do sonho no qual este nos
repete:
“só o AMOR é Real! o AMOR é
Real!
Só o AMOR é Real!”
O processo participativo na realização
do documentário
A realização do presente
documentário seguiu um processo
emergente em todas as fases, não sendo
nem o centro do projeto nem o condutor
das recolhas e análises de dados. No início
do projeto, aquando da sua conceção e
submissão de candidatura à FCT, estava
prevista a realização de short-movie, com
um conjunto de imagens, sons e
sentimentos que constituísse uma manta de
retalhos da vida local, e também por isso
desde cedo houve a preocupação de
recolher muitas imagens de tudo o que ia
acontecendo no projeto, nomeadamente
das dinâmicas associadas aos encontros
entre as três comunidades envolvidas, mas
também das dinâmicas do seu quotidiano,
que favorecessem o nosso conhecimento
mútuo, a produção de histórias de vida, a
cartografia dos lugares e das rotinas
diárias. Preparávamos assim a vinda de um
produtor/roteirista de curta-metragens,
reconhecido como realizador nessa área e
residente no Brasil, com o qual teríamos
oportunidade, ainda no começo do
primeiro ano, de fazer workshops de
formação e de realizar recolhas e
entrevistas, a serem por ele integradas
posteriormente na curta-metragem
prevista. Por isso o processo foi
acontecendo sem estrutura prévia, sem
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
9
formação prévia, sem uma mobilização
alargada de participantes. É preciso, ainda,
dizer que muitas das recolhas foram feitas
sem pensar a priori no documentário pois
o que pretendíamos era criar um banco de
dados a serem analisados no quadro da
nossa investigação etnográfica crítica
onde todos os atores sociais envolvidos são
investigadores. O documentário serviria
sobretudo o propósito de expor e difundir o
projeto, sendo ainda pretexto para que os
diversos participantes, através dos seus
depoimentos, refletissem sobre o que
estava a ser para eles o processo e para
dessa forma participarem na projeção de
etapas futuras. Estes propósitos foram
cumpridos mas não como esperávamos,
pois após a vinda do produtor/roteirista,
que connosco realizou algumas entrevistas
e a formação, preparando uma equipa de
jovens do bairro que se entusiasmou com
essa atividade, não pudemos contar com
ele para a pós-produção e ficámos, durante
largos meses, órfãos dessa parte do projeto.
As recolhas continuaram a ser feitas, sobre
as dinâmicas educativas e sociais em curso,
e mais tarde conseguimos que outro
produtor/roteirista (Vitor Gabriel) se
envolvesse nas várias fases de coleta de
dados, produção e pós-produção,
acompanhando-nos até ao fim do projeto, e
sendo agora um dos autores do presente
texto. Este produtor/roteirista mantinha
uma grande questão como base de seu
trabalho: como não invadir a privacidade
das pessoas? Foi um processo
avassalador, para mim!
A participação de atores sociais das
três comunidades foi acontecendo em
diversos momentos e processos,
nomeadamente:
nas filmagens feitas ao longo do
projeto;
em workshops sobre documentários
e filmagem
nas entrevistas, como
entrevistadores e entrevistados
na escolha e montagem de imagens
(num nível muito limitado)
na narrativa em voz off
na escrita de textos poéticos em voz
off
na pós-produção, através da
comunicação e do diálogo durante
todo o processo, sendo que o
documentário ainda faz parte desse
diálogo.
Posteriormente, neste texto, damos
conta de algumas situações relativas a esta
participação.
Refletindo sobre o documentário, sobre
seus propósitos e sobre o seu processo
vozes em diálogo
Os propósitos do documentário
realizado foram sendo clarificados ao
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
10
longo do processo da sua elaboração e
divulgação, e em síntese são os seguintes:
realização do trabalho de campo;
apresentação dos resultados da
pesquisa;
processo educativo, promovendo
interações e reflexões que de outro
modo não emergiriam;
processo de criar novo
conhecimento (onde importa o
conhecer, mais do que o
conhecimento em si), apresentando
uma multiplicidade de perspetivas;
inspiração para o reconhecimento e
crítica pelas audiências,
denunciando problemas sociais e
reconhecendo o valor das
comunidades envolvidas.
O presente texto acrescenta, ainda,
um último propósito de análise dos filmes
e dos processos de produção, com vista ao
estabelecimento de critérios de apreciação
e de desenvolvimento de futuras práticas.
Nesse sentido, iremos agora debruçar-nos
sobre algumas opções e questões que
identificámos como potenciais problemas e
para os quais encontrámos respostas mais
ou menos satisfatórias. Como facilitadores
da análise distinguimos diversas ordens de
questões, embora elas se interpenetrem: 1)
questões epistemológicas e metodológicas;
2) questões políticas; 3) questões éticas; 4)
questões estéticas e técnicas.
Questões epistemológicas e
metodológicas Uma etnografia crítica
Como fundamentos filosóficos e
epistemológicos assumimos, no projeto e
no documentário, uma perspetiva crítica e
emancipatória, onde todos os saberes têm
igual lugar, onde há um reconhecimento da
inteligência e da emoção de cada um como
relevante para a compreensão dos seus
próprios problemas e onde os coletivos
podem, através de processos participativos
de colaboração, encontrar caminhos que
expandam os limites das suas fronteiras
locais visto por nós como sintomas
(Lacan, 1975), e das novas fronteiras
globais visto por nós enquanto problemas
(Lacan, 1975), enquanto humanidade em
devir.
Em termos metodológicos optámos
por desenvolver a etnografia crítica, que
utiliza os procedimentos e técnicas da
etnografia clássica reforçando a
participação ativa de todos os atores
sociais envolvidos na investigação (Palmer
& Caldas, 2017; Thomas, 1993) visando,
ainda, implicar os membros das
comunidades no processo de mudança
intencional (Gérin-Lajoie, 2009). No
projeto, a coparticipação no
desenvolvimento coletivo de uma
etnografia crítica favoreceu a obtenção de
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
11
informações e um movimento zoom out
sobre as suas/as nossas vidas.
No que respeita ao documentário,
consideramos que este não é nem a
realidade, nem a representação objetiva da
realidade, embora constitua uma nova
realidade, subjetiva, onde a construção,
performatividade e criatividade estão
sempre presentes, como é assumido pelo
produtor/roteirista - de imaginar o que
parece aquela realidade fico
desconfortável. E quero acreditar que nem
eles mesmos queriam mostrar a realidade,
porque a querem transformar... é isso que
eu tento todos os dias!
Tal processo não se realizou no
entanto, sem que tivéssemos que enfrentar
vários desafios, dos quais destacamos três,
mais centrados nas esferas epistemológica
e metodológica, com implicações teóricas
e políticas:
Risco de distorção e de
seletividade, pela visão tendenciosa
dos investigadores/
realizadores/participantes, que em
dados momentos alcançávamos o
objectivo de sermos todos um
questão de validade científica;
Enfrentámos este desafio,
conscientes dos limites e das
potencialidades de uma investigação
implicada, dos quais destacamos as
seguintes assunções e opções:
Documentário e
investigação como construções
sociais, segundo uma perspetiva
crítica e dialógica;
Documentário como ato
performativo e interativo entre
observador/observado (duplo
papel dos atores envolvidos), não
apenas através das entrevistas mas
ao longo de todo o processo;
Produção coletiva, com
múltiplos olhares e múltiplas
linguagens;
Compromisso político-
cultural com implicações
relativas ao poder de quem decide
sobre o que fica no documentário,
envolvendo diferentes
participantes, das três
comunidades, em momentos
diferentes do processo de
descrição, interpretação e
divulgação.
Risco de superficialidade
Esta é uma questão que se desdobra
em várias, entre as quais destacamos:
Risco de se ignorarem os
fatores que atuam de fora para
dentro da comunidade, entre
outros (Lobo, 2008, p. 54) a
denúncia de problemas políticos
associados aos contextos mais
amplos a nível nacional e global,
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
12
esteve sempre presente nos
propósitos e foi sendo expressa
nas palavras e imagens dos textos
e do documentário, nos múltiplos
fóruns, bem como nas publicações
realizadas;
Risco de homogeneizar a
diversidade dos participantes e
grupos e forçar uma identidade
comunitária.
Risco de fragmentação dos
saberes produzidos
A extensão e complexidade do
trabalho de investigação foi sendo inscrita,
ao longo do tempo, em múltiplas formas de
análise e apresentação do trabalho
científico. Deste modo, fomos assumindo
que cada uma delas, por si, era insuficiente
e procurámos, na forma de livro e na forma
de relatórios finais, integrar diversas
facetas e olhares. Não se trata de produção
de sínteses homogeneizantes, mas de
tornar visível a heterogeneidade de olhares
e vivências.
Questões políticas Participação e
documentários participativos
Inscreve-se o presente trabalho numa
poética e política do pós-modernismo, pela
qual em vez de uma macro narrativa da
revolução, há agora uma multiplicidade
descentralizada de lutas ‘micro-políticas’
localizadas (Stam, 2000, p. 299) e onde a
principal “questão não é a do relativismo
ou mero pluralismo, mas mais de múltiplas
grelhas e conhecimentos, cada uma
iluminando com uma luz específica o
objeto estudado estando disponível para
ser desafiado por isso”. (Stam, 2000, p.
330).
A investigação participativa desafia
os tradicionais papéis dos participantes e
investigador, deixando de haver experts
(Lather, 2007, citado por Mampaso, 2010,
p. 26). Abrem-se, assim, espaços de
alcance mais amplo, à voz dos homens
comuns.
O documentário é uma construção
social, não a mera representação de uma
realidade (Martins, 2013). Permite aceder a
perspetivas de difícil acesso, criando
espaços semipúblicos e protegidos (Shaw,
2012). No caso do documentário
participativo trata-se de uma construção
coletiva (Menezes, 2013). Um coletivo
constituído por coletivos, onde o pessoal e
o social se imbricam no diálogo e
articulação de vozes diversas.
A partir do momento que o homem
usa a linguagem para estabelecer uma
relação viva com ele próprio ou com
os seus semelhantes, a linguagem
não é um instrumento, não é um
meio; é uma manifestação, uma
revelação da nossa essência mais
íntima e do laço psicológico que nos
liga a nós próprios e aos nossos
semelhantes. (Goldstein, 1933, citado
por Benjamin, 1992, p. 229).
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
13
Através dos documentários
imbricam-se questões de poder e educação,
pois a participação poderá afetar
positivamente os que se envolvem no
documentário (Ruby, 2000 citado por
Stille, 2011).
Aos documentaristas e investigadores
cabe assumir a posição de
interlocutor e não mais de meros
representantes do real |com|
metodologias de ação cada vez mais
interativas, tanto na reflexividade,
quanto na convivência com a
diversidade. (Bairon, 2007, p. 58).
Questões éticas Por uma ética da
responsabilidade e da religação
No que respeita às questões éticas e
respondendo a riscos de abuso em relação
aos participantes como a indiscrição, a
perda de privacidade, o favorecimento e a
cristalização de um processo dinâmico,
procurámos permanentemente estar
atentos, de forma a que o poder fosse
partilhado, que as relações se construíssem
numa base de confiança e que o processo
fosse ponderado no que respeita a
responsabilidades/consequências para os
participantes, inscritos numa ética da
responsabilidade e da religação (Black,
Davies, Iskander, & Chambers, 2018;
Caetano, 2017; Morin, 2005). A título de
exemplo, na escolha das imagens o posto
de produtor/roteirista foi diluído; ao todo
foram mais de 20 atores sociais das três
comunidades a atuarem nesta personagem.
Reuniões comunitárias foram
desenvolvidas para poder obter o produto
final. Parte da produção musical, como um
outro exemplo, foi desenvolvida por
membros da comunidade bairro, no próprio
estúdio de audiovisual que ao longo do
projeto foi sendo construído com força
total nesta comunidade.
Questões estéticas e técnicas
Na realização do documentário
entrelaçam-se, ainda, questões de ordem
ética e estética, sendo que na relação
criativa com os fenómenos, se pretende
(re)criar e difundir saberes, integrando
formas e discursos diversos, cruzando
lógicas heterogéneas, científicas, políticas
e artísticas. Esta heterogeneidade foi vivida
equacionando diversas tensões. Desde logo
nos nossos propósitos éticos, políticos e
estéticos, pois queríamos simultaneamente
inspirar a reflexividade crítica e fruição
estética das audiências. Pretendíamos, na
pós-produção, a conexão entre narradores
múltiplos, assumindo que
…|o narrador| pode recorrer à própria
vida (uma vida, aliás, que inclui em
si não a experiência própria mas
também a alheia; o narrador associa à
sua experiência mais íntima aquilo
que aprendeu na tradição). O seu
dom é poder contar a sua vida.
(Benjamim, 1992, p. 56-57).
Pretendíamos, ainda, a conexão
contexto de investigação/contexto de
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
14
intervenção/ação/perspetivas dos
participantes, i.e., a nossa perspetiva.
Não menos importante é preciso
consciencializar que muitas interações
permanecem invisíveis, umas por opção,
outras por impossibilidade. Esta questão
não é contornada de forma totalmente
satisfatória, mas mesmo assim apaziguada
porque muitos dados foram colocados
fora, em relatórios e outras formas de
apresentação.
Em síntese, algumas opções técnicas
foram tomadas para responder a estas
questões, entre as quais a constante
autoformação em equipa e reinvenção face
a criatividade/vivência do outro
reconstruindo uma unidade na diversidade;
a construção coletiva transfacetada
exalando momentos individuais e em
grupo tornando-nos públicos de nós
mesmos; a postura etnomatemática
(Mesquita, 2016) proposta, reconstruída,
internalizada com sua forma própria em
cada um dos envolvidos, tornando-se
alavanca motora do nosso encontro
fazendo-nos investigadores e filósofos das
nossas próprias práticas.
Reflexão final algumas pistas para
desenvolvimentos futuros
Assumimos o hibridismo topológico
de modos de representação, formas,
linguagens, registos, vozes desta
experiência, onde não é fácil reconhecer
claramente nenhuma das categorias
referidas, por exemplo, por Nichols (2010,
2016) embora domine a dimensão de
exposição e participativa sobre as restantes
por ele referidas, com laivos de uma
dimensão poética.
A partir dos limites que
reconhecemos no documentário realizado,
alguns dos quais decorrem dos propósitos
com que foi produzido, outros da
complexidade, turbulência das dinâmicas e
temporalidade longa com que os registos
foram recolhidos, outros ainda das
oscilações relativas ao envolvimento dos
seus autores, mas outros também de uma
inexperiência e de uma insuficiente
reflexão sobre possibilidades alternativas,
destacamos diversos vetores que decorrem
das reflexões anteriores referidas neste
texto:
Desenvolver mais o processo
participativo e coletivo, noutros
projetos, nas quais mais
sistematicamente se faça uma
preparação dos participantes na
recolha de imagens e som a partir da
sua experiência quotidiana e dos seus
desejos e onde os próprios possam
ser envolvidos de forma mais intensa
quer na reflexão sobre as imagens
que se produzem, quer sobre aquelas
que se usam na pós-produção quer
ainda na divulgação dos
documentários e reflexão posterior
com terceiros, nomeadamente em
coletivos em que se reúnem. Para
isso será favorável o uso de
equipamento simples, leve, de boa
qualidade e acessível financeiramente
para facilitar a sua apropriação por
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
15
todos... motivação, aprendizagem,
autoconfiança e disseminação;
Desenvolver um processo mais
exploratório, experimental e criativo
no desenvolvimento dos
documentários (Cole, 2007), coerente
com o caráter emergente da
metodologia de investigação
escolhida - a da etnografia crítica e
onde as preocupações estéticas e da
arte do cinema se assumam mais
plenamente, numa relação mais livre
dos constrangimentos de ambas as
esferas, na esteira de Rouch (2010);
Aprofundar a dimensão
poética, rompendo com as dicotomias
autor-espetador, ciência-arte,
fragmento-narrativa, metáfora-
descrição, assumindo o
entretecimento de lógicas,
explorando formas de pensatividade
e performatividade, valorizando a
indeterminação e liberdade
(Rancière, 2010);
Aprofundar atividades de
autoformação e redes de discussão,
através de debate pós-visionamento
do documentário, com os autores,
com um sentido crítico e
interpretativo, na análise e
reinterpretação de conteúdos,
processos e resultados de
investigação, mas também dos
processos de realização dos
documentários, opções de pós-
produção, “estratégias e retóricas
discursivas”. (Ribeiro, 2007, p. 25);
Aprofundar o trabalho com
tecnologias digitais, num processo de
intertextualidade e mestiçagem em
que os diversos media incorporados
são diluídos nas suas especificidades
e onde os diálogos se fazem não
apenas no interior dos filmes mas
também nos produtos digitais e nas
suas apropriações por quem visiona,
expandindo a intersubjetividade, a
polivocalidade, a estrutura narrativa
(Ribeiro 2007, p. 33). Tal pode ser
feito com experiências hipermedia,
com a utilização de sites e blogues,
em redes sociais e de discussão;
Utilização mais intensa dos
documentários produzidos em
situações pedagógicas, nos cursos e
unidades curriculares, assumindo o
valor das imagens e das
representações multisemióticas na
aprendizagem, na conceptualização
teórica e na exploração de práticas,
em temas tão diversos como por
exemplo a interculturalidade, a
educação comunitária, a investigação
participativa, arte e educação;
Aprofundamento da inter e
transdisciplinaridade e da
multireferencialidade na construção
e análise dos documentários,
prolongando, numa temporalidade
aberta, sucessivas resignificações
relevantes para a compreensão dos
processos sociais
A linguagem não é apenas
comunicação do comunicável, mas
simultaneamente, símbolo do não
comunicável (Benjamin, 1992).
Referências
Bairon, S. A. (2007). Linguagem
hipermediática como produção do
conhecimento: relações interdisciplinares.
In Bairon, S., & Ribeiro, J. S. (Orgs.).
Antropologia visual e hipermédia (pp.43-
60). Porto: Edições Afrontamento.
Benjamin, W. (1992). Sobre a arte,
técnica, linguagem e política. Lisboa:
Relógio d’Água Editores.
Black, G. F., Davies, A., Iskander, D., &
Chambers, M. (2018). Reflections on the
ethics of participatory visual methods to
engage communities in global health
research, Global Bioethics, 29(1), 22-38,
https://dx.doi.org/10.1080/11287462.2017.
1415722
Caetano, A. P., & Afonso, J. C. (2014).
Trans-inter-multiculturalidade. A poesia
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
16
como lugar de mediação. In Mesquita, M.
(Org.). Fronteiras Urbanas Ensaios
sobre a humanização do Espaço (pp. 45-
67). Viseu: Anonymage.
Caetano, A. P. (2017). Ética y
complejidades en la mediación
comunitaria. Devenir. Revista de Estudios
culturales e Regionales, 32, 41-58.
Cole, A. (2007). A arte do documentário:
notas sobre o audiovisual, a antropologia
visual e o processo de criação. In Bairon,
S., & Ribeiro, J. S. (Orgs.). Antropologia
visual e hipermédia (pp. 109-121). Porto:
Edições Afrontamento.
Fronteiras Urbanas (FU) (2014).
Documentário Fronteiras Urbanas.
Produção ANONYMAGE. Viseu:
Anonymage.
http://fronteirasurbanas.ie.ul.pt/?p=825
Gérin-Lajoie, D. (2009). A aplicação da
Etnografia Crítica nas Relações de Poder,
Revista Lusófona de Educação, 14, 13-27.
http://recil.ulusofona.pt/handle/10437/1768
Lacan, J. (1975). Encore: Le seminaire.
livre XX. Paris: Seuil.
Lobo, J. (2008). Uma certa tendência do
documentário brasileiro contemporâneo
(Usos e abusos do estudo da comunidade,
como método, e das entrevistas, como
técnica de pesquisa). Palavra Clave, 11(1),
53-59.
https://www.redalyc.org/pdf/649/64911105
.pdf
Manpaso, A. (2010). La fortuna: por
siempre y para siempre, a cross-
generational and participatory documentar.
Encounters on Education, 11, 25-34.
https://doi.org/10.24908/eoe-ese-
rse.v11i0.2409
Mesquita, M. (2016). Urban Boundaries
Space. Disturbing choices and the place of
the critical research/researcher in the
capitalist wile. In Straehler-Pohl, H.,
Bohlmann, N., & Pais, A. (Eds.). The
Disorder of Mathematics Education.
Challenging the Socio-Political
Dimensions of Research (pp. 307-320)
New York: Springer.
https://doi.org/10.1007/978-3-319-34006-
7_18
Martins, H. (2013). Sobre o lugar e os usos
das imagens na antropologia: notas críticas
em tempos de audiovisualização do
mundo. Etnográfica, 17(2), 395-419.
https://doi.org/10.4000/etnografica.3168
Menezes, L. M. (2013). A realidade
construída pela produção documental
participativa. Galaxia, 26, 227-238.
https://doi.org/10.1590/S1982-
25532013000300018
Morin, E. (2005). O Método 6: Ética.
Lisboa: Publicações Europa-América.
Nichols, B. (2010). Introduction to
documentary (2nd Edition). Bloomington.
Indiana: Indiana University Press.
http://skola.restarted.hr/wp-
content/uploads/2014/06/Bill-Nichols-
Introduction-to-documentary.pdf
Nichols, B. (2016). Speaking Truths with
Film: Evidence, Ethics, Politics in
Documentary. Oakland: University of
California Press.
Palmer, D., & Caldas, B. (2017). Critical
Ethnography. In King, K., Lai, Y. J., &
May, S. (Eds.). Research Methods in
Language and Education. Encyclopedia of
Language and Education (3rd ed.). Cham:
Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-
319-02249-9_28
Rancière, J. (2010). O espetador
emancipado. Lisboa: Orfeu Negro. 2010.
Ribeiro, J. (2007). Antropologia visual e
hipermedia. In Bairon, S., & Ribeiro, J. S.
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto Fronteiras Urbanas...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8857
10.20873/uft.rbec.e8857
2020
ISSN: 2525-4863
17
(Orgs.). Antropologia visual e hipermédia,
(pp. 13-30). Porto: Edições Afrontamento.
Rouch, J. (2010). Meditação de um
explorador solitário. In Cinemateca
Portuguesa. Museu do Cinema. Lisboa:
Cinemateca Portuguesa. Museu do
Cinema.
Shaw, J. (2012). Using participatory video
for action research: negotiating the space
between social process and research
product. London: Open University Press.
Stam, R. (2000). Film theory. An
introduction. Oxford: Blackwell
Publishers.
Stille, S. (2011). Framing representations:
Documentary filmmaking as participatory
approach to research inquiry. Journal of
Curriculum and Pedagogy, 8, 101-108.
https://doi.org/10.1080/15505170.2011.62
4922
Thomas, J. (1993). Doing Critical
Ethnography. California: Sage.
https://dx.doi.org/10.4135/9781412983945
i
Este trabalho é financiado pela FCT Fundação
para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito
da UIDEF - Unidade de Investigação e
Desenvolvimento em Educação e
Formação, UIDB/04107/2020.
Referência UIDB/04107/2020. Foi desenvolvido
ainda no âmbito do Projeto “Fronteiras Urbanas: A
dinâmica dos encontros culturais na educação
comunitária”, financiado pela FCT (PTDC/CPE-
CED/119695/2010).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 07/04/2020
Aprovado em: 11/05/2020
Publicado em: 29/07/2020
Received on April 07th, 2020
Accepted on May 11th, 2020
Published on July, 29th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Ana Paula Viana Caetano
http://orcid.org/0000-0003-2481-5215
Mônica Maria Borges Mesquita
http://orcid.org/0000-0001-5912-6829
Vitor Gabriel dos Santos Rodrigues
http://orcid.org/0000-0001-5063-0172
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Caetano, A. P., Mesquita, M., Gabriel, V. (2020). Ser ou
Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto
Fronteiras Urbanas. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e8857.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8857
ABNT
CAETANO, A. P.; MESQUITA, M.; GABRIEL, V. Ser ou
Não Ser um Documentário Participativo do/no Projeto
Fronteiras Urbanas. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 5, e8857, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8857