Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7178
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e7178
10.20873/uft.rbec.e7178
2019
ISSN: 2525-4863
1
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Educação do Campo em giro decolonial: a experiência do
Tempo Comunidade na Universidade Federal Fluminense
(UFF)
1
Francisca Marli Rodrigues de Andrade
1
, Letícia Pereira Mendes Nogueira
2
, Lucas do Couto Neves
3
, Marcela Pereira Mendes
Rodrigues
4
1, 2, 3, 4
Universidade Federal Fluminense - UFF. Departamento de Ciências Humanas (PCH). Avenida João Jasbick, s/nº, Bairro
Aeroporto. Santo Antônio de Pádua - RJ. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: marli_andrade@id.uff.br
RESUMO. A Educação do Campo no Brasil, em cinco décadas,
vem construindo uma prática educativa que valoriza e inclui os
sujeitos, os saberes e as experiências sociais do campo; ou seja,
a Pedagogia da Alternância. Em âmbito universitário, a
Alternância reorganiza os espaços/tempos de aprendizagens em
Tempo Universidade e Tempo Comunidade e, portanto, propõe
questionamentos à lógica da colonialidade/modernidade do
saber, imposta à América Latina. Nessa reorganização, a
presente pesquisa tem por objetivo: conhecer o processo de
construção do Tempo Comunidade, implementado na
Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo (UFF)
para, então, identificar os elementos pedagógicos decoloniais
que potencializam a formação de educadores do campo.
Metodologicamente, adotamos uma proposta de pesquisa
qualitativa inscrita no enfoque interpretativo. Para coletar as
informações realizamos entrevistas semiestruturadas com 5
docentes e 12 estudantes do curso; análise documental dos 12
projetos dos eixos temáticos do Tempo Comunidade. Os
principais resultados sinalizam a importância do Tempo
Comunidade na formação de educadores do campo, bem como
nos processos de transformação da realidade. Igualmente, o
poder da ação-reflexão do Tempo Comunidade em desencadear
ações de fortalecimento da cidadania e da organização de lutas
emancipatórias.
Palavras-chave: Educação do Campo, Pedagogia da
Alternância, Formação de Educadores do Campo, Tempo
Comunidade, Decolonialidade.
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
decolonial: a experiência do Tempo Comunidade na Universidade Federal Fluminense (UFF)...
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Rural Education in a Decolonial Turn: the Community-
Time Experience at the Fluminense Federal University
(UFF)
ABSTRACT. Rural Education in Brazil, in five decades, has
been constructing an educational practice that values and
includes the subjects, the lores and the social experiences of the
countryside; that is, the Pedagogy of Alternation. In the
university context, Alternance reorganizes the spaces of learning
in Community-Time (CT) and School-Time (ST) and, therefore,
proposes questions to the logics of colonization/modernity of
knowledge, imposed on Latin America. In this reorganization,
the present research has as objective: to know the process of
construction of Community-Time, implemented in the
Interdisciplinary Degree in Rural Education (UFF), to identify
decolonial pedagogical elements that potentiate the formation of
educators in the rural zone. Methodologically, we adopted a
qualitative-oriented research, which is inscribed in the
interpretative approach. To collect data, we performed semi-
structured interviews with 5 teachers and 12 students;
documentary analysis of the 12 projects of the Thematic Fields
of Community-Time. The main results point to the importance
of Community-Time in of rural educators’ formation as well as
in the processes of transformation of reality. Likewise, the
power of action-reflection of the Community-Time in
encouraging actions to strengthen citizenship and the
organization of emancipatory struggles.
Keywords: Rural Education, Pedagogy of Alternation, Training
of Rural Educators, Community-Time, Decolonization.
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
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Educación del Campo en giro decolonial: la experiencia del
Tiempo Comunidad en la Universidad Federal Fluminense
(UFF)
RESUMEN. La Educación del Campo en Brasil, en cinco
décadas, ha estado construyendo una práctica educativa que
valora e incluye los sujetos, el conocimiento y las experiencias
sociales del campo; es decir, la Pedagogía de la Alternancia. En
el contexto universitario, la Alternancia reorganiza los
espacios/tiempos de aprendizaje en Tiempo Universidad y
Tiempo Comunidad y, por lo tanto, propone cuestionamientos a
la lógica de la colonialidad/modernidad del saber impuesta a la
América Latina. En esta reorganización, la presente
investigación tiene como objetivo: conocer el proceso de
construcción del Tiempo Comunitario, implementado en la
Licenciatura Interdisciplinar en Educación del Campo (UFF)
para, entonces, identificar los elementos pedagógicos
decoloniales que potencializan la formación de educadores del
campo. Metodológicamente, adoptamos una propuesta de
investigación cualitativa inscrita en el enfoque interpretativo.
Para recopilar la información realizamos entrevistas
semiestructurada con 5 profesores y 12 estudiantes del curso;
análisis documental de los 12 proyectos de los ejes temáticos del
Tiempo Comunidad. Los principales resultados indican la
importancia del Tiempo Comunidad en la formación de los
educadores del campo, así como en los procesos de
transformación de la realidad. Igualmente, el poder de la acción-
reflexión del Tiempo Comunidad en la activación de acciones
para fortalecer la ciudadanía y la organización de luchas
emancipatorias.
Palabras clave: Educación del Campo, Pedagogía de la
Alternancia, Formación de Educadores del Campo, Tiempo
Comunidad, Decolonialidad.
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
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Introdução
Os movimentos sociais do campo,
em sua luta pela terra, vêm reivindicando o
direito a uma educação que contemple as
suas demandas cio-históricas. Tais
movimentos entendem que a Educação do
Campo se constitui como um importante
instrumento de compreensão das relações
políticas, econômicas, sociais e ambientais
que atravessam o território camponês.
Logo, a educação pleiteada pelos
movimentos populares “não se aplica às
classes que detêm o poder econômico-
político”. (Ribeiro, 2010, p. 47). Ao
contrário, auxilia os atores sociais na
organização da consciência de classe à
qual pertencem e, portanto, suas demandas
por uma educação diferenciada. Nessa
diferenciação, a construção da Educação
do Campo se em um espaço de lutas e
embates políticos dos movimentos sociais,
em defesa de uma educação que disponha
de um plano político-pedagógico que possa
atender as especificidades dos sujeitos do
campo. Entre essas especificidades
encontra-se a Pedagogia da Alternância, a
qual pode ser compreendida, também,
como elemento de desarticulação das
práticas educativas coloniais, promotoras
de desenraizamento de identidades e de
territórios.
A Pedagogia da Alternância na
formação de educadores do campo pode
ser considerada como uma prática
decolonial por muitos aspectos, sobretudo,
porque “permite aos jovens do campo a
possibilidade de continuar os estudos e de
ter acesso aos conhecimentos científicos e
tecnológicos não como algo dado por
outrem, mas como conhecimentos
conquistados e construídos a partir da
problematização de sua realidade”.
(Cordeiro, Reis & Hage, 2011, p. 116).
Essa problematização potencializa diálogos
e práticas sociais em diferentes
espaçostempos de aprendizagem, de
construção e de transformação da
realidade; ou seja, Tempo Universidade e
Tempo Comunidade. Evoca, portanto, a
dimensão da indissociabilidade “entre os
conhecimentos sistematizados no ambiente
universitário e os conhecimentos
historicamente construídos pelos
camponeses, nos seus processos de
trabalho e de organização das condições de
reprodução da vida no campo e nos
processos organizativos de classe”.
(Santos, 2012, p. 632). Logo, tanto as
condições de reprodução da vida, quanto
os processos organizativos de classe,
revelam-se como ferramentas potentes para
desestabilizar as violências perpetradas
pela lógica da colonialidade/modernidade
aos povos do campo. Propõe, assim,
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
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processos educativos em giro decolonial;
isto é, as tentativas de marcar:
(a) A narrativa original que resgata e
insere a América Latina como o
continente fundacional do
colonialismo, e, portanto, da
modernidade; (b) a importância da
América Latina como primeiro
laboratório de teste para o racismo a
serviço do colonialismo; (c) o
reconhecimento da diferença
colonial, uma diferença mais difícil
de identificação empírica na
atualidade, mas que fundamenta
algumas origens de outras diferenças;
(d) a verificação da estrutura
opressora do tripé colonialidade do
poder, saber e ser como forma de
denunciar e atualizar a continuidade
da colonização e do imperialismo,
mesmo findados os marcos históricos
de ambos os processos; (e) a
perspectiva decolonial, que fornece
novos horizontes utópicos e radicais
para o pensamento da libertação
humana, em diálogo com a produção
de conhecimento. (Ballestrin, 2013,
p. 110).
O giro decolonial está sendo
construído por diferentes acadêmicos,
ambientalistas, sindicalistas, líderes de
movimentos sociais e outros protagonistas,
os quais, desde o século XX, vêm
provocando renovações e tensões analíticas
e utópicas, principalmente, nas Ciências
Sociais Latino-Americanas. Nesse embate,
as epistemologias ameríndias, em mais de
500 anos, têm construído diferentes formas
de luta decolonial contra os processos de
invasão, apropriação e violência
(Andrade, 2018; 2019). Em tal luta, o
território -enquanto expressão de todas as
formas de vida, de cultura, de
ancestralidade e de identidade - revela-se
extremamente importante (Andrade, 2019).
Sobre as contribuições ameríndias às lutas
decoloniais, Walter Mignolo (2007, p. 27),
em seus estudos de mais de duas cadas,
desenvolveu a seguinte tese: el
pensamiento decolonial emergió en la
fundación misma de la
modernidad/colonialidad como su
contrapartida. Y eso ocurrió en las
Américas, en el pensamiento indígena y en
el pensamiento afro-cari-beño”
[2]
. Essa tese
nos remete aos povos, comunidades e
nacionalidades que foram/são ultrajadas,
entre outras violências, pela lógica da
colonização; isto é, as comunidades
tradicionais e camponesas.
Na construção do giro decolonial na
América Latina, “el surgimiento del
concepto ‘colonialidad del ser’ responde,
pues, a la necesidad de aclarar la pregunta
sobre los efectos de la colonialidad en la
experiencia vivida, y no sólo en la mente
de sujetos subalternos”. (Maldonado-
Torres, 2007, p. 130). Entre tais efeitos,
situamos o racismo epistêmico que,
intrínseco ao universalismo abstrato
ocidental, descaracteriza e deslegitima os
povos tradicionais, seus discursos, seus
espaços de fala e suas identidades
(Grosfoguel, 2007). Nesse sentido, a
proposta política e epistemológica da
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
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Educação do Campo revela-se como uma
possibilidade para confrontar tal
deslegitimação. Pois, um dos significados
da Educação do Campo consiste em
“reverter as visões e os tratos históricos
brutais de produção desses coletivos como
inferiores, à margem da história intelectual,
cultural, social e pedagógica”. (Arroyo,
2012, p. 363). Na luta por esse projeto, os
embates dos movimentos sociais, em
defesa de uma educação que promova o
acesso e a permanência dos camponeses no
território, não estão desvinculados dos
elementos que desestabilizam a
colonialidade do poder/saber/ser. Isto
porque:
A Educação do Campo nasceu como
mobilização/pressão dos movimentos
sociais por uma política educacional
para comunidades camponesas: nasceu
da combinação das lutas sem-terras
pela implementação de escolas
públicas nas áreas de reforma agrária
com as lutas de resistência de inúmeras
organizações e comunidades
camponesas para não perder suas
escolas, suas experiências de educação,
suas comunidades, seu território, sua
identidade. (Caldart, 2008, p. 71).
No processo de construção
ideológica da Educação do Campo,
sobretudo quando estamos a comemorar
uma década de expansão dos cursos de
Formação Universitária de Educadores do
Campo, destacamos a luta camponesa
contra o projeto hegemônico colonizador
escolar. Em tal projeto, algumas sutilezas
são incorporadas com o propósito de
demarcar posições ideológicas que
convergem em sentido à subalternização
dos povos do campo e, assim, à negação do
acesso e da permeância no território. Nesse
contexto, a Educação do Campo, enquanto
elemento político e pedagógico decolonial,
não está desvinculada das disputas
conceituais que traduzem os sentidos
opostos da colonização. A superação do
conceito de Educação Rural, defendido na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), Lei n
o
9.394/96 (Brasil, 1996),
revela os avanças e as conquistas das lutas
sociais emancipatórias. Esses avanços se
apresentam, sobretudo, quando os
movimentos sociais do campo entendem
que, de acordo com Caldart (2002, p. 18), a
Educação no Campo significa que “o povo
tem direito a ser educado no lugar onde
vive”. Por sua vez, a Educação do Campo,
ressalta que “o povo tem direito a uma
educação pensada desde o seu lugar e com
a sua participação, vinculada à sua cultura
e às suas necessidades humanas e sociais”.
(Caldart, 2002, p. 18).
Apesar das posições ideológicas
contraditórias, a abertura proposta à
discussão de conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas à educação rural
diferenciada, sinalizada na LDB de 1996,
ganha força em âmbito nacional. Nesse
cenário, no ano de 1997, houve a
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
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realização do I Encontro Nacional de
Educadores e Educadoras da Reforma
Agrária (I ENERA), considerado como
marco inicial do Movimento Nacional de
Educação do Campo (Molina, 2015).
Nessa linha cronológica, a luta camponesa
comemorou, no ano de 2010, a Política
Nacional de Educação do Campo,
implementada pelo Decreto n
o
7352, de 04
de novembro de 2010. Tal decreto enfatiza
que, conforme o artigo 4º, a Política de
Educação do Campo não se destina
somente à educação básica, mas também
abrange o ensino superior para os povos do
campo (Brasil, 2010). Enquanto
desdobramento do Decreto n
o
7352, no ano
de 2012 foi constituído o Programa de
Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo
(Procampo), cujo objetivo principal
consiste em apoiar a inserção de cursos de
Licenciatura em Educação do Campo nas
universidades públicas de todo o país.
Com a aprovação do Procampo,
ampliou-se o debate em torno das questões
educacionais destinadas ao território
camponês, uma vez que a formação inicial
de educadores do campo está atrelada à
construção de uma política educacional
que atenda aos anseios e às demandas das
populações do campo; em especial, a
emancipação e o resgate dos elementos
identitários (Santos, 2012). Nesse sentido,
um dos aspectos considerados no
Procampo refere-se à organização teórico-
metodológica curricular do curso; ou seja,
a refundação da Educação do Campo a
partir de lógicas de emancipação contra-
hegemônicas. Em outras palavras, um
projeto educativo potente, capaz de
desestabilizar os processos de dominação
impostos pelo pensamento colonial, cujo
objetivo consiste em desenraizar os
sujeitos do campo de suas identidades e
dos seus territórios, em detrimento do
avanço do capital (Andrade, Nogueira &
Rodrigues, 2019). Esse projeto se
concretiza em articulação com outros
componentes políticos e princípios teórico-
metodológicos da Educação do Campo,
voltados à emancipação dos seus atores
sociais. Entre tais princípios encontra-se a
Pedagogia da Alternância, a qual prevê
dois espaços/tempos distintos de
aprendizagem; isto é, Tempo Escola e
Tempo Comunidade.
Por Tempo Escola (TE), entende-se
uma etapa do curso correspondente a
um semestre acadêmico, num
período aproximado de 50 dias
letivos, com oito horas diárias de
aula. o Tempo Comunidade (TC)
destina-se ao período em que os
estudantes estão em suas
comunidades de origem, quando são
realizados estudos e pesquisas que
levam a uma reflexão teórico-prática
das questões pertinentes à Educação
do Campo, aos processos de ensino,
de aprendizagem, à gestão escolar e
da comunidade e à realidade concreta
onde a escola está inserida. Essas
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atividades são orientadas pelos
professores-formadores do curso
ainda no TE, e acompanhadas pelos
mesmos. (Ferreira & Molina, 2016,
p. 1710).
Com esses elementos, destacamos
que “o Tempo Comunidade potencializa o
processo de formação dos educadores do
campo, uma vez que por meio do diálogo
entre a teoria e a prática é possível
aprender com os valores e com os
conhecimentos tradicionais para se pensar
novas formas de ensino-aprendizagem”.
(Andrade et al. 2019, p. 162). Nesse
diálogo, Ribeiro (2010) elucida que a
expressão Pedagogia da Alternância tem
vários significados, os quais irão variar de
acordo com algumas condições, tais como:
os sujeitos que a apropriam; as regiões
onde são realizadas; e as condições do
local, que podem favorecer ou dificultar a
prática da Alternância. Embora a
Alternância possua diferentes concepções
teóricas, todas apresentam um elemento
em comum; isto é, “o trabalho como
princípio educativo de uma formação
humana integral, que articula
dialeticamente o trabalho produtivo ao
ensino formal”. (Ribeiro, 2010, p. 293).
Nessa articulação, a autonomia, a
autodeterminação e a liberdade revelam-se
como preponderantes na formação de
educadores do campo, permitindo-lhes
desestabilizar as lógicas coloniais
opressoras que, secularmente, têm imposto
uma condição de subalternidade
epistemológica aos povos do campo.
Pesquisar com a Educação do Campo: a
construção da experiência social da UFF
em giro decolonial
A implementação da Licenciatura
Interdisciplinar em Educação do Campo da
Universidade Federal Fluminense (UFF)
foi concretizada em 2015. O projeto do
curso configura como resultado do
Programa Nacional de Educação do
Campo (Pronacampo), lançado em 2012.
Tal programa tinha previsto, entre os
objetivos principais, subsidiar os estados, o
Distrito Federal e os municípios
oferecendo-lhes apoio técnico e financeiro
“para implementação da Política Nacional
de Educação do Campo, devendo atender
Escolas do Campo e Quilombolas, a partir
de quatro eixos de ação: 1. Gestão e
Práticas Pedagógicas; 2. Formação de
Educadores; 3. Educação Profissional e
Tecnológica; e 4. Infraestrutura” (Molina,
2015, p. 147). Nesse sentido, destacamos
que o Eixo 2 preocupou-se,
especificamente, com a “ação do Estado
responsável por apoiar e fazer acontecer a
implantação dos 42 novos cursos de
Licenciatura em Educação do Campo
LEDOC, através de um Subprograma
intitulado ‘Programa de Apoio às
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Licenciaturas em Educação do Campo
Procampo’”. (Molina, 2015, p. 147).
É nesse contexto que se concretiza a
conquista dos movimentos sociais da
Educação do Campo, em âmbito de
reivindicações históricas pela formação de
educadores do campo para atender direitos
educativos diferenciados. É nesse
espaço/tempo de ganhos políticos que, em
matéria de diversidade racial e
epistemológica, o Estado brasileiro passa a
integrar diferentes protagonistas sociais e
culturas à universidade. Essa integração
fortalece as lutas contra-hegemônicas, para
então questionar, entre outros elementos: o
mito da democracia racial; as práticas
educativas coloniais; os processos de
desenraizamento das populações do campo
de suas identidades e dos seus territórios;
as injustiças ambientais e as violações dos
direitos das populações do campo e da
natureza. Todos esses elementos integram
o projeto do curso de formação de
Educadores do Campo da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e, ao tempo,
articulam possibilidades de
desestabilização da
modernidade/colonialidade imposta à
América Latina. Isto porque o referido
curso, em nosso entendimento, apresenta
aspectos potentes para “construir puentes
de convergencia entre proyectos
intelectuales, entre comunidades
interpretativas y entre las disciplinas que
estudian lo social-cultural, y también entre
éstas y los saberes locales”. (Walsh, 2013,
p. 14). Entre tais pontes, sinalizaremos as
propostas dos 12 eixos temáticos
desenvolvidos no Tempo Comunidade.
Quadro 1 - Eixos Temáticos do Tempo Comunidade - Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da
UFF.
Eixos
Objetivos
Bioética como ferramenta
filosófico-pedagógica
- Pensar a Educação do Campo a partir do recorte da bioética,
identificando e problematizando marcadores da exclusão para, enfim,
interseccioná-los.
- Incentivar a reflexão sobre preconceitos, discriminações, violências e
opressões bioéticas que atravessam as relações estabelecidas no interior,
nas escolas do campo e nos movimentos sociais rurais, com o intuito de
identificarmos vozes que permanecem subalternizadas e corpos
invisibilizados que buscam resistir nos caminhos impostos pelas regras
vigentes.
Cidadania no campo:
associativismo, sindicatos
rurais e organização no campo
na região de Santo Antônio de
Pádua
- Mapear associações, ainda existentes ou não, realizar o levantamento
de arquivos e fontes históricas para o estudo desses sindicatos e
associações rurais.
- Compreender as redes de apoio, a luta por direitos, a questão agrária na
região e o processo de construção da cidadania desses sujeitos históricos.
Cotidianos, memórias,
narrativas e história oral
- Pesquisar, a partir dos cotidianos vividos, as memórias de sujeitos
individuais e coletivos, nas suas lutas por melhores condições de
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existência, com o uso da história oral e de imagens, preconizando a
valorização das pessoas nas suas ltiplas redes educativas, na sua
inserção num amplo leque de saberes/fazeres ligados à natureza, ao meio
ambiente, à agroecologia, à educação, às diferentes culturas, às novas
formas de pensar a relação cidade/campo, dentre outros.
Educação e Justiça Ambiental
no Vale do Rio Pomba
- Investigar situações de conflitos, cenários de injustiça ambiental e
movimentos de resistência atuantes no campo, vinculados à população
camponesa, de forma especial, na região compreendida pelos municípios
que compõe o Vale do Rio Pomba.
- Promover a discussão do papel da educação junto às populações
camponesas enquanto ferramenta de resistência e empoderamento para o
enfrentamento de situações de injustiça ambiental.
Educação e Sustentabilidade:
práticas pedagógicas e
comunitárias
- Discutir e significar o conceito e as práticas educativas em
sustentabilidade, dentro e fora das escolas.
- Realizar práticas pedagógicas e comunitárias que dialogam com as
concepções de sustentabilidade associadas às experiências sociais
construídas em diferentes contextos históricos e geográficos, sobretudo
em âmbito do campesinato, aproximando os conhecimentos acadêmicos
das práticas e saberes do campo.
Educação popular em saúde:
ênfase nas crianças e mulheres
- Reconhecer a importância do saber e da experiência compartilhados em
matéria de saúde, voltados à participação, controle social e gestão
participativa; formação, comunicação e produção de conhecimento;
cuidado em saúde; intersetorialidade e diálogos multiculturais.
Direcionando-os para o cuidado em saúde, prioritariamente para crianças
e mulheres do campo, das florestas e das águas.
Mapeando as Escolas do
Campo no Rio de Janeiro
- Debruçar-se sobre um mapeamento das escolas do campo em todas as
regiões do Rio de Janeiro para construir uma pequena amostragem sobre
a região que possui ainda o maior número de Escolas do Campo.
Negrxs na Universidade:
negritude, educação e
movimentos sociais
- Propiciar aos estudantes a oportunidade de trabalhar com temas
relacionados à educação em seu mais amplo espectro. Pensando sempre
nas relações entre negritude e educação, a partir dos temas como: acesso
à universidade; construção do movimento negro universitário; técnicas
de Ensino e aplicação da Lei n
o
10639/03 nas escolas, enfatizando
Educação Indígena e Quilombola; pesquisas sobre a História do Negro
no Brasil.
Programa de Estágio em
vivência rural: práticas
interdisciplinares em
Educação do Campo
- Desenvolver ações na área de análise de processos socioterritoriais
agrários, rurais e agrícolas, tendo por foco os fenômenos que abrangem o
desenvolvimento de territórios rurais sustentáveis a partir de referenciais
da Ciência Geográfica, Agroecologia e ciências afins.
Saúde e adoecimento das
populações remanescentes:
produção de material voltado
ao cuidado da anemia
falciforme
- Criar uma proposta de intervenção junto à população remanescente no
intuito de minorar os danos causados pela anemia falciforme nas regiões
de Queimados e Cruzeirinho de Cima, locais onde foram identificadas a
anemia falciforme.
Territórios de moradia e
trabalho: organização
comunitária das famílias
trabalhadoras
- Articular e desenvolver pesquisas relativas ao campo de demandas por
espaços de reprodução sociocultural, resistências e saberes de famílias
trabalhadoras em territórios no campo e na cidade que, envolvem ações e
políticas de mobilização e organização comunitária, por meio das quais
se estabelecem específicas relações de dependência e autonomia entre
estes coletivos, associações, movimentos sociais, agências
governamentais e não governamentais.
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Trincheiras Espaciais
Simbólicas: espaço, cultura,
identidade e memória social
- Desenvolver pesquisas, intervenções, vivências na cidade de Pádua ou
outras, com objetivo de registrar, resgatar e/ou desvelar o espaço vivido,
a cultura popular e as memórias sociais construídas no cotidiano das
cidades, considerando os resíduos históricos do processo de ocupação do
solo e os elementos que possam influenciar na valorização simbólica e
econômica dos lugares na cidade.
Fonte: Elaboração nossa - Dados disponibilizados pela Secretaria do Curso (junho de 2019).
Diante dos cenários atuais de
corrosão da democracia, a Licenciatura
Interdisciplinar em Educação do Campo da
Universidade Federal Fluminense, campus
de Santo Antônio de Pádua, em seus eixos
temáticos de Tempo Comunidade, reúne
elementos decoloniais que visam promover
lutas sociais, políticas, ontológicas e
epistêmicas de libertação. Tal curso tem
como finalidade a formação de educadores
do campo que, com ênfase na área do
conhecimento de Ciências Humanas e
Sociais, está construindo um sistema de
Alternância de acordo com as
especificidades do corpo discente. No
Tempo Universidade (TU), os estudantes
podem vivenciar um currículo
interdisciplinar, com discussões e
construções epistêmicas que contemplam a
pluralidade da realidade do território
camponês brasileiro. Por sua vez, durante o
Tempo Comunidade (TC) os estudantes
potencializam práticas político-
pedagógicas, as quais lhes permitem
compreender: a realidade das escolas e das
populações do campo; o ecocídio e demais
processos de apropriação e
comercialização voraz da natureza; o
genocídio na luta pela terra e o etnocídio
dos povos originários e tradicionais, de
seus saberes, conhecimentos ancestrais e
alteridades; entre outras. A partir dessa
compreensão, contribuir,
significativamente, na construção e no
fortalecimento das lutas emancipatórias e
das práticas educativas decoloniais.
Atualmente o curso é formado por
treze docentes, vagas oriundas do
Procampo, com formações em programas
de doutoramento em diferentes áreas de
ensino: Antropologia (2); Educação (2);
Filosofia (3); Geografia (1); História das
Ciências e da Saúde (3); Psicologia Social
(1); Saúde Coletiva (1). Outros docentes do
Departamento de Ciências Humanas
(PCH), também colaboram com o curso e
oferecem disciplinas, na maioria das vezes
optativas. Por sua vez, o corpo discente é
formado por um total de 90 estudantes
matriculados e ativos; ou seja, aqueles que
estão regularmente matriculados, em
situação de inscritos em disciplinas e em
trancamento, mas que podem destrancar e
retornar aos estudos
[3]
. Dessa comunidade
universitária participaram desta pesquisa
cinco docentes e doze estudantes, cujas
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características acadêmicas serão mostradas
a seguir. A pesquisa foi orientada pelo
objetivo principal de: conhecer o processo
de construção do Tempo Comunidade,
implementado na Licenciatura
Interdisciplinar em Educação do Campo
(UFF) para, então, identificar os elementos
pedagógicos decoloniais que potencializam
a formação de educadores do campo.
Quadro 2 - Características acadêmicas dos sujeitos da pesquisa e vinculação ao Tempo Comunidade.
Eixos Temáticos do Tempo Comunidade
Docentes
Coordenação de Eixos
Estudantes
Áreas de
formação
Ingresso no
curso
Períodos que estão
cursando
Bioética como ferramenta filosófico-pedagógica
Filosofia
(P2
*
)
Março/ 2016
3
o
Período (E7
**
; E8)
Cidadania no campo: associativismo, sindicatos
rurais e organização no campo na região de
Santo Antônio de Pádua
---
---
5
o
Período (E12)
Cotidianos, memórias, narrativas e história oral
---
---
8
o
Período (E3)
Educação e Sustentabilidade: práticas
pedagógicas e comunitárias
---
---
5
o
Período (E10)
8
o
Período (E1; E9)
Mapeando as Escolas do Campo no Rio de
Janeiro
Antropologia
(P1)
Julho/
2014
#
1
o
Período (E11)
Negrxs na Universidade: negritude, educação e
movimentos sociais
História
(P3)
Dezembro/
2013
#
3
o
Período (E4; E5)
Programa de Estágio em vivência rural: práticas
interdisciplinares em Educação do Campo
Geografia
(P5)
Fevereiro/
2016
8
o
Período (E3)
Saúde e adoecimento das populações
remanescentes: produção de material voltado ao
cuidado da anemia falciforme
História
(P4)
Agosto/
2015
3
o
Período (E6)
Fonte: Elaboração nossa - Dados da pesquisa (junho de 2019).
*Código atribuído para identificação das entrevistas de docentes.
**Código atribuído para identificação das entrevistas de estudantes.
#Docentes que trabalharam no processo de implementação do curso, o que ocorreu em março de 2015.
A colaboração dos cinco docentes e
dos doze estudantes com a pesquisa
aconteceu por meio da realização de
entrevistas semiestruturadas, nas quais os
dados foram coletados em junho de 2019.
Todas as entrevistas foram realizadas de
forma aleatória, de acordo com as
respostas positivas aos convites feitos a
oito docentes -com maior antiguidade de
atuação no curso- e quatorze estudantes.
Ademais das entrevistas, realizamos
análise documental de todos os doze
projetos dos eixos temáticos do Tempo
Comunidade, concentrando-nos nos
objetivos dos mesmos, tal como
apresentado no quadro 1. Para tratamento e
análise dos dados, utilizamos o software de
domínio público R e, em seguida,
elaboramos um gráfico de nuvens de
palavras. Com os resultados apontados no
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gráfico e com o marco teórico da pesquisa,
estabelecemos as seguintes categorias de
análise: a) importância atribuída ao Tempo
Comunidade; b) aprendizagens que
docentes e estudantes consideram mais
significativas; c) conhecimentos que foram
potencializados na formação.
As abordagens teóricas adotadas na
pesquisa se inscrevem nas seguintes
colonialidades: do poder, a qual determina
os processos econômicos e políticos; do
saber, uma vez que esta estabelece as
violências epistêmicas, linguísticas e
culturais; do ser, a qual assegura a
opressão e controle dos desejos, da
sexualidade e das funções sociais
atribuídas aos gêneros (Mignolo, 2007).
Todas essas categorias analíticas
determinam a vida das populações do
campo, por isso destacamos, nesta
pesquisa, a colonialidade do saber,
pensada enquanto práticas educativas
coloniais e, portanto, opressoras das
diversidades -culturais, raciais e de gênero-
, promotora de violências epistêmicas,
desenraizadoras dos sujeitos do campo das
suas identidades e dos seus territórios.
Pensar a desestabilização dessa
colonialidade, principalmente nos
processos de formação de educadores do
campo, representa uma conquista na luta
por direitos educativos diferentes daqueles
produzidos pelo pensamento eurocêntrico.
Isto porque, “a colonialidade do saber nos
revela ... um legado epistemológico do
eurocentrismo que nos impede de
compreender o mundo a partir do próprio
mundo em que vivemos e das epistemes
que lhes são próprias”. (Porto-Gonçalves,
2005, p. 3).
Com esses argumentos, pensar em
processos educativos a partir do próprio
mundo e das epistemes, como assinalado
por Porto-Gonçalves (2005), insere o
Tempo Comunidade enquanto prática
educativa em giro decolonial, por razões
diversas as quais abordaremos
posteriormente. Por isso, a posição
epistemológica assumida nesta pesquisa
reitera o pensamento de Mignolo (2007, p.
29), quando defende que el giro
decolonial es la apertura y la libertad del
pensamiento y de formas de vida - otras
(economías-otras, teorías políticas-otras);
la limpieza de la colonialidad del ser y del
saber”. Especialmente, ao destacar que o
giro decolonial representa o “el
desprendimiento de la retórica de la
modernidad y de su imaginario imperial
articulado en la retórica de la democracia
... tiene como razón de ser y objetivo la
decolonialidad del poder (es decir, de la
matriz colonial de poder)”. (Mignolo,
2007, p. 29-30). Tal matriz constitui-se
enquanto elemento estruturante da
sociedade brasileira, operacionalizada,
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sobretudo, por uma lógica educativa
colonial, mas que a Pedagogia da
Alternância tem apresentado respostas
contra-hegemônicas interessantes.
A Pedagogia da Alternância,
enquanto uma dessas respostas contra-
hegemônicas à colonialidade do saber,
demarca o campo teórico-metodológico e
epistemológico da Educação do Campo,
desde outras leituras e compreensões do
mundo e da realidade. Principalmente, sob
a ótica dos sujeitos sociais subalternizados,
silenciados e ultrajados pela
colonialidade/modernidade. Entre eles os
atores sociais do campo que, somente na
última década, conseguiram materializar,
por meio das lutas sociais e políticas,
processos de formação de educadores do
campo para atender suas demandas
históricas. Nessa ótica, inserimos-nos,
estudantes e docentes da Licenciatura
Interdisciplinar em Educação do Campo da
UFF, para então reescrevermos a nossa
história na perspectiva do Tempo
Comunidade. Na reescrita, articulamos
uma proposta de pesquisa qualitativa
interpretativa que, pensada a partir do
enfoque teórico-metodológico decolonial,
apresenta-se como uma ferramenta crítica
para desvelar a realidade social.
A realidade social a qual nos
referimos está submersa nos elementos
históricos, econômicos, políticos sociais e
ambientais, enquanto marcas de cinco
séculos de invasão, apropriação e violência
na América Latina (Andrade, 2018; 2019).
Logo, a abordagem interpretativa, nos
ajudará a compreender essa realidade,
especificamente os processos de
colonização das instituições educativas e
dos saberes que nelas são privilegiados. Ao
tempo, nos auxiliará na análise dos dados e
na construção da narrativa, pensada com os
sujeitos do curso da Educação do Campo
da UFF, uma vez que a abordagem
interpretativa “é sempre a produção de um
novo significado sobre eventos que, em seu
relacionamento, não tem significados a
priori. A interpretação das informações
ocorre ao longo de toda a pesquisa e vai
alimentando novas construções no
processo”. (Rossato & Martínez, 2017, p.
344). A abordagem interpretativa envolve,
nesta pesquisa, a leitura do mundo a partir
do cenário próprio do pesquisador, na qual
a interpretação é construída em termos de
significados aos quais atribuímos valor
simbólico.
As construções simbólicas
interpretativas, pensadas com a Educação
do Campo, com a Pedagogia da
Alternância e, assim, refletida no Tempo
Comunidade, traduzem as formas como
“cada pesquisador constrói e reconstrói o
problema de pesquisa tecido pelas suas
vivências e percepções sociais, históricas,
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culturais e, principalmente,
epistemológicas, que é o que possibilita
reconhecer a existência de um problema de
pesquisa”. (Rossato & Martínez, 2017, p.
344). Desse modo, nossas análises
interpretativas, em âmbito epistemológico
nessa pesquisa, foram estabelecidas, por
um lado, por meio das contribuições
acadêmicas provocadas com/e por
interlocutores como: Aníbal Quijano,
Carlos Walter Porto-Gonçalves, Catherine
Walsh, Edgardo Lander, Marlene Ribeiro,
Miguel Arroyo, Mônica Molina, Nelson
Maldonado-Torres, Ramón Grosfoguel,
Roseli Caldart e Santiago Castro-Gómez,
entre outros. No que diz respeito ao
problema de pesquisa, voltamo-nos, por
outro lado, ao reconhecimento de uma
dívida histórica em matéria de racismo
epistêmico contra as populações do campo.
Por essa razão, mantivemo-nos fiéis aos
discursos, obtidos por meio das entrevistas,
de alguns atores políticos que
protagonizam a proposta de Educação do
Campo na UFF.
Outras formas de compreender o
mundo: a experiência da Educação do
Campo na UFF
A Pedagogia da Alternância, na sua
proposta de Tempo Universidade e Tempo
Comunidade, se apresenta como uma
aposta política decolonial, a qual
possibilita diálogos entre as mais diversas
epistemes existentes na América Latina.
Em sua essência, promove novas
prospectivas pluralistas de produção de
saberes que, no Tempo Comunidade, têm
como objetivo “integrar a atuação dos
sujeitos educandos na construção do
conhecimento necessário à sua formação”.
(Molina & Freitas, 2011, p. 28). Mostra-se,
dessa forma, como uma importante
ferramenta de ruptura epistemológica que
desestabiliza as lógicas hegemônicas de
produção de conhecimento. Sinaliza,
assim, oportunidades pedagógicas de
libertação dos moldes coloniais de
educação, sobretudo quando destaca a
importância do Tempo Comunidade na
minimização do abismo existente entre
teoria e prática. Ademais, quando defende
o princípio de liberdade humana dos povos
do campo que, enquanto sujeitos-
históricos, organizam e articulam as lutas
sociais emancipatórias em defesa do seu
território, da sua identidade e da sua
ancestralidade. Todas essas questões foram
apresentadas nas entrevistas realizadas à
comunidade da Licenciatura
Interdisciplinar Educação do Campo da
UFF, as quais podem ser visualizadas no
gráfico a seguir.
Gráfico 1 Percepção de estudantes e docentes sobre o Tempo Comunidade.
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Fonte: Elaboração nossa - Dados da pesquisa (2019).
Os dados da pesquisa, expostos no
gráfico 1, reiteram a importância atribuída
ao Tempo Comunidade na formação de
educadores do campo. A construção desse
gráfico de nuvens de palavras atende a
duas demandas específicas da pesquisa: a)
apresentação, resumida, das falas obtidas
por meio das entrevistas; b) definição das
categorias de análise que foram
privilegiadas, a partir das palavras que se
mostraram reiterativas nos discursos dos
doze estudantes e dos cinco docentes. De
acordo com as informações expostas no
gráfico, de um total de 553 palavras
obtidas após a etapa de tratamento dos
dados coletados em duas perguntas da
entrevista, constituíram-se enquanto objeto
de análise as seguintes palavras com as
suas respectivas frequências: Tempo-
Comunidade (6,5%); importante (4,2%);
aprendizados (3,8%); estudantes (3,4%);
formação (2,7%); conhecimentos (2,3%).
Com base na repetição dessas palavras,
estabelecemos três categorias de análise,
tal como descritas na metodologia da
pesquisa. Os resultados que se inscrevem
nessas categorias serão apresentados por
meio de uma construção dialética que
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privilegia os discursos, obtidos por meio
das entrevistas, enquanto material de
primeira mão.
Pontes, lutas sociais e epistêmicas: a
importância do Tempo Comunidade na
formação de educadores do campo
As produções teórico-metodológicas
têm destacado a relevância e as
potencialidades da Pedagogia da
Alternância na formação dos sujeitos do
campo, em meio século de constituição e
de consolidação no cenário brasileiro
(Cordeiro et al., 2011). Essa relevância é
reiterada nos discursos dos estudantes e
dos docentes que protagonizaram essa
pesquisa, cujas respostas se complementam
e, ao tempo, revelam a diversidade de
ideias que caracterizam a importância
atribuída ao Tempo Comunidade. Essa
diversidade fortalece as bases estruturais
da Pedagogia da Alternância e, assim,
propõem outros horizontes educativos
contra-hegemônicos, os quais variam em
movimentos educativos decoloniais, uma
vez que “o viver precede o aprender”.
(Arroyo, 2014, p. 254). No curso de
Educação do Campo da UFF, esses
movimentos se consolidam na percepção
dos sujeitos que protagonizam o Tempo
Comunidade; isto é, os eixos temáticos
privilegiados. Tais eixos, são formados de
modo a atender às demandas dos
estudantes do curso, voltadas a (re)criar e a
potencializar os conhecimentos
acadêmicos, a partir das realidades e das
comunidades compartilhadas. Sobre essa
questão, os sujeitos da pesquisa destacam
que:
O Tempo Comunidade permite um
envolvimento com o tema não a
partir da mediação com os livros,
textos e filmes que nós
evidentemente precisamos trabalhar
enquanto ferramenta de
entendimento de mundo, mas eles
ampliam, nos recolocam no mundo.
O Tempo Comunidade nos convida a
protagonizar os textos, as lutas, as
causas que a gente se envolve dentro
de cada disciplina nas salas de aula.
Rompe com a própria compreensão
do significado de uma disciplina de
um curso e também de universidade,
entendendo que a produção de
conhecimento ela se dentro de
sala de aula, dentro dos espaços
formais educativos, mas também se
dá fora desses espaços (P2).
As informações da pesquisa
ressaltam que o Tempo Comunidade se
destaca em importância social, política e
epistêmica, quando recoloca o estudante
em sua própria comunidade, não apenas na
condição de estudante, mas, também, como
educador em potencial, fruto daquela
realidade. Esse argumento se fortalece no
discurso de um dos entrevistados ao
enfatizar que “foi no Tempo Comunidade
que me reaproximei das escolas do campo,
não como aluno, mas como educador,
alguém disposto a mudar a realidade
política e social com um viés libertador,
através da educação emancipadora que o
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curso e o Tempo Comunidade
proporcionam” (E9). Essa reaproximação
com a comunidade a que pertence,
ressignifica a percepção crítica de sua
realidade, produzindo pedagogias e
movimentos decoloniais que dialogam em
sentido à transformação das estruturas
sociais emancipatórias. Possivelmente, tais
movimentos se fortalecem em função de
que “a leitura crítica do mundo é um que-
fazer pedagógico-político indicotomizável
do que-fazer político-pedagógico, isto é, da
ação política que envolve a organização
dos grupos e das classes populares para
intervir na reinvenção da sociedade”.
(Freire, 2000, p. 21). Nessa reinvenção...
A Alternância, o papel dela nessa
pedagogia é fazer uma conexão de
conhecimentos. Conhecimentos que
você tem na sua vida cotidiana com
conhecimento que você aprende na
universidade e, mais do que isso, a
interconexão desses saberes, dos
saberes práticos que você constrói
cotidianamente com os saberes da
universidade. Então, a Alternância
tem um papel crítico de construção
interativa desse conhecimento e que
vai propiciar, para o aluno de
Educação do campo, uma percepção
muito crítica sobre o mundo que o
cerca e sobre o conhecimento, uma
possibilidade prática de interações do
conhecimento, e isso eu acho
fundamental (P4).
De acordo com os discursos
apresentados, o Tempo Comunidade tem
se mostrado um importante princípio
teórico-metodológico que ajuda a romper
com a lógica colonial, pautada no padrão
da modernidade de poder/saber. A
construção e fundamentação dessa lógica,
historicamente, tem como base “uma
específica racionalidade ou perspectiva de
conhecimento que se torna mundialmente
hegemônica colonizando e sobrepondo-se
a todas as demais, prévias ou diferentes, e
a seus respectivos saberes concretos”.
(Quijano, 2005, p. 115). Ao contrário
disso, o Tempo Comunidade mostra-se
dialética e politicamente uma proposta
decolonial, caracteriza as lutas históricas
de diferentes atores sociais, refletidas no
tempo atual. Entre essas lutas destacamos o
discurso que pontua o eixo temático que
contempla discussões sobre o
Ecofeminismo; ou seja “... a importância
da luta das mulheres pela Terra. Estamos
tentando mostrar uma vertente feminista
que apoia a luta dessas mulheres e que diz
que para existir uma verdadeira
emancipação das mulheres, o feminismo e
a agroecologia devem andar de mãos
dadas” (E8). Para além dos ganhos
dialéticos e políticos que se inscrevem no
âmbito da formação dos educadores, a
importância do Tempo Comunidade
revela-se, também, para as comunidades.
Tal como enfatiza o discurso do estudante,
apresentado a seguir:
Estou finalizando o período. Faço
parte do eixo Educação e
Sustentabilidade. O Eixo tem
amplificado a minha forma de
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entender as ferramentas da Educação
do Campo e como utilizá-las. No
eixo, tenho trabalhado junto com
dois amigos, sobre o fechamento de
escolas do campo, ... estamos
estudando e aplicando no campo,
conhecimentos que proporcionamos
no eixo. Estamos registrando a luta
da educação no Noroeste Fluminense
e comparando escolas do campo que
estão sendo fechadas e outras que
estão tendo investimento e sendo
reformadas. Estamos registrando em
vídeo áudio, em forma de
documentários. Nossa intenção é
publicar diversos artigos e trabalhos,
disponibilizando o material para
fortalecer a luta (E10).
As falas dos protagonistas da
pesquisa ressaltam, de diferentes formas, a
importância do Tempo Comunidade na
visão dos estudantes e docentes. As
entrevistas sinalizam que o estreitamento
de laços entre docentes-estudantes-
comunidades tem provocado, também,
uma universidade mais humanizada, a qual
reconhece a importância das trajetórias de
vidas e que, portanto, busca formar
educadores dispostos a pensar as escolas,
os sujeitos e as aprendizagens na sua
pluralidade. Nessa provocação, o Tempo
Comunidade tem assumindo um papel
central no curso de Educação do Campo,
pois cria pontes para aproximar sujeitos e
saberes historicamente separados. Sobre
esta questão, a fala de um dos docentes
entrevistados justifica o uso da metáfora da
ponte, uma vez que o Tempo Comunidade
“é realmente a ponte entre dois espaços
que, infelizmente na forma como a
sociedade se organizou, e se organiza
ainda, são colocados como separados por
muros, fronteiras, enfim, muitas vezes
muros e fronteiras invisíveis” (P2).
A ideia de ponte é reiterativa nos
discursos dos demais participantes da
pesquisa, sobretudo quando situam que “o
Tempo Comunidade acaba, de fato,
promovendo uma ponte entre esses dois
momentos, que muitas vezes estão
apartados da formação. A formação se
concretiza quando você tem essa dialética,
essa integração entre as duas partes” (P1).
Os discursos indicam que o Tempo
Comunidade é de grande importância na
desestabilização da
colonialidade/modernidade, pautada na
lógica do poder/saber, uma vez que coloca
em debate o argumento de “que qualquer
narrativa da modernidade que não leve em
conta o impacto da experiência colonial na
formação das relações propriamente
modernas de poder é não apenas
incompleto, mas também ideológico”.
(Castro-Gómez, 2005, p. 80). Na pauta da
narrativa ideológica, não podemos deixar
de citar os saberes esquecidos,
marginalizados e perdidos, em detrimento
das práticas educativas coloniais em mais
de cinco séculos de invasão, apropriação e
violência na América Latina. Contudo, a
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Educação do Campo vem construindo
pontes para confrontar essa realidade.
Tempo Comunidade e a proposta
decolonial: reaprender com os
territórios e com os sujeitos do campo
O caráter pedagógico decolonial,
proposto pela Pedagogia da Alternância,
faz com que o processo de ensino-
aprendizagem na Educação do Campo se
torne mais significativo para os estudantes.
A ressignificação acontece por meio do
Tempo Comunidade, na real aproximação
ao contexto que os estudantes estão
inseridos; bem como, a partir do uso social
e político dos conhecimentos adquiridos no
Tempo Universidade, colocando-os em
ações práticas para sua comunidade. Nesse
sentido, nos propusemos a analisar,
também, quais as aprendizagens que os
docentes e os estudantes consideram mais
significativas, construídas no Tempo
Comunidade. Uma dessas aprendizagens,
de acordo com os protagonistas da
pesquisa, está relacionada à possibilidade
de se engajar e contribuir em causas e lutas
sociais das suas comunidades. Ademais, a
aproximação da academia com a
sociedade; isto é, o estreitamento dos
laços, ou mesmo construção de pontes, na
tentativa de promover uma atuação ativa
voltada aos processos de liberdade,
autonomia e defesa de direitos educativos
diferenciados das comunidades do campo.
Essa aprendizagem, no sentido de
construção da luta social, é destacada no
discurso a seguir:
É muito importante trazer a realidade
das nossas comunidades para dentro
da universidade, e isso temos feito
através do Tempo Comunidade. Os
resultados são excelentes, como por
exemplo, depois de dois anos de
muita luta e resistência ainda
permanecemos com a escola Alice do
Amaral em pleno funcionamento
[4]
, é
relevante se analisarmos que no
Estado do Rio de Janeiro foram
fechadas 232 escolas do campo em
quase uma década, e das cinco
escolas consideradas do campo pela
Secretaria de Educação aqui em
Pádua; três foram fechadas em
menos de dois anos. Nosso eixo foi e
está sendo desenvolvido em cada
período que passamos, estamos
aprendendo em cada comunidade que
convivemos, superando e resistindo
contra os desafios existentes na
Educação do Campo (E9).
As ideias de aprendizagens voltadas
às demandas sociais das comunidades
revelam-se como elemento representativo
nas falas, principalmente dos estudantes
quando destacam que “precisamos ter uma
educação que fale a partir da realidade
social de cada aluno, e assim, alcançar uma
mudança educacional em nossa sociedade,
e fazer, de fato, essa aproximação e
eliminar de vez o distanciamento entre
escola e sociedade” (E9). Sendo assim, os
dados indicam que o Tempo Comunidade
contempla uma natureza crítica, das mais
distintas formas, para confrontar a
colonialidade e, portanto, promover
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ferramentas pedagógicas de fortalecimento
das lutas sociais contemporâneas. Em tal
natureza reside muitos elementos que
traduzem a reflexão-ação, uma das
características marcantes da educação
popular, a qual tem desempenhado um
papel importante na organização das lutas
dos movimentos sociais do campo,
reciprocamente. Isto porque, “las luchas
sociales también son escenarios
pedagógicos donde los participantes
ejercen sus pedagogías de aprendizaje,
desaprendizaje, reaprendizaje, reflexión y
acción”. (Walsh, 2013, p. 29). A reflexão-
ação é promovida por meio da
convivência, do respeito às diferenças nas
diversas formas de pensar e existir,
assinalada por um dos docentes:
... o maior aprendizado é a troca, a
troca e o convívio com outro, isso é
fundamental. Também essa questão
da solidariedade da construção de
laços, essa amizade que é feita com a
comunidade local onde nós estamos
inseridos, acho que é o maior
aprendizado. É a própria experiência
do aluno no campo, no dia a dia, no
fazer, no educar, no crescer juntos
(P4).
A valorização das aprendizagens
construídas na convivência é um aspecto
extremamente potente do Tempo
Comunidade, uma vez que valoriza a
experiência social dos grupos construída
historicamente. Os sujeitos da pesquisa
entendem que “o conhecimento não é
passado em sala de aula. Temos
oportunidade de conversar e dialogar com
pessoas que realmente vivem no campo,
pessoas que falam pela sua experiência
pessoal” (E8). Outro estudante enfatizou,
ainda, que “em todos os aspectos houve
sempre grande aprendizado, porém,
significativamente a proximidade com a
comunidade” (E1). Portanto, o Tempo
Comunidade se torna um espaçotempo
propício para promover o giro decolonial;
isto é, “un cambio de perspectiva y actitud
que se encuentra en las prácticas y formas
de conocimiento, ... un proyecto de
transformación sistemática y global de las
presuposiciones e implicaciones de
modernidad, asumido por una variedad de
sujetos en diálogo”. (Maldonado-Torres,
2007, p. 160). Essa possibilidade de
diálogos é outra aprendizagem que os
protagonistas destacam, pois a Pedagogia
Alternância permite conexões entre as mais
diferentes epistemologias existentes, tal
como destaca o docente a seguir:
Os aprendizados vinculados ao
Tempo Comunidade mais
significativos se estabelecem na
medida que nós conseguimos fazer
leitura e releitura do nosso espaço
vivido. Das nossas práticas
cotidianas, dentro das nossas
comunidades, com auxílio do
arcabouço teórico e das ferramentas
teóricas que a gente adquire no
Tempo Universidade. Então quando
a gente consegue estabelecer esse
diálogo, essa reflexão, está o
tesouro dessa aprendizagem (P5).
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
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Os discursos de estudantes e
docentes se retroalimentam e, por
conseguinte, reiteram que o Tempo
Comunidade critica quaisquer ações
excludentes presentes nas relações
verticalizadas impostas pela
colonialidade/modernidade do saber. Isto
porque, a modernidade, vista desde o
pensamento decolonial, “é uma máquina
geradora de alteridades que, em nome da
razão e do humanismo, exclui de seu
imaginário a hibridez, a multiplicidade, a
ambiguidade e a contingência das formas
de vida concretas”. (Castro-Gómez, 2005,
p. 80). Dessa forma, o Tempo Comunidade
além de promover aprendizagens
significativas, também propõe uma
transgressão ao modelo hegemônico de
educação, para então criar uma nova
pedagogia. Enquanto formas de vida
concretas, o Tempo Comunidade coloca
em pauta “os saberes tradicionais, os
saberes que os alunos trazem consigo a
partir das suas vivências nas suas
comunidades, práticas que vão
estabelecendo dentro da vida ...
relacionadas ao seu modo de vida, seu
trabalho e sua forma de trabalhar” (P5).
Enquanto transgressão, destacamos o
seguinte discurso: “a aprendizagem de que
mais me chamou atenção no meu eixo foi
ver um pouco mais da organização
educacional do MST aqui no estado do Rio
de Janeiro” (E11).
Formas de vidas concretas e
transgressão formam uma nova perspectiva
pedagógica decolonial, uma vez que o
Tempo Comunidade na UFF contempla
sujeitos-históricos, epistemologias e
territorialidades que foram subalternizados
pelo processo de colonização. Mas que,
historicamente, reinventam as lutas contra-
hegemônicas, quando compartilham,
comunidades-estudantes-docentes, as
experiências de resistência histórica aos
elementos que caracterizam a colonização.
Reinventam, assim, outras aprendizagens
que somente são possíveis por meio da
construção da experiência, nas quais “o
Tempo Comunidade é de minha
sensibilidade enquanto um tempo de
entender e experienciar o campo em suas
diversas categorias de análise referenciadas
em salas de aulas, e mesmo as não
referenciadas” (E12). Para além disso,
permite “aos alunos do curso se deleitem
com as infinitas experiências de análise
que o Campo tem a nos oferecer, onde
talvez nunca tivemos ou teríamos tal
possibilidade” (E12). Com esses discursos,
entendemos que o Tempo Comunidade
potencializa aprendizagens únicas, as quais
não podemos adjetivá-las, pois cada uma
representa modos de vidas e de leituras de
mundo singulares.
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
decolonial: a experiência do Tempo Comunidade na Universidade Federal Fluminense (UFF)...
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A experiência do Tempo Comunidade:
habilidades e conhecimentos
potencializados
Ao analisarmos os dados expostos no
gráfico 1, relacionando-os à terceira
categoria de análise estabelecida -
conhecimentos que, na visão dos
protagonistas da pesquisa, foram
potencializados com o Tempo
Comunidade-, é possível observar nas
respostas de estudantes e docentes alguns
pontos que se destacaram. Um desses
refere-se às pesquisas que são construídas
durante o Tempo Comunidade, as quais
potencializam, não somente o olhar de
pesquisador dos estudantes, mas os coloca
diante da realidade, em um processo de
reflexão-ação. Nos discursos de docentes e
estudantes, essa característica do Tempo
Comunidade constitui-se como algo
fundamental, pois em função da inserção
dos estudantes na pesquisa, desde o
primeiro período do curso, “os alunos da
Educação do Campo acabam tendo uma
maior facilidade, digamos assim, de
transitarem nessas possibilidades da
academia” (P1). Em seu discurso, a
docente P1 complementa, ainda, que o
“Tempo Comunidade essa segurança
para o momento de pesquisa, de um olhar
de pesquisador, de observador em campo,
trabalhos de campo, mesmo que alguns
grupos não sejam trabalho de campo”.
Nesse processo de pesquisa, os docentes
também aprendem, a fala a seguir traduz
essas aprendizagens:
... o maior aprendizado é o
aprendizado de pesquisa, mas na
prática da pesquisa. Os alunos na
construção do nosso Tempo
Comunidade, como ele é na UFF,
pronuncia isso, a construção do
aluno, ele como aluno pesquisador.
No caso específico do meu tempo
comunidade, o que mais foi
apreendido, acredito eu, foi a questão
de si, do seu papel no mundo
acadêmico. Esses alunos ao se
perceberem como negros, uma
pessoa que tem uma série de
percalços e barreiras de entrada na
universidade, entendem o quanto a
sociedade brasileira é estruturalmente
racista. Esses são um dos
aprendizados que eu acho
importante, os alunos percebem o
quanto existe um funil para entrada
no ensino superior. Quanto maior o
nível do ensino, mais difícil é a
entrada para o estudante negro, e eu
acho que isso é o grande aprendizado
na prática (P3).
A importância atribuída às
potencialidades da formação, pensada com
a pesquisa, revela-se, também, no discurso
de outro docente que enfatiza que “embora
sejamos uma licenciatura, também desde o
primeiro período todos e todas se
colocam na condição de pesquisadoras e
pesquisadores” (P2). Para além das
habilidades conquistadas por meio da
pesquisa, destacamos os conhecimentos
potencializados que, para os protagonistas
da pesquisa, relacionam-se aos saberes dos
povos do campo. Tais saberes, devido às
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lógicas coloniais opressoras, ocuparam um
lugar de inferioridade epistemológica,
imposto desde o início da invasão europeia
na América Latina. Nesse sentido, como
elucida Lander (2005, p. 10), “com o início
do colonialismo na América inicia-se não
apenas a organização colonial do mundo
mas -simultaneamente- a constituição
colonial dos saberes, das linguagens, da
memória”. Ao levar isso em consideração,
o Tempo Comunidade, ao assumir uma
posição pedagógica decolonial, desarticula
essa colonialidade do saber, trazendo para
o espaço acadêmico os saberes das
populações tradicionais e camponesas, tal
como sinaliza o discurso a seguir:
O Tempo Comunidade não
oficializa o processo de produção e
realização dos saberes do Povo, dos
saberes tradicionais, mas ele valoriza
esses saberes dentro de uma proposta
dialógica, entre saber científico e
saber tradicional. E, também, ajuda a
tensionar dentro da academia essa
perspectiva de conhecimento
universal que universaliza as
propostas e as perspectivas coloniais
europeias e subjugam, desacreditam,
diminuem os saberes dos povos
originários, então o Tempo
Comunidade é mais que essencial
(P5).
O papel emancipador das
colonialidades assumido pelo Tempo
Comunidade revela-se constantemente nos
dados da pesquisa, sobretudo quando os
estudantes enfatizam que “sua política
pedagógica é diferenciada e libertadora.
Contradiz a lógica de ensino convencional
e podemos dizer que também a conjuntura
na sociedade contemporânea” (E1).
Igualmente, reconhecem que “o curso
ocupa a linha de frente em uma batalha
contra as diversas formas de opressão, tal
posicionamento nos desperta um senso
crítico e intolerante frente às ações de
exclusão, discriminação e intolerância
(E7)”. As ações citadas podem ser
diversas, mas se encontram em um ponto
de convergência; isto é, na colonialidade
do saber, potencializada por meio do
racismo epistêmico. Tal racismo é uma das
categorias de racismo menos discutida no
sistema capitalista e eurocêntrico, uma vez
que considera os conhecimentos
produzidos fora do mundo ocidental, como
inferiores aos conhecimentos eurocêntricos
(Grosfoguel, 2007). Para desestabilizar
essa colonialidade, “o Tempo Comunidade
proporcionou esse encontro, de saberes e
histórias que muitas vezes, não chegam à
universidade” (E9).
Os discursos de estudantes e
docentes, com os quais construímos essa
pesquisa, colocam no centro do diálogo as
habilidades e os conhecimentos que são
potencializados no Tempo Comunidade.
Conhecimentos que superam os objetivos
propostos nas ementas das disciplinas, mas
que se refletem enquanto diálogos
interepistêmicos com diferentes sujeitos e
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territórios, os quais contribuem para o
enriquecimento da formação dos
educandos do campo. Na pauta de tais
diálogos, os conhecimentos que são
potencializados apresentam-se diversos,
inclusive “a relação das ervas medicinais
com os modos de vida e a forma como
perpassa gerações” (E3). Isso é possível
mediante o caráter interdisciplinar do curso
de Educação do Campo da UFF, uma vez
que os eixos temáticos do Tempo
Comunidade dialogam e se
complementam. Esses diálogos, de acordo
com os objetivos dos eixos temáticos,
acontecem na perspectiva de potencializar
os conhecimentos que se inscrevem,
principalmente, nas seguintes
interseccionalidades: ambiente; nero;
raça; saúde; território; movimentos sociais.
Todos os conhecimentos
potencializados no Tempo Comunidade, a
partir dessas interseccionalidades, revelam-
se na formação dos estudantes de
Educação do Campo da UFF. Ademais, o
Tempo Comunidade permite aos
estudantes acesso antecipado ao futuro
profissional, pois, “muitas vezes, estamos
conhecendo nosso campo de trabalho, que
são as escolas e os povos dos campos”
(E10). Esses aspectos revelam algumas das
potencialidades do Tempo Comunidade, as
quais, conforme sugerido por um dos
docentes, poderiam ser aproveitadas para
fortalecer a experiência da formação em
outros cursos de graduação. Por isso, a
percepção desse docente -P4- “é a mais
promissora possível. Eu vejo coisas
grandes para esse curso, tem grande
potencial que é importante sim para nossa
sociedade e para o educador”.
Complementa, ainda, “acho que esse
modelo, que é o modelo essencialmente
inovador, poderia ser aplicado em outros
cursos também, porque levar essa vivência
seria muito importante” (P4). Todas essas
potencialidades apenas têm significado em
função das lutas históricas dos movimentos
sociais que, ainda em construção, desafiam
as lógicas coloniais do tempo presente, seja
nas universidades, seja nas formas de
pensar e projetar a educação.
Algumas considerações tecidas com o
Tempo Comunidade...
Com esta pesquisa foi possível
destacar que, entre outros aspectos, a
construção da Pedagogia da Alternância na
Licenciatura Interdisciplinar em Educação
do Campo da UFF acontece em
espaços/tempos emancipatórios das
colonialidades impostas à América Latina.
O Tempo Comunidade, nesse curso,
potencializa conhecimentos, aprendizagens
e habilidades pensadas em espaços sociais
historicamente marginalizados pela lógica
da modernidade saber/poder, tais como:
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
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assentamentos, quilombos, sindicatos de
trabalhadores rurais, movimentos sociais,
escolas do campo e a própria vida no
campo. Revela-se, desse modo, como um
laboratório de experiências sociais,
políticas e ambientais que desafiam e
desestabilizam, de diferentes formas, o
projeto de colonialidade/modernidade que
impera em território nacional. Apesar
dessa e de outras conquistas significativas
do curso, as tensões políticas atuais
ampliam, novamente, a ideologia da
negação do direito à educação diferenciada
para as populações do campo. Isso porque,
algumas ações políticas do governo federal
atual têm promovido medidas de
contingenciamento de investimentos
destinados à educação pública, as quais
comprometem, diretamente, a existência e
a permanência dos cursos de Educação do
Campo nas universidades federais.
Em âmbito local, os resultados da
pesquisa indicam que estudantes e
docentes da Educação do Campo da UFF
enfrentam dificuldades, diariamente, para
desenvolverem o projeto ideológico da
Educação do Campo, de forma a atender as
especificidades da comunidade acadêmica
do curso. Uma dessas dificuldades está
relacionada à fragilidade da infraestrutura
física da UFF, Campus de Santo Antônio
de Pádua, para promover o acesso e a
permanência das populações do campo na
universidade. A ausência dessa
infraestrutura, principalmente alojamentos
e restaurante universitário, resulta na
desistência e no distanciamento de
estudantes procedentes de aldeias
indígenas, quilombos e outros centros
rurais. Para além disso, a monocultura do
saber apresenta-se como outra dificuldade
encontrada pela comunidade acadêmica do
curso, uma vez que na universidade
predominam, ainda, as lógicas coloniais de
produção do saber, as quais pouco
dialogam com a concepção de produção da
experiência, pautada em outras
epistemologias que não sejam as
ocidentais. Logo, a concepção de
monocultura do saber contribui para que a
própria universidade tenha dificuldades em
compreender, em sua integralidade, a
Pedagogia da Alternância e, por
conseguinte, o Tempo Comunidade. Em
outras palavras, a importância do Tempo
Comunidade para a Educação do Campo
enquanto proposta emancipatória
decolonial, desestabilizadora da opressão e
da subalternização epistemológica
colonial.
Mesmo com as dificuldades
encontradas pela comunidade acadêmica
do curso de Educação do Campo da UFF,
os resultados da pesquisa sinalizam,
também, a importância do Tempo
Comunidade como espaço de construção e
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fortalecimento de autonomias, de
participações e de colaborações em
diferentes frentes sociais. Entre elas, a
articulação em movimentos sociais que
desencadearam no impedimento do
fechamento de escolas do campo na região.
Todas essas questões revelam, portanto, a
potencialidade do Tempo Comunidade
para a projeção e compromisso com as
responsabilidades compartilhadas, em
defesa de direitos educativos diferenciados.
Especialmente, quando a união entre
estudantes e docentes da UFF, moradores
da comunidade local e funcionários da
Escola Municipal Alice do Amaral
Peixoto, localizada na zona rural da cidade
de Santo Antônio de Pádua- RJ, impediram
que a referida escola fosse fechada pelo
poder Público Municipal. Todos esses
aspectos podem ser considerados como
elementos pedagógicos decoloniais
identificados na construção do curso.
Para além disso, os resultados
destacam o Tempo Comunidade como
provocador de tensões políticas
emancipatórias, uma vez que a
aproximação, os laços de afetividade, a
amizade e a experiência social construída
com as comunidades, contagiam outros
atores sociais a se insurgirem contra as
práticas de violências e negação de
direitos. Ressaltam, também, a
contribuição do Tempo Comunidade nos
processos de transformação da realidade,
na qual o poder da ação-reflexão das
práticas sociais nos territórios -geográficos
e epistemológicos- da Educação do Campo
desencadeiam ações de fortalecimento da
cidadania e de organização das lutas
sociais. Ao considerarmos todos esses
elementos que permeiam a prática
educativa da Pedagogia da Alternância,
inscritos e vivenciados no Tempo
Comunidade, reverenciamos as lutas
sociais dos movimentos da Educação
Campo por terem construído uma proposta
educativa inclusiva de saberes, de sujeitos
e territorialidades. Nessa inclusão, o
significado simbólico do Tempo
Comunidade, pensado a partir da
construção da experiência nesta pesquisa,
revela o seu caráter principal: a luta da
Educação do Campo em giro decolonial.
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[2] Em função de uma posição teórica integrativa,
assumida com a pesquisa, optamos por não traduzir
as citações das obras escritas na língua castelhana.
[3] Dados da Secretaria Acadêmica - Sistema
IDUFF (2019).
[4] Melhores informações sobre a articulação
comunitária contra o fechamento de Escolas do
Campo podem ser consultadas em: Neves, L. C. et
al. (2019). Memória social e resistência:
organização comunitária contra o fechamento da
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., & Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
decolonial: a experiência do Tempo Comunidade na Universidade Federal Fluminense (UFF)...
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e7178
10.20873/uft.rbec.e7178
2019
ISSN: 2525-4863
30
Escola Alice do Amaral Peixoto. In Costa, A. D.
(Org.). Cultura, cidadania e políticas públicas 4
(pp. 130-137). Ponta Grossa (PR): Atena Editora.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 14/07/2019
Aprovado em: 30/09/2019
Publicado em: 19/12/2019
Received on July 14th, 2019
Accepted on September 30th, 2019
Published on December, 19th, 2019
Contribuições no artigo: A autora Francisca Marli
Rodrigues de Andrade liderou a elaboração e gestão do
projeto de pesquisa, assim como na sua supervisão,
conceitualização, metodologia, validação dos instrumentos
de coletas de dados, análises dos dados, software,
redação da versão publicada. Os autores Letícia Pereira
Mendes Nogueira, Marcela Pereira Mendes e Lucas do
Couto Neves ajudaram como colaboradores na
elaboração do projeto de pesquisa, na conceitualização,
metodologia, coletas de dados e análises, e na redação da
versão final publicada.
Author Contributions: The author Francisca Marli
Rodrigues de Andrade led the elaboration and
management of the research project, as well as its
supervision, conceptualization, methodology, validation of
data collection instruments, data analysis, software, writing
of the published version. The authors Letícia Pereira
Mendes Nogueira, Marcela Pereira Mendes and Lucas do
Couto Neves helped as collaborators in the elaboration of
the research project, in the conceptualization,
methodology, data collection and analysis, and in the
writing of the final published version.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Francisca Marli Rodrigues de Andrade
http://orcid.org/0000-0001-6450-5911
Letícia Pereira Mendes Nogueira
http://orcid.org/0000-0002-1393-8327
Lucas do Couto Neves
http://orcid.org/0000-0003-1071-8545
Marcela Pereira Mendes Rodrigues
http://orcid.org/0000-0003-3104-9555
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Andrade, F. M. R., Nogueira, L. P. M., Neves, L. C., &
Rodrigues, M. P. M. (2019). Educação do Campo em giro
decolonial: a experiência do Tempo Comunidade na
Universidade Federal Fluminense (UFF). Rev. Bras. Educ.
Camp., 4, e7178. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7178
ABNT
ANDRADE, F. M. R.; NOGUEIRA, L. P. M.; NEVES, L. C.;
RODRIGUES, M. P. M. Educação do Campo em giro
decolonial: a experiência do Tempo Comunidade na
Universidade Federal Fluminense (UFF). Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 4, e7178, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7178