Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n3p891
Tocantinópolis
v. 3
n. 3
p. 891-910
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Licenciatura em Educação do Campo: contribuições à
formação de monitores de Escolas Família Agrícola
Diego Gonzaga Duarte da Silva
1
,
Lourdes Helena da Silva
2
1
Universidade Federal de Viçosa - UFV. Programa de Pós-Graduação em Educação. Avenida Purdue, s/nº Campus
Universitário. Viçosa - MG. Brasil.
2
Universidade Federal de Viçosa - UFV
Autor para correspondência/Author for correspondence: diegoduartegeo@gmail.com
RESUMO. As Licenciaturas em Educação do Campo,
conquistas recentes em nossa sociedade oriundas do
protagonismo dos movimentos sociais e sindicais camponeses,
tiveram sua expansão marcada pelo Edital
MEC/SESU/SETEC/SECADI n.º 02/2012, que viabilizou a
criação de novos cursos de formação de educadores do campo
em 42 Instituições de Ensino Superior brasileiras. Dentre
esses cursos, destacamos a Licenciatura em Educação do Campo
da Universidade Federal de Viçosa (LICENA) que, em seu
processo de criação e institucionalização, contou com o
envolvimento e participação de movimentos sociais e sindicais
diversos. Entre eles, as Escolas Família Agrícola (EFAs) têm se
constituído uma parceira na construção dos processos
formativos do curso, tanto pela experiência com a Pedagogia da
Alternância, quanto pela necessidade da formação inicial dos
seus monitores. Na busca de compreender os processos de
formação da LICENA, analisamos as avaliações dos monitores
sobre as contribuições do curso para as práticas pedagógicas
desenvolvidas nas EFAs, através da realização de entrevistas
que foram submetidas ao método Análise de Conteúdo. Os
resultados do estudo indicam, dentre outros aspectos, que a
LICENA tem contribuído para a formação dos monitores tanto
pela apropriação dos saberes didático-pedagógicos, quanto pelo
estímulo à realização de práticas interdisciplinares.
Palavras-chave: Escolas Família Agrícola, Licenciaturas em
Educação do Campo, Monitores.
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Licentiate Degree in Rural Education: contributions to
training monitors of Agricultural Family Schools
ABSTRACT. The licentiate degrees in Rural Education are a
recent achievement in our society and have been arising from
the protagonist of the peasant social movements and trade
unions. They had their expansion marked by the announcement
MEC/SESU/SETEC/SECADI n.º 02/2012, which enabled the
creation of new training courses for rural educators in 42
Brazilian Education Institutions. Considering these licentiate
degrees, we highlight the Licentiate in Rural Education of the
Federal University of Viçosa (LICENA), which in its creation
and institutionalization process had the involvement and
participation of diverse social and union movements. Among
them, the Agricultural Family Schools (EFAs) have become a
partner in the construction of the training processes of the
course, as much by the experience with the Pedagogy of
Alternating, as by the necessity of the initial formation of its
monitors. Aiming to understand LICENA's training processes,
we analyzed the evaluations of the monitors on the contributions
of the course to the pedagogical practices developed in the
EFAs, by conducting interviews that were submitted to the
Content Analysis method. The results indicate that LICENA has
contributed to the formation of the monitors both through the
appropriation of didactic-pedagogical knowledge and through
the stimulation of interdisciplinary practices.
Keywords: Agricultural Family Schools, Licentiate Degree in
Rural Education, Monitors.
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Licenciatura en Educación del Campo: contribuciones a la
formación de monitores de las Escuelas Familias Agrícolas
RESUMEN. Las Licenciaturas en Educación del Campo,
conquistas recientes en nuestra sociedad, originadas del
protagonismo de los movimientos sociales y sindicales
campesinos, tuvieron expansión con el Decreto
MEC/SESU/SETEC/SECADI n.º 02/2012, que posibilitó la
creación de nuevas carreras para la formación de educadores del
campo en 42 Instituciones de Enseñanza Superior brasileñas. De
estas carreras, destacamos la Licenciatura en Educación del
Campo de la Universidad Federal de Viçosa (LICENA) que en
su proceso de creación e institucionalización involucró diversos
movimientos sociales y sindicales. Entre ellos, las Escuelas
Familias Agrícolas (EFAs) han constituido una alianza en la
construcción de los procesos formativos del curso, tanto por su
experiencia con la Pedagogía de la Alternancia, como por la
necesidad de formación inicial de sus monitores. Para
comprender los procesos de formación de la LICENA,
analizamos las evaluaciones de los monitores relacionadas con
las contribuciones del curso para las prácticas pedagógicas
desarrolladas en las EFAs, por medio de entrevistas las cuales
fueron sometidas al método de Análisis de Contenido. Los
resultados obtenidos indican, entre otros aspectos, que la
LICENA ha contribuido en la formación de los monitores tanto
por la apropiación de los saberes didácticos-pedagógicos como
por el estímulo para la realización de prácticas
interdisciplinarias.
Palabras clave: Escuelas Familias Agrícolas, Licenciatura en
Educación del Campo, Monitores.
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Introdução
O presente artigo, oriundo da
pesquisa sobre as contribuições da
Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade Federal de Viçosa para a
formação dos estudantes que atuam como
monitores de Escolas Família Agrícola
(EFAs), é integrante do programa de
estudos “A Licenciatura em Educação do
Campo na Universidade Federal de Viçosa:
Sujeitos, Representações e Práticas
Pedagógicas” que visa analisar os sujeitos,
as representações sociais, os processos e as
práticas pedagógicas gestadas no curso.
As Licenciaturas em Educação do
Campo (LEdoCs) são conquistas recentes
dos movimentos sociais e sindicais
camponeses que, em nossa sociedade, têm
realizado nos últimos vinte anos um
conjunto de mobilizações e lutas por
políticas públicas para a educação dos
povos do campo (Molina & Sá, 2012).
Criadas no âmbito do Programa de Apoio à
Formação Superior em Licenciatura em
Educação do Campo (PROCAMPO), as
experiências iniciais das LEdoCs tiveram
sua expansão marcadas pelo edital
MEC/SESU/SETEC/SECADI n.º 02/2012,
que viabilizou a criação de 42 cursos de
graduação em diversas Instituições de
Ensino Superior brasileiras (Molina, 2015).
É nesse contexto, dos cursos de formação
de educadores do campo criados pelo
referido edital, que destacamos a
Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade Federal de Viçosa
(LICENA).
A LICENA, em seu processo de
criação e institucionalização, contou com a
parceria de diversos movimentos sociais e
sindicais, como o Movimento
Agroecológico da Zona da Mata de Minas
Gerais - com destaque para o Centro de
Tecnologias Alternativas da Zona da Mata
(CTA/ZM); os Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais; as Escolas Família
Agrícola (EFAs); o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); a
Comissão Pastoral da Terra (CPT); a Rede
Quilombola, entre outros. Dentre essas
parcerias, destacam-se as EFAs que, com a
participação de seus egressos, monitores
i
e
ex-monitores, têm colaborado efetivamente
com a construção dos processos formativos
do curso, tanto pela experiência acumulada
por estas escolas com a dinâmica de
formação por alternância (Köll, 2016);
quanto pela necessidade da formação
inicial dos seus monitores, visando
promover avanços e melhorias nas práticas
pedagógicas destes educadores.
Acrescente-se, ainda, que o processo
de formação na LICENA assume
importância para os monitores das EFAs
também pelo fato de que muitos deles não
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possuem formação superior e/ou, quando
possuem, não serem cursos voltados à
formação de educadores do campo. E nesse
aspecto, cabe ressaltar que a Pedagogia da
Alternância - um dos pilares das EFAs,
visa implementar uma dinâmica educativa
orientada para vincular no processo de
formação os conhecimentos oriundos da
realidade de vida e de trabalho dos
educandos, com os conhecimentos
construídos no cotidiano escolar (Silva,
2003). Para realização desse propósito, se
torna necessário um processo de formação
dos monitores que, favorecendo uma
melhor compreensão da dinâmica
pedagógica da alternância, lhes possibilite
o desenvolvimento de habilidades e
conhecimentos que extrapolem as
atividades realizadas no interior das salas
de aula (Begnami, 2003). Isso porque,
além de ministrarem os conteúdos
curriculares obrigatórios, os monitores são
responsáveis pela orientação e
acompanhamento dos educandos nas
atividades realizadas tanto no cotidiano das
EFAs durante o Tempo Escola, quanto em
suas comunidades e territórios de origem
durante o Tempo Comunidade.
Nessa proposta educativa, uma das
responsabilidades dos monitores é a
mediação dos processos de ensino-
aprendizagem, realizada em uma dinâmica
capaz de reconhecer e valorizar os saberes
e as práticas de vida e de trabalho dos
educandos, de suas famílias e de suas
comunidades e territórios (Sousa, 2014).
Acrescente-se, ainda, a função dos
monitores de promover a animação da vida
associativa da escola, a animação da vida
em grupo e a mobilização de parceiros
institucionais para contribuição no
processo formativo das EFAs (Begnami,
2003). A animação da vida associativa,
segundo Begnami (2003), exige dos
monitores a articulação, o planejamento e a
realização de assembleias e reuniões da
equipe pedagógica e das associações
mantenedoras das EFAs. A animação da
vida em grupo, por sua vez, exige dos
monitores o desenvolvimento de atividades
para animação da vida em internato que
ocorre nas EFAs, tornando esse espaço
vivenciado pelos jovens favorável ao
processo de ensino-aprendizagem;
enquanto a mobilização de parceiros exige
dos monitores a identificação e
envolvimento de colaboradores - como
mestres de estágio, famílias, lideranças,
etc., para contribuírem com o processo
formativo das EFAs.
Reconhecendo, portanto, a
complexidade do papel dos monitores e as
múltiplas atribuições que eles
desempenham no contexto de uma
formação por alternância, no presente
artigo abordamos as contribuições do
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processo de formação da LICENA para a
atuação destes profissionais no contexto
das EFAs. Na sua origem, uma
investigação que analisou as avaliações
construídas pelos monitores de EFAs sobre
as contribuições do curso de Licenciatura
em Educação do Campo para o
desenvolvimento de suas práticas
pedagógicas. Em termos metodológicos, a
pesquisa envolveu a realização de
entrevistas a nove estudantes da turma de
2014 da LICENA que atuavam como
monitores de EFAs. Essas entrevistas, por
sua vez, foram submetidas aos
procedimentos técnicos do método Análise
de Conteúdo, na perspectiva teórica-
metodológica de Bardin (1977).
Assim, situando-se no âmbito de um
estudo que analisa as contribuições da
formação da LICENA para atuação dos
monitores de EFAs, o presente trabalho
encontra-se organizado em quatro seções,
além dessa introdução: na primeira,
evidenciamos os processos de constituição
e os princípios que norteiam as
Licenciaturas em Educação do Campo no
Brasil; na segunda, apresentamos a
proposta de formação do Projeto Político
Pedagógico da LICENA, caracterizando
seus principais objetivos; na terceira,
descrevemos e analisamos as avaliações
dos monitores sobre as contribuições da
LICENA para suas práticas pedagógicas
nas EFAs; e na última seção, apresentamos
nossas considerações finais.
As Licenciaturas em Educação do
Campo no Brasil
O percurso que culminou com a
criação dos cursos de Licenciaturas em
Educação do Campo (LEdoCs) foi
caracterizado por inúmeras mobilizações
dos movimentos sociais e sindicais
camponeses buscando garantir um modelo
educacional de qualidade para os povos do
campo, seja pela criação de novas escolas
no campo e/ou pelo não fechamento das
existentes, seja pela ampliação do nível de
escolarização das escolas em
funcionamento e, principalmente, pela
criação de cursos de formação de
educadores do campo (Molina & Sá,
2012).
Conforme analisado por Molina e
(2012), a partir das inúmeras
reivindicações realizadas pelos
movimentos sociais e sindicais
camponeses para garantir o cumprimento
das pautas elaboradas durante a II
Conferência Nacional: Por uma educação
Básica do Campo” é constituído, no ano de
2005, um Grupo de Trabalho (GT)
responsável pela elaboração das
proposições para auxiliar a Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI) a fim de
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negociar junto ao Ministério da Educação
(MEC) a criação de uma política pública
de formação de educadores do Campo.
Esse GT foi constituído por
representantes de diversos movimentos
sociais e sindicais, tais como o Conselho
dos Secretários Estaduais de Educação
(CONSED), a Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Agricultura (CONTAG),
a União dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME), o Movimento dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Terra
(MST), a Federação dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar (FETRAF), a Rede de
Educação do Semiárido Brasileiro
(RESAB), em parceria com a Universidade
de Brasília (UNB), a Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), o Fórum
Nacional de Educação do Campo
(FONEC), os Centros Familiares de
Formação por Alternância (CEFFAs), a
Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), o
Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) e o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) (Brasil,
2013).
Com base nas discussões realizadas
pelo GT foi criado junto ao MEC, no ano
de 2006, o Programa de Apoio à Formação
Superior em Licenciatura em Educação do
Campo (PROCAMPO) com o objetivo de
promover a formação de educadores para
atuarem nos anos finais do ensino
fundamental e ensino dio das escolas de
educação básica do campo (Santos, 2012).
Essa política possibilitou, a partir de 2007,
a criação das LEdoCs, em caráter
experimental, em quatro Universidades
indicadas pelos movimentos sociais e
sindicais camponeses: Universidade
Federal de Minas Gerais; Universidade de
Brasília; Universidade Federal da Bahia e
Universidade Federal de Sergipe (Molina,
2015; Molina & Antunes-Rocha, 2014). As
experiências destas quatro universidades
possibilitaram que a SECADI ampliasse a
oferta desses cursos por meio de Editais
Públicos nos anos de 2008 e 2009, nos
quais convocavam as Instituições de
Ensino Superior (IES) a ofertar esse novo
curso de graduação. Os Editais de 2008 e
2009 possibilitaram que, até o ano de 2010,
outras 30 IES ofertassem o curso de
Licenciatura em Educação do Campo
(Molina & Sá, 2012). Posteriormente, com
a criação do Programa Nacional de
Educação do Campo (PRONACAMPO)
em março de 2012 e com a incorporação
do PROCAMPO nesse mesmo ano, foi
publicado o edital
MEC/SESU/SETEC/SECADI n.º 02/2012
que possibilitou a criação de 42 cursos de
Licenciatura em Educação do Campo no
Brasil (MOLINA, 2015). O objetivo do
PRONACAMPO é apoiar o Estado com
recursos técnicos e financeiros na
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implementação de políticas de Educação
do Campo, a fim de ampliar o acesso à
educação básica aos povos do campo e
promover a qualificação profissional destes
sujeitos. Esse programa é estruturado a
partir de quatro eixos centrais, sendo eles:
1) Gestão e Práticas Pedagógicas; 2)
Formação Inicial e Continuada de
Professores; 3) Educação de Jovens e
Adultos e Educação Profissional; 4)
Infraestrutura Física e Tecnológica (Brasil,
2013). É no eixo número dois que está
inserido o PROCAMPO, que prevê a
criação das LEdoCs.
A Licenciatura em Educação do
Campo é uma nova modalidade de
graduação presente nas Instituições de
Ensino Superior brasileiras voltada à
formação inicial de educadores para “uma
atuação profissional que vai além da
docência, que tenham condições de
trabalhar também na gestão dos processos
educativos que acontecem na escola e no
seu entorno” (Molina & Sá, 2011, p. 36).
Essa modalidade de graduação busca
garantir a formação inicial de educadores
comprometidos com as lutas dos
movimentos sociais e sindicais
camponeses e que sejam capazes de
desenvolver práticas e teorias que
contribuam para a organização de um
modelo educacional que se articule aos
modos de vida dos povos do campo
(Molina & Sá, 2011).
As LEdoCs buscam formar em nível
superior os educadores que já atuam nas
escolas do campo e que não têm curso
superior, como os monitores das EFAs; as
lideranças vinculadas aos movimentos
sociais e sindicais e os sujeitos que
desenvolvem atividades educativas fora
dos domínios da educação formal em
parceria com os movimentos sociais e
sindicais camponeses (Santos, 2012).
Nesse sentido, conforme explicado e
analisado por Molina e (2011), é
proposta uma formação que habilite os
sujeitos para uma atuação profissional
capaz de articular os processos educativos
escolares aos comunitários, a fim de
integrar a vida cotidiana à vida escolar.
Buscando a articulação da vida cotidiana à
vida escolar, a organização curricular
desses cursos ocorre em regime de
alternância, divididos entre Tempo Escola
e Tempo Comunidade. Isso contribui,
dentre outros aspectos, para a permanência
e atuação dos futuros educadores no campo
(Molina & Sá, 2012). Nesse sentido, a
alternância nas LEdoCs tem como
objetivo, a partir da articulação entre
escola/comunidade e teoria/prática,
fornecer mecanismos aos seus educandos,
através de suas atividades acadêmicas, para
que os mesmos possam perceber e intervir
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sobre os problemas vivenciados nas
escolas em que atuam e nos meios sociais
em que vivem (Molina & Antunes-Rocha,
2014).
Aliando a articulação entre escola e a
comunidade por meio da alternância, as
Licenciaturas em Educação do Campo têm
o “propósito de construção de um modelo
de desenvolvimento para o campo
comprometido com a sustentabilidade
econômica, social, política e cultural da
terra e dos sujeitos que nela trabalham”
(Antunes-Rocha, Diniz & Oliveira, 2011,
p. 22). Esses propósitos conflitam com
uma concepção de campo e de sociedade
postulada a partir dos princípios
capitalistas que veem o campo como
mercadoria, que esses princípios
desconsideram as práticas culturais e
sociais dos povos do campo e movimentos
sociais e sindicais que vivem e se inserem
no meio rural. Logo, os processos
formativos presentes nas LEdoCs devem
estar articulados às condições de vida dos
povos camponeses, a fim de potencializar
as escolas do campo e contribuir com o
processo de valorização dos modos de vida
e produção dos sujeitos que resistem à
lógica de campo e de sociedade imposta
pelo capital (Molina & Antunes-Rocha,
2014).
Portanto, a proposta de formação de
educadores presentes nas LEdoCs se situa
em uma perspectiva contra hegemônica,
marcada pela presença dos movimentos
sociais e sindicais camponeses nas
Instituições de Ensino Superior das regiões
Norte, Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e
Sul do Brasil (Molina, 2015). Por isso,
esses cursos se empenham em organizar
um trabalho pedagógico comprometido
com os modos de vida dos povos do
campo, no intuito de resgatar suas formas
de trabalho, valores e tradições.
A Licenciatura em Educação do Campo
da Universidade Federal de Viçosa
O curso de Licenciatura em
Educação do Campo da Universidade
Federal de Viçosa (LICENA) iniciou as
suas atividades em 2014, após a aprovação
do edital MEC/SESU/SETEC/SECADI n.º
02/2012, buscando a formação de
educadores para coordenar espaços
educativos formais e não formais (Lopes,
2016; Carvalho, 2017). Em sua proposta o
curso prevê a formação de educadores
habilitados em Ciências da Natureza para
atuação nas séries finais do Ensino
Fundamental e Ensino Médio das escolas
do campo (PP/Licena, UFV, 2014).
Além da formação de educadores
para atuação nas escolas do campo, assim
como outras Licenciaturas em Educação do
Campo, a LICENA tem como objetivo a
formação de educadores para o exercício
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profissional além da docência (Molina &
Sá, 2011) e que, em parceria com as
organizações e movimentos sociais
camponeses, esteja envolvida e
comprometida com a realidade dos povos
do campo e suas lutas sociais (PP/Licena,
UFV, 2014). Buscando a formação de
educadores comprometidos com as
dinâmicas camponesas, o processo
formativo da LICENA ocorre em regime
de alternância, o que possibilita, dentre
outros aspectos, a incorporação das
realidades de vida dos educandos do curso,
com intenção de valorizar os modos de
vida e produção dos povos do campo
(Carvalho, 2017).
Em relação ao regime em alternância
da LICENA, ele tem favorecido o
desenvolvimento de um processo de
formação interdisciplinar, capaz de
articular os saberes, as lutas e as formas de
trabalho dos povos do campo aos
processos formativos do curso, a fim de
contribuir para a valorização e
reconhecimento do meio rural e das lutas
sociais dos povos camponeses (Lopes,
2016). Sob essa mesma perspectiva,
Carvalho (2017) ressalta que um dos
objetivos da LICENA é o desenvolvimento
de práticas interdisciplinares através da
integração dos saberes e práticas sociais
dos estudantes desenvolvidas durante o
Tempo Comunidade - quando estão
desenvolvendo atividades agrícolas,
atuando nas escolas do campo e militando
nos movimentos sociais e sindicais
camponeses; aos processos de formação
vivenciados durante o Tempo Escola, nas
atividades acadêmicas realizadas na
Universidade Federal de Viçosa.
No desenvolvimento do processo de
formação interdisciplinar, visando à
integração das atividades do Tempo
Comunidade e do Tempo Escola, a
LICENA utiliza em sua dinâmica de
alternância um conjunto de instrumentos
pedagógicos, como os Projetos de Estudo
Temáticos, Colocação em Comum,
Caderno da Realidade, Viagens e Visitas
de Estudo, Intervenções Externas,
Atividades de Retorno e Experiências,
Projeto Profissional e Serões de Estudo
(PP/Licena, UFV, 2014). Estes
instrumentos favorecem a articulação dos
saberes disciplinares aos saberes das
experiências dos educandos, tendo como
base os problemas vivenciados por eles em
seus contextos de vida e de trabalho. Essa
articulação dos saberes busca uma
sistemática e constante valorização e
apropriação das formas de trabalho,
experiências e culturas dos povos do
campo, contribuindo para a formação
humana dos educandos do curso a partir da
construção de saberes articulados aos
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contextos sociais em seus meios de
vivência (Carvalho, 2017).
Além de favorecer o processo de
formação interdisciplinar, o regime de
alternância desenvolvido pela LICENA
tem possibilitado que os educadores das
escolas do campo, assim como
camponeses, indígenas, quilombolas e
demais povos do campo realizem uma
formação superior sem abandonarem seus
territórios de vida (Carvalho, 2017). E
nesse aspecto, Molina (2017) destaca que o
regime de alternância, também presentes
em outras LEdoCs, busca evitar que os
povos do campo deixem o cotidiano do
meio rural para ingressarem no ensino
superior.
De maneira geral, a Licenciatura em
Educação do Campo da Universidade
Federal de Viçosa tem se comprometido
com a formação de educadores capazes de
desenvolver práticas pedagógicas
articuladas aos contextos sociais
vivenciados pelos povos do campo. São
práticas que buscam, dentre outros
objetivos, vincular os processos formativos
do curso às lutas, às formas de trabalho e
aos modos de vida dos povos camponeses
(Molina & Sá, 2011).
Educandos da Licenciatura em
Educação do Campo: as práticas
pedagógicas dos Monitores
As pesquisas realizadas sobre a
LICENA evidenciam, em comum, que o
curso tem realizado esforços para o
desenvolvimento de processos de formação
de educadores do campo que, em sintonia
com os contextos de vida, trabalho e lutas
dos camponeses, possam contribuir para a
implementação de práticas pedagógicas
que potencializem os saberes, culturas e
formas de trabalho dos povos do campo
(Lopes, 2016; Carvalho, 2017; Lima,
2017).
Em nossa pesquisa, especificamente
em relação às contribuições da LICENA
para as práticas pedagógicas desenvolvidas
pelos monitores de EFAs, os entrevistados
majoritariamente (8/9) avaliaram
positivamente o processo de formação
vivenciado, destacando como dimensões
que contribuíram para avanços e melhorias
em suas práticas pedagógicas a apropriação
dos saberes didático-pedagógicos (4/8) e a
vivência de práticas interdisciplinares
(3/8). Um dos entrevistados (1/8), a
despeito de sua avaliação positiva sobre a
formação vivenciada na LICENA, não
justificou sua avaliação.
Especificamente, em relação aos
monitores (4/8) que associaram a melhoria
das suas práticas pedagógicas, após o
ingresso na LICENA, à apropriação dos
saberes didático-pedagógicos, a tendência
entre eles é destacar que o acesso a esses
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saberes possibilitou a apropriação de novas
metodologias de ensino, assim como novas
estratégias didáticas para o
desenvolvimento dos conteúdos vinculados
às Ciências da Natureza no cotidiano das
salas de aula. Ressaltam ainda que,
anteriormente ao ingresso no curso, eles
possuíam uma carência de formação
didático-pedagógica que limitava a atuação
profissional em relação ao uso de
metodologias de ensino; ao
desenvolvimento de práticas pedagógicas
articuladas à realidade de vida dos
educandos das EFAs; e ao aprofundamento
teórico nas disciplinas ministradas. Essa
carência, por sua vez, vai estar associada a
um reconhecimento da necessidade de uma
formação pedagógica específica para
atuação docente no contexto das escolas do
campo.
É, portanto, no reconhecimento
dessas carências e limitações que os
monitores entrevistados ressaltam a
apropriação dos saberes didático-
pedagógicos como condição que
possibilitou a utilização de metodologias
de ensino e de estratégias didáticas no
desenvolvimento de práticas pedagógicas
que favorecem, entre outros aspectos, uma
maior motivação e participação dos
educandos das EFAs no cotidiano de suas
aulas. Além das metodologias e estratégias
didáticas, os monitores destacaram que a
apropriação dos saberes didático-
pedagógicos também possibilitou um
maior aprofundamento dos conteúdos
acadêmicos, auxiliando-os na condução de
debates e discussões sobre temas diversos
que emergem no âmbito do processo de
formação das EFAs.
... Eu vejo que eu sou muito diferente
de quando eu entrei no sentido de
bagagem, de conteúdo, daquelas
carências que eu dizia. Muitas coisas
foram respondidas e outras perguntas
surgiram. Mas acredito que sou
educador em construção. Eu acho
que não estou pronto e nem vou ficar
quando terminar o curso. Estamos em
constante aprendizagem (Monitor 3).
Eu avalio isso como bom demais,
porque dentro da sala de aula você
precisa ter uma relação mais próxima
com os estudantes para você
conseguir aproximar melhor da
realidade vivenciada por eles. E
quando você conhece metodologias e
formas de se trabalhar, facilita esse
processo. O como trabalhar no
campo, as próprias visitas, dentro da
sala de aula, porque não é
simplesmente o quadro, o giz ou o
datashow. Tem várias outras formas
que o curso ensinou que ao mesmo
tempo motivou a gente a buscar isso
também (Monitora 5).
Essa dimensão das contribuições dos
saberes didático-pedagógicos para as
práticas pedagógicas dos professores
oriundos de um processo de formação
inicial é analisada por Nez e Silva (2010),
em um estudo sobre o curso de
Licenciatura em Computação da
Universidade do Estado de Mato Grosso
Silva, D. G. D., & Silva, L. H. (2018). Licenciatura em Educação do Campo: contribuições à formação de monitores de Escolas
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(UNEMAT), ao destacar que a utilização
de metodologias de ensino diversas no
cotidiano docente tanto potencializa as
práticas pedagógicas dos professores,
tornando as aulas mais interessantes;
quanto favorece uma melhor compreensão
dos estudantes sobre os conteúdos das
disciplinas, contribuindo para melhorias
nos processos de ensino e aprendizagem
(Nez & Silva, 2010).
É interessante ressaltar, conforme
reconhecem Queiroz e Maia (2014), que os
saberes didático-pedagógicos abrangem
um conjunto de outros saberes: saberes
profissionais, curriculares e disciplinares.
A distinção desses saberes é analisada por
Tardif (2007), que considera os saberes
profissionais como sendo aqueles
construídos ao longo dos processos de
formação dos professores nas Instituições
de Ensino Superior; os saberes
disciplinares como aqueles relacionados às
disciplinas específicas das licenciaturas,
tais como da Geografia, Física,
Matemática, Português, História, dentre
outros; enquanto os saberes curriculares
são aqueles que, prescritos nos currículos,
orientam a ação pedagógica dos
educadores.
Sob essa perspectiva podemos
compreender a apropriação dos saberes
didático-pedagógicos como sendo uma das
contribuições da LICENA aos monitores
das EFAs. Dentre outros aspectos, os
entrevistados revelam que a formação
teórica vivenciada no curso tem
possibilitado a compreensão e utilização de
diferentes recursos e estratégias didáticas
que, por sua vez, contribuem tanto para
estimular a participação dos educandos das
EFAs nas aulas, quanto para uma melhor
condução dos temas de estudos e
atividades realizadas no Tempo Escola.
Associada a essa ideia, acrescente-se a
valorização da formação inicial realizada
para uma atuação docente específica nas
escolas do campo, já que a maioria dos
entrevistados (5/9) atuava nas EFAs sem
formação para o exercício docente.
Em relação aos entrevistados (3/8)
que relacionam a melhoria de suas práticas
pedagógicas após o ingresso na LICENA à
utilização de dinâmicas interdisciplinares,
eles reconhecem que os processos
formativos vivenciados no curso
melhoraram a sua atuação como monitor,
estimulando-os para o desenvolvimento de
estratégias didáticas e pedagógicas
promotoras de articulações e diálogos entre
os conteúdos teóricos das diferentes
disciplinas e os saberes oriundos das
experiências, tradições e cultura dos
educandos das EFAs. Em seus relatos os
entrevistados destacam, recorrentemente, a
importância dessa articulação entre os
diferentes conhecimentos, considerada
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como uma das estratégias de valorização
dos povos do campo, em suas formas de
vida, de trabalho e em suas expressões
culturais. A formação interdisciplinar
vivenciada na LICENA também é
reconhecida e valorizada pelas
possibilidades oferecidas aos estudantes do
curso de transitarem entre diferentes áreas
do conhecimento, favorecendo a
compreensão das distintas disciplinas
escolares e a articulação entre os diferentes
conteúdos teóricos.
Eu não sei como os estudantes veem
isso, mas eu achei que foi muito bom.
Foi muito bom porque eu acho que
melhorei em relação a minha postura
de monitor. Em todos os aspectos eu
adquiri conhecimento. Mas, o fato de
eu conseguir articular entre vários
conteúdos sem ficar fechado em um
só, eu acho que isso foi a melhor
coisa que eu consegui. Eu não sei
Geografia totalmente, eu não sei
Física, Química, mas eu sou capaz de
trabalhar essas matérias. Por
exemplo, se você precisar, em uma
emergência, que eu te substitua em
uma aula, eu consigo articular com os
meninos ... (Monitora 2).
Minha prática atual hoje é muito de
ouvir o que os alunos têm a me dizer.
É muito mais de ouvir eles hoje e
questionar o porquê disso, o porquê
daquilo, para que eles possam se
sentir mais valorizados. você tem
que ter algumas dinâmicas. Tem que
ter algumas cartas na manga para
você fazer com que aqueles
educandos que têm dificuldades
possam expressar as suas ideias.
Então, com isso, eu faço com que o
educando expresse o sentimento dele,
o que ele pensa, o que ele pode
trabalhar na comunidade. Você não
pode desvincular ... Igual eu trabalho
com agroecologia, mas eu posso
lincar isso com outras disciplinas e
com o mundo atual ... (Monitor 7).
Segundo Carvalho (2015), práticas
interdisciplinares são aquelas que ocorrem
quando os professores, no
desenvolvimento de um processo
formativo mais amplo, utilizam e integram
dialogicamente em suas disciplinas os
saberes de outras áreas do conhecimento,
de maneira a tornar os conteúdos mais
compreensíveis para os estudantes.
Segundo a autora, um dos aspectos que
contribuem efetivamente para o
desenvolvimento de práticas
interdisciplinares é a contextualização e
busca de articulação dos saberes dos
estudantes - oriundos de suas experiências,
práticas sociais e formas de trabalho, ao
conteúdo das disciplinas ministradas. Essa
contextualização é reconhecida como
potencializadora de uma atuação docente
orientada para a superação de práticas
pedagógicas tradicionais, voltadas para
uma simples transferência de
conhecimentos de professores para
estudantes.
É sob essa perspectiva que, na
avaliação dos entrevistados, as
experiências interdisciplinares vivenciadas
na LICENA contribuíram para a
construção de práticas interdisciplinares no
contexto das EFAs de atuação,
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favorecendo a implementação de
dinâmicas direcionadas tanto para
construção de diálogos entre as disciplinas
ministradas e outras disciplinas, assim
como para uma articulação entre as
disciplinas e os saberes e experiências dos
educandos. Nesse aspecto, a formação na
LICENA é reconhecida e valorizada pelos
monitores, dentre outros aspectos, pelas
contribuições ao desenvolvimento de
práticas pedagógicas que, favorecendo a
integração entre diferentes disciplinas,
possibilita uma compreensão crítica e
ampliada dos estudantes sobre suas
realidades de vida, trabalho e lutas,
superando, assim, modelos e práticas de
produção de conhecimentos fragmentadas.
E nesse sentido, assim como
Carvalho (2015), ressaltamos que
processos formativos realizados sob essa
lógica integradora não são comuns nos
cursos regulares de formação de
professores existentes em nossa sociedade.
A tendência dominante nos cursos de
formação de professores é a presença de
um “currículo segmentado como modelo
habitual nos cursos de licenciatura,
inviabilizando ao futuro professor o
desenvolvimento de uma visão sistêmica,
na qual o conhecimento se relaciona com
as necessidades sociais” (Carvalho, 2015,
p. 103).
A despeito dos monitores
majoritariamente (8/9) avaliarem
positivamente os processos formativos da
LICENA para o desenvolvimento de suas
práticas pedagógicas, um dos entrevistados
(1/9) destacou uma dimensão negativa do
processo de formação vivenciado: a
intensificação do trabalho docente
enfrentada no cotidiano da EFA, após sua
inserção na Licenciatura em Educação do
Campo. Em seu relato, destaca-se a
situação de um monitor que, devido ao
acúmulo de funções e demandas do mundo
acadêmico, enfrenta a falta de condições e
de tempo necessários para o planejamento
e preparação das atividades docentes,
como realizava anteriormente ao seu
ingresso no curso. Nessa avaliação
emergem, ainda, questões relacionadas a
elevada demanda de atividades acadêmicas
pelo curso que, além de comprometer o
planejamento de suas aulas, também tem
inviabilizado a construção de parcerias, a
realização de visitas de estudo, além da
busca por alternativas para melhorias e
avanços em sua prática pedagógica.
Minha prática, hoje, eu sinto que está
com bastante deficiência ... Se for
para eu dar uma nota para as minhas
práticas, antes eu daria 8 ou 9. Hoje,
se for para eu dar nota para minhas
práticas, eu daria 6 na prática na EFA
por causa desse tempo, essa falta de
preparação e bastante modificação no
espaço. Antes tínhamos espaços,
outros lugares para recorrer e hoje
Silva, D. G. D., & Silva, L. H. (2018). Licenciatura em Educação do Campo: contribuições à formação de monitores de Escolas
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estamos com bastante dificuldades
em relação a isso (Monitor 9).
É interessante destacar que
dificuldades e desafios como esses
relatados pelo entrevistado, especialmente
a sobrecarga de atividades acadêmicas
existente no curso, também foi identificado
no estudo de Carvalho (2017) sobre a
LICENA. Especificamente, o volume
elevado de atividades acadêmicas durante
o Tempo Escola, aliado ao excesso de
atividades no Tempo Comunidade, foram
considerados pelos educandos como
fatores de desgastes sicos e mentais,
prejudiciais tanto ao rendimento
acadêmico no curso, quanto ao
desenvolvimento de suas atividades
profissionais. Em comum, são avaliações
que revelam alguns dos desafios
enfrentados pelos educandos da LICENA
na conciliação do processo de formação no
curso com a atuação docente nas escolas e,
ainda, no desenvolvimento de uma prática
pedagógica que possibilite um melhor
acompanhamento e orientação aos
educandos das EFAs, que podem
comprometer os processos de ensino-
aprendizagem nas escolas do campo.
Todavia, de uma maneira mais
expressiva e compartilhada, as avaliações
construídas pelos monitores revelam uma
compreensão da LICENA como um curso
de formação de educadores do campo que,
orientado pela busca de
interdisciplinaridade e de articulação entre
os diferentes saberes envolvidos na
dinâmica educativa, tem contribuído para o
desenvolvimento nas EFAs de reflexões e
de práticas pedagógicas comprometidas
com os princípios da Educação do Campo.
Considerações Finais
As Licenciaturas em Educação do
Campo, presentes em diferentes regiões da
sociedade brasileira, objetivam a formação
inicial de educadores comprometidos com
as lutas dos povos do campo, bem como o
desenvolvimento de práticas que
contribuam para uma organização
educacional que, articulando dimensões do
mundo da vida e do trabalho dos povos do
campo, contribua para a formação dos seus
educandos (Molina & Sá, 2011). São
cursos que buscam superar modelos e
práticas de ensino fragmentadas em áreas
do conhecimento, propondo o
desenvolvimento de processos e práticas de
formação comprometidos política e
socialmente com os povos camponeses,
seus modos de vida, suas culturas e
saberes, de maneira a contribuir para as
melhorias que se fazem necessárias nas
escolas de educação básica do campo
(Molina, 2017).
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É sob essa perspectiva que nossas
análises revelam que a LICENA, apesar de
enfrentar inúmeros desafios como a
intensificação do trabalho docente dos
monitores que atuam nas EFAs, tem
realizado esforços na implementação de
um processo de formação orientado para
articular os saberes e as práticas sociais
construídas pelos educandos nos seus
espaços de vida, trabalho e lutas sociais,
visando à valorização e o fortalecimento
do campo, dos camponeses e de suas
reivindicações por uma educação de
qualidade. Em seus relatos, os monitores
entrevistados revelam que a formação de
educadores do campo vivenciada na
LICENA tem contribuído para a
constituição de profissionais reflexivos,
capazes de desenvolver práticas
pedagógicas nas escolas básicas do campo
articuladas às realidades de vida, trabalho e
lutas de seus educandos. Assim, a
LICENA é valorizada enquanto processo
de formação de educadores que, além de
uma compreensão da complexidade do
campo brasileiro e das disputas ali
existentes, favorece com que os seus
educandos possam implementar processos
e práticas pedagógicas comprometidas com
a consolidação do movimento da Educação
do Campo. É nesta perspectiva que nossas
análises sobre as contribuições da LICENA
para as práticas pedagógicas dos monitores
de EFAs revelam, dentre outros aspectos,
que o curso tem contribuído para uma
atuação docente comprometida com os
princípios da Educação do Campo, tanto
pela dimensão de apropriação dos saberes
didático-pedagógicos, quanto pelo
estímulo à realização de práticas
pedagógicas interdisciplinares.
Em relação à apropriação dos saberes
didático-pedagógicos, os monitores
revelam que o processo de formação
vivenciado na LICENA contribui para a
utilização de recursos e estratégias
didáticas que, estimuladores da
participação dos seus educandos nas aulas,
tem possibilitado discussões sobre diversos
temas emergentes no cotidiano das EFAs e
favorecido o desenvolvimento de práticas
pedagógicas mais articuladas às realidades
de vida, de trabalho e de luta dos seus
educandos.
Em relação às práticas
interdisciplinares, os monitores revelam
que as práticas vivenciadas na LICENA
contribuem para a construção de relações
horizontalizadas no cotidiano das salas de
aula das EFAs, sobretudo estimulando
diálogos e favorecendo interações entre
educandos e monitores das diferentes áreas
do conhecimento. Revelam, ainda, que a
implementação dessas práticas tem
contribuído para um esforço sistemático e
constante de valorização e incorporação
Silva, D. G. D., & Silva, L. H. (2018). Licenciatura em Educação do Campo: contribuições à formação de monitores de Escolas
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dos saberes e práticas sociais dos
educandos nas dinâmicas de formação nas
EFAs. Além disso, as práticas
interdisciplinares vivenciadas no processo
de formação do curso favorecem e
estimulam a construção de diálogos com
outros monitores, promovendo o trabalho
coletivo nas EFAs de atuação. Em síntese,
os processos e dinâmicas de formação
vivenciados na LICENA são reconhecidos
e valorizados pelos monitores como
oportunidades de avanços e melhorias em
suas práticas, que contribuem para a
formação de sujeitos críticos e
comprometidos com o movimento da
Educação do Campo.
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i
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para se referir aos seus educadores.
* Pesquisa realizada com apoio financeiro do CNPq
(Edital Universal 2016, Processo 401555/2016-00)
e FAPEMIG (Edital PPM XI, Processo 00632-1).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 18/09/2018
Aprovado em: 21/10/2018
Publicado em: 15/11/2018
Received on September 18th, 2018
Accepted on October 21th, 2018
Published on November 15th, 2018
Contribuições no artigo: Os autores foram responsáveis
pela elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do artigo, e aprovação
da versão final publicada.
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Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Diego Gonzaga Duarte da Silva
http://orcid.org/0000-0003-3999-1828
Lourdes Helena da Silva
http://orcid.org/0000-0003-1837-7335
Silva, D. G. D., & Silva, L. H. (2018). Licenciatura em Educação do Campo: contribuições à formação de monitores de Escolas
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n. 3
p. 891-910
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APA
Silva, D. G. D., & Silva, L. H. (2018). Licenciatura em
Educação do Campo: contribuições à formação de
monitores de Escolas Família Agrícola. Rev. Bras. Educ.
Camp., 3(3), 891-910. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p891
ABNT
SILVA, D. G. D.; SILVA, L. H. Licenciatura em Educação
do Campo: contribuições à formação de monitores de
Escolas Família Agrícola. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 3, n. 3, set./dez., p. 891-910, 2018. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p891