Porto, I., Barros Neta, M. A., & Pereira, L. S. (2016). As impressões dos sujeitos da Escola Municipal Boa Esperança Sorriso – MT...




As impressões dos sujeitos da Escola Municipal Boa Esperança Sorriso – MT: sobre o processo educativo e o currículo das escolas do campo



Itamar Porto, Maria da Anunciação Pinheiro Barros Neta2, Luciano da Silva Pereira3

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, Instituto de Educação, Campus Cuiabá, Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367, Cuiabá - MT. Brasil. porto_ita@hotmail.com. 2Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT. 3Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT.





RESUMO. O presente artigo é resultado de uma pesquisa desenvolvida no biênio de 2014-2015. Na Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais, Políticas e Educação Popular no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. O mesmo tem por objetivo: descrever e compreender qual é a impressão dos sujeitos sobre o currículo-material didático, o qual é trabalhado na Escola Municipal Boa Esperança, bem como ele é elaborado, quem são os membros que participam na elaboração. Nessa “nova” concepção de educação do campo, a participação dos membros da comunidade escolar é fundamental para as tomadas de decisões e a elaboração de um currículo do campo e não para o campo. A metodologia utilizada é abordagem qualitativa de cunho fenomenológico. A técnica utilizada é a documental e entrevista. Tendo como fonte de pesquisa os documentos oficiais, livros, artigos, legislações, decretos e portarias, dicionários que ajudaram a esclarecer os conceitos utilizados e que serviram de sustentação conceitual para o nosso trabalho, e que foram a sustentação legal para temática educação do campo, fazendo emergir provocações e debates, explicitando os conceitos educação do campo, currículo.


Palavras Chaves: Educação do Campo, Currículo, Material Didático.








The impressions of the subjects of the Municipal School of Boa Esperança Sorriso – MT: about educational process and the curriculum of the rural schools





ABSTRACT. This article is the result of a research carried out in the biennium 2014-2015. In the Line of Research: Social Movements, Politics and Popular Education in the Program of Post Graduate in Education of the Federal University of Mato Grosso. The same aims: describe and understand what is the impression of the subjects on the educational curriculum-material, which is working at the Municipal School of Boa Esperança, and how it is prepared, who are the members participating in the preparation. This “new” concept of rural education, the participation of members of the school community is essential for the decisions taken and the development of a curriculum of the field and not to the field. The methodology used is the qualitative approach of phenomenological nature. The technique used is the documentary and interview. Having as source of research official documents, books, laws, decrees and ordinances, dictionaries that helped to clarify the concepts used and that served as a conceptual support for our work, which were the legal support for the thematic rural education, giving rise provocations and debates, explaining the concepts of rural education, curriculum.


Key words: Rural Education, Curriculum, Didactic Material.
















Las impresiones de los sujetos de la Escuela Municipal Boa Esperança Sorriso - MT: Acerca del proceso educativo y el plan de estudios de las escuelas de campo





RESUMEN. Este artículo es el resultado de una investigación llevada a cabo en el bienio 2014-2015. En la Línea de Investigación: Movimientos Sociales, Política y Educación Popular en el Programa de Postgrado en Educación de la Universidad Federal de Mato Grosso. El mismo tiene por objetivo: describir y comprender cual es la impresión de los sujetos acerca del plan de estudios - material educativo, el cual es trabajado en la Escuela Municipal de Boa Esperança, asi como es preparado, quien son los miembros que participan en la preparación. Este “nuevo” concepto de la educación del campo, la participación de los miembros de la comunidad escolar es esencial para la tomada de decisiones y el desarrollo de un plan de estudios del campo y no para el campo. La metodología utilizada es el enfoque cualitativo de la naturaleza fenomenológica. La técnica utilizada es el documental y la entrevista. Teniendo como fuente de investigación los documentos oficiales, libros, leyes, decretos y ordenanzas, diccionarios que han ayudado a clarificar los conceptos utilizados y que han servido como soporte conceptual para nuestro trabajo, y que fueron el soporte legal para la temática educación del campo, dando lugar a las provocaciones y debates, explicando los conceptos educación del campo, plan de estúdios.


Palabras Clave: Educación del Campo, Plan de Estudios, Material Didáctico.











Introdução


Neste artigo versaremos sobre o currículo enquanto ação pedagógica e seus desdobramentos para a efetivação de uma educação do campo. O currículo pedagógico escolar e o material didático não são neutros, carregam um caráter político identitários da cultura urbana dominante que prevalece sobre a cultura do campo. A luta dos movimentos sociais, por uma educação do campo com um currículo que respeite a diversidade do campo como fonte de conhecimento, seus saberes acumulados por gerações, sua cultura respeitada, seus sonhos e lutas incorporadas ao currículo. Ao discorremos sobre o currículo enquanto ação pedagógica traremos as principais características defendidas pelos autores e autoras que defendem um currículo específico para a educação do campo.

O currículo escolar é o eixo central da escola onde se constrói os ideais sonhados para a educação e neste caso a educação do campo como uma proposta curricular pode ser rica ou pobre com relação às proposições educacionais que um determinado currículo apresenta.

O currículo da Escola Municipal Boa Esperança a qual pesquisamos é totalmente descontextualizado da realidade escolar e antidemocrático. É um currículo pensado separado da realidade sem a participação da comunidade escolar. O material didático adquirido pela Secretaria Municipal de Educação é de outro Estado onde o mesmo não faz menção à realidade escolar, mesmo a escola sendo uma escola do campo, como descreve as entrevistas e a análise do conteúdo apresentadas do decorrer deste artigo.


Currículo pedagógico da Escola do Campo


O currículoi de Educação do campo é um território em disputa e também de construção, pois durante muito tempo ficou atrelado à educação rural, portanto, submisso ao currículo da escola urbana ou a um currículo da cidade para o campo. Para Moreira (2007, p. 28), “O currículo é um campo em que se tenta impor tanto a definição particular de cultura de um dado grupo quanto o conteúdo dessa cultura. O currículo é um território em que se travam ferozes competições em torno dos significados”. Segundo Arroyo (2004, p. 79),


[...] a cultura hegemônica trata os valores, as crenças, os saberes do campo de maneira romântica ou de maneira depreciativa, como valores ultrapassados, como saberes tradicionais, pré-científicos, pré-modernos. Daí que o modelo de Educação Básica queira impor para o campo currículos da escola urbana, saberes e valores urbanos, como se o campo pertencesse a um passado a ser esquecido e a ser superado. Como se os valores, a cultura, o modo de vida, o homem e a mulher do campo fossem uma espécie em extinção.



Sendo assim, é possível afirmar que as escolas do campo foram pensadas a partir do modelo de educação implementado na cidade, desconsiderando-se as especificidades sociais, culturais, econômicas, políticas e ambientais do mundo rural. Parte deste processo está associada à perspectiva de negação do campo como espaço de produção cultural, econômica e política, influenciado pelo capitalismo, que insiste em compreender as comunidades rurais como espaço de atraso. Com as lutas dos movimentos sociais é que começam as discussões de um currículo especifico do campo, e não para o campo como era pensado até então. A partir desta ideia inicial, poderíamos nos questionar o que é o currículo afinal?

Silva (1995, p. 194) o aborda da seguinte forma:


O currículo é aquilo que nós, professores/as e estudantes, fazemos com as coisas, mas é também aquilo que as coisas que fazem a nós. O currículo tem de ser visto em suas ações (aquilo que fazemos) e em seus efeitos (o que ele nos faz). Nós fazemos o currículo e o currículo nos faz.



Em vista disso, conclui-se que o currículo é tudo aquilo que nos leva a conhecer e estabelecer uma relação de conhecimento com as coisas que são conhecidas a partir do momento que se estabelecem relações intersubjetivas entre o objeto e o sujeito do conhecimento. Caldart (2012, p. 365) demanda-se dos currículos que incorporem, sistematizem e aprofundem esses saberes e essa formação acumulada, e que os ponham em diálogo com seu direito os saberes e concepções das teorias pedagógicas e didáticas, de organização escolar, de ensino aprendizagem como garantia do direito à educação dos povos do campo. Essa relação entre o sujeito racional e o mundo-vida do sujeito é que o leva ao conhecimento, portanto, o sujeito faz o currículo e se refaz a partir dele. O currículo é também relação social, no sentido de que a produção de conhecimento envolvida no currículo se realiza através de uma relação entre pessoas e o mundo a realidade. “Os currículos, seu ordenamento, a hierarquização dos conhecimentos faz parte de relações, experiências, interesses e tensões sociais. É ingênuo pensar que são neutros ou apenas transposição e um produto escolar” (Arroyo, 2012, p. 122).

Ele não é neutro, traz embutido em seu conteúdo, uma intencionalidade, uma disputa de um projeto, seja ele social, político ou educacional. Além deste currículo que não é neutro, temos um currículo ocultoii·, que não está escrito, mas que exerce um papel importante na organização escolar. É uma representação de alguns grupos sociais em detrimento de outros grupos com menores poderes econômicos, ideológicos e políticos, ou poderíamos dizer que ocorre a valorização da cultura dos grupos dominantes sobre os dominados, e em se tratando de educação do campo, a ideia urbana de currículo sobre o rural é o campo como atrasado, retrógado. Concepção que precisa ser superada pela visão moderna da cidade. Silva, (1995, p. 202) traz da seguinte maneira:


O currículo não é, pois, um meio neutro de transmissão de conhecimentos ou informações. O currículo tampouco é meramente um processo individual de construção no sentido psicológico-construtivista. Ao determinar quem está autorizado a falar, quando, sobre o quê, quais conhecimentos são autorizados, legítimos, o currículo controla, regula, governa. O conhecimento inscrito no currículo não pode, assim, ser separada das regras de regulação e controle que definem suas formas de transmissão.



Sendo assim, a Educação do Campo precisa discutir um currículo específico para a realidade do campo, levando em consideração os grupos sociais que compõem a população campo, já que o currículo não é neutro e traz consigo um caráter político e social que regula e controla o modo de trabalhar e o que trabalhar. Com efeito, faz-se necessário inverter a lógica exercida, até então, de pensar um currículo da cidade para o campo. Para pensar um currículo do campo com o campo e no campo. Essa é a ideia que surge a partir das conferências de educação do campo, que é pensar em um currículo que valorize as práticas sociais e culturais dos povos do campo. Gomes (2007, p. 26), preleciona o seguinte:


Cabe destacar, aqui, o papel dos movimentos sociais e culturais nas demandas em prol do respeito à diversidade no currículo. Tais movimentos indagam a sociedade como um todo e, enquanto sujeitos políticos, colocam em xeque a escola uniformizadora que tanto imperou em nosso sistema de ensino. Questionam os currículos, imprimem mudanças nos projetos pedagógicos, interferem na política educacional e na elaboração de leis educacionais e diretrizes curriculares.



O reconhecimento dos sujeitos como cidadãos de direitoiii exige que os órgãos responsáveis construam um currículo, um calendário e formação de professores diferenciados para o campo, que respeite os elementos constitutivos do campo como a terra, o trabalho e as lutas do dia-a-dia. Todos esses fatores envolvem tantos os aspectos ambientais e geográficos, quanto seus aspectos sociais e culturais, integrando as dimensões pedagógicas e políticas da educação e do currículo, materializando-se em práticas que possibilitem o fortalecimento da cultura camponesa e sua relação com a terra.


Currículo e educação do campo na Escola municipal Boa Esperança


Parafraseando Moreira (2007, p. 19), o currículo é o coração da escola, o espaço central em que atuamos, o que nos torna, nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis pela sua elaboração. O papel do educador é fundamental. Ele é um dos grandes artífices, da construção do currículo que se materializam nas escolas e nas salas de aula. Daí a necessidade da participação dos profissionais de educação, de forma crítica e criativa, na elaboração de currículos mais atraentes, democráticos e mais profundos.



Considerando-se o tipo de sociedade que teremos no futuro, no campo, as suas práticas sociais, políticas e de produção estarão refletidas no currículo escolar que hoje formos capazes de oferecer às crianças e às comunidades do campo de modo geral, isto é necessário para podermos compreender com maior clareza que visão de educação e que modelo de homem e mulher estamos propondo às novas gerações (Santos & Almeida, 2012, p. 142-143).


Seguramente, os autores mencionados tocaram num ponto primordial do questionamento sobre o currículo, o que significa dizer ele representa o tipo de sociedade, de educação e de ser humano que queremos formar para as futuras gerações. Por isso, o papel do professor como questionador é importante na discussão sobre o currículo, do contrário ele será apenas um reprodutor, um tarefeiro para execução de um currículo pensado e elaborado por outros e descontextualizado da própria realidade.

Entretanto, durante o período da pesquisa na escola, não se conseguiu perceber a participação dos professores, nem da comunidade na elaboração do currículo escolar, aqui estou me referindo ao material didático, em que pese isso não ser por falta de vontade deles, mas sim, pelo fato de que o material didático que é por meio apostilado adotado pela gestão municipal de educação ser destinado a todas as escolas da rede, inclusive às escolas do campo. A partir desta constatação, procuramos informações das pessoas envolvidas sobre a existência de uma proposta de currículo para as escolas do campo, e em caso positivo, o que ela versava. Na sequência, perguntamos à Secretária Municipal de Educação, por intermédio da Utopiaiv como o Município de Sorriso tem trabalhado as questões curriculares e pedagógicas relacionadas à Educação do Campo, ao que obtivemos a seguinte resposta:


Nesse aspecto, não há um currículo propriamente pensado para Educação do Campo, mas estamos em processo de elaboração das Diretrizes Curriculares da rede municipal que poderão contemplar propostas pertinentes e que possibilitarão uma abordagem na perspectiva da Educação do Campo. (Professora Utopia)



A resposta da secretária confirma aquilo que nossa observação havia conseguido desvelar e que o Projeto Político Pedagógico-PPP e o Regimento Interno também evidenciam que não existe de fato uma política de currículo para a educação do campo no Município. Todavia, o Plano Municipal de Educação (2004), prevê um currículo adequado à realidade do campo. Na segunda parte da entrevista da Secretária, podemos perceber que as orientações escolares do Município estão em elaboração e que é possível que haja propostas relacionadas à educação do campo. Portanto, ficam algumas indagações: ela confirmou no item anterior que existem escolas do campo no Município, e existem as legislações que dizem que as escolas do campo precisam se adequar à realidade, seguir um currículo próprio. O relato da secretária, Professora Utopia nos leva a compreender que o Município não está cumprindo as legislações nacional e estadual, no que se refere à educação do campo.

Para se compreender como isso acontece na realidade escolar, ouvimos os sujeitos para interpretar se há contradições, ou melhor, se a realidade concreta desmente o que se encontra na legislação e resoluções. Para isso, procuramos os professores para saber como é o currículo trabalhado na escola; fazendo o seguinte questionamento aos professores: como a escola vem desenvolvendo as questões curriculares e pedagógicas da educação do campo? A professora Estrelav respondeu da seguinte forma:


Na escola, acredito que não há educação do campo. É só uma escola no campo; os conteúdos curriculares são os mesmos da sede do Município de Sorriso (Professora Estrela).


Vejamos, a aludida professora inicia afirmando que não há na escola uma educação do campo, e sim uma escola no campo. Portanto, uma educação deslocada e descontextualizada. Os conteúdos são os mesmos do sistema urbano. Sendo assim, a escola recebe um ensino urbano com um currículo fechado em disciplinas como caixas, frio, sem as ações de trabalho com o campo e a relação com terra como elemento pedagógico. Trabalha-se de um conteúdo de mercado ensinar para as avaliações oficiais do governo federal, seguir as apostilas que o gestor compra da indústria privada de ensino. Foi possível notar que existe uma preocupação muito grande por parte dos professores e dos gestores para cumprir o conteúdo da apostila e com as notas da avaliação oficiais, como Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB e Provinha Brasil.

Quando nos referimos ao conteúdo de mercado, entende-se as empresas especializadas em fornecer o material didático para atender às exigências do mercado, não se levando em consideração as especificidades das regiões, das escolas do campo, mas sim o conteúdo que é exigido nas avaliações oficiais. Segundo Arroyo (2012, p. 108), “deixamos de ser instigados pelo conhecimento, por sua rica dinâmica. Nossa formação se empobrece. Em vez de libertos pelo conhecimento viramos escravos das demandas do mercado”. Quando nos prendemos a essas questões, perdemos a dimensão humana do currículo, pois estamos ligados às metas, avaliações, cumprimento de tarefas, vencerem apostilas e apresentar resultados. Nesses casos, a educação deixa de ser um direito e passa a ser uma obrigação. Segundo Arroyo (2012, p. 109), temos que indagar outras visões dentro do currículo para além do trabalho:


Incorporar o trabalho e os saberes do trabalho no currículo poderá significar garantir os mestres e educandos o direito, a saber, se sujeitos desses direitos. Quando o trabalho e os saberes do trabalho são reconhecidos como direito adquirem uma outra densidade ético-política e pedagógica.



Incorporar o trabalho no currículo é trazer a história do trabalhador do campo para dentro da escola, trabalho, educação e saúde como direitos de todos.


Uma das funções dos currículos de educação do campo será a de dar centralidade política e pedagógica ao direito da infância e da adolescência, dos jovens e dos adultos do campo a se conhecerem nessa especificidade histórica e de garantir o seu direito a se reconhecerem nesses processos de segregação e inferiorização. A histórica inferiorização dos povos do campo se traduz nas representações sociais, políticas e culturais, que carregam essas marcas inferiorizantes dos coletivos diversos. Desconstruir essas representações será uma função da escola do campo. (Oliveira & Campos, 2012, p. 237).


Em consonância com esta visão, o sujeito do campo torna-se o centro da ação pedagógica, superando a visão de inferioridade, de atrasado, como “Jeca tatu”, adjetivos muito utilizados ao longo da história, que fazia com que se pensasse um currículo urbano para a escola do campo. Porém, neste campo de pesquisa a visão que prevaleceu foi a predominância do currículo urbano sobre o campo, como nos revela o informe do diretor da Escola Municipal Boa Esperança, quando questionado sobre o currículo empregado:


O currículo na verdade é o mesmo da escola urbana, das escolas de sorriso, o que poderia ser alterado, principalmente nesta questão do campo acho que teria que chamar os pais, junto com secretaria sentar e ver uma melhor forma de se trabalhar esses currículos porque, na verdade a escola trabalha como escola do campo, mas com as mesmas estruturas, as mesmas coisas da escola urbana. Só com o nome de escola do campo. (Diretor Professor Tomvi).



Quando o diretor revela que o currículo é o mesmo da escola urbana de Sorriso, torna-se importante ressaltar que no Município, desde 2006, existe o sistema de ensino apostilado como política educacional, isso significa dizer que para todas as escolas a apostila é a mesma, comprovando que todos seguem o mesmo material didático. Na segunda parte da resposta, o diretor expõe uma possibilidade muito importante para a construção de uma proposta, a fim de tornar a escola de fato uma escola do campo, ao sugerir que seria importante chamar os pais e a secretaria de educação para pensar uma proposta educacional voltada para a educação do campo. Esse é um dos princípios defendidos para a educação do campo que é a participação da comunidade nas decisões da escola, e se o currículo é a “alma” da escola, nada mais democrático e necessário do que a efetiva participação de todos os setores da escola na elaboração e aprovação do referido currículo.

No atual cenário, o currículo é algo antidemocrático, pois não tem a participação de nenhum dos setores da comunidade escolar nem dos professores, nem dos pais, nem dos alunos, porque ele é adquiridovii por um processo de licitação, sem nenhuma consulta à comunidade escolar, sendo posteriormente distribuído para as escolas como “receitas prontas” de educação. Como se o sistema apostilado fosse sinônimo de qualidade. Para Costa (2012, p. 127), atualmente, não é mais possível pensarmos o processo de produção de conhecimento como anteriormente, pois se faz necessário um ensino voltado à pesquisa em que o aluno busque a construção de novo conhecimento em uma interação com a realidade em que ele está inserido, neste sentido, para Castilho (2011, p. 166):


Os currículos são monoculturais, racial e culturalmente cegos. São elaborados sobre uma noção de “universalidade”, que nada mais é do que uma construção simbólica, a partir de valores raciais e culturais dominantes. Esse tipo de currículo se currículo se configura a partir de um processo de filtragem, constituindo limitação e mutilação para os alunos que não fazem parte da cultura dominante.



Essa maneira de selecionar os currículos exclui do processo os povos do campo, e todos os demais povos que não fazem parte da cultura dominante. Como foi descrito anteriormente, é um currículo antidemocrático que desconsidera toda a cultura e os conhecimentos dos povos historicamente explorados.

Depois de ouvirmos os gestores em relação ao currículo, partimos para escutarmos aqueles que são os “aplicadores” deste currículo dentro da sala de aula, que são os próprios professores da escola. Para eles, fizemos a seguinte indagação: Como os professores da Escola Municipal Boa Esperança vêm desenvolvendo as questões curriculares e pedagógicas da educação do campo? Obtivemos as seguintes respostas:


Pedagogicamente a escola não vem direcionando nenhuma ação que vise à escola do campo. Provém de um currículo urbano, onde a escola não tem nenhum poder de decisão sobre o mesmo. (Profª. Solviii)



Os dados coletados na entrevista com a professora Sol revelam uma realidade antidemocrática na questão curricular, um currículo urbano para a escola do campo, e sem a participação da comunidade; ou melhor, a comunidade escolar não participa da construção do currículo. Ele vem pronto e acabado, restando aos profissionais da educação aplicá-lo. Ademais, ela afirma que a escola não vem direcionando qualquer ação que vise à escola do campo. O trabalho realizado dessa forma na escola vai contra a visão da educação do campo, que tem o campo como espaço de vida e trabalho, destacando e valorizando aspectos ambientais, políticos, econômicos, religiosos entre outros. Para Araújo e Silva (2012, p. 66), “é importante destacar que a proposta pedagógica inserida nesse processo deve comportar, não apenas os conteúdos disciplinares, mas as concepções e valores que norteiam as práticas educativas no espaço escolar, ou seja, saberes não escolares”. A compra deste material didático faz com que recursos públicos que poderiam ser aplicados para melhorar a qualidade da educação vão para o capital educacional privado.

Nos dados obtidos na entrevista com a professora Ivaix, em que a indagação foi como a escola vinha desenvolvendo as questões curriculares e pedagógicas da educação do campo, obtivemos a seguinte resposta:


Atualmente não a educação do campo está sendo discutida em nossa escola, mas não consta na reformulação do PPP de 2014. São realizados trabalhos isolados em turmas dos alunos de 4° e 5° anos com o tema agricultura familiar, sendo um projeto de uma empresa. Mas, a escola não tem no seu currículo uma proposta pedagógica referente à educação do campo.



Essa resposta nos remete à argumentação da Secretária de Educação, Profª. Utopia quando diz:


Nesta escola, procura-se desenvolver um trabalho relacionado às dinâmicas do campo através de projetos temáticos em parceria com empresas e organizações ligadas ao agronegócio”.



A professora Iva revela outras duas situações. A primeira, que vem sendo discutida a questão da educação do campo na escola, mas que não consta no Projeto Político Pedagógico – PPP, de 2014. A segunda, e muito importante, é que a escola não tem uma proposta pedagógica e de currículo para a educação do campo no seu PPP, de 2014.

Ao interpretar-se a resposta desta professora, podemos dizer que se nada consta no PPP da escola sobre a educação do campo, e sendo tal documento primordial na organização escolar, então no mínimo há uma negação da identidade da escola e da realidade na qual está inserida. Continuando a interpretação, quando se fala de trabalho isolado em um projeto de agricultura familiar de uma empresa ligada ao agronegócio, não é a mesma agricultura familiar que vem sendo defendida pelo movimento da educação do campo.

O que acontece neste caso é uma “expropriação” dos conceitos da educação do campo pelas empresas do agronegócio, que fazem esses projetos e implantam nas escolas como marketing, em que ensinam as pessoas desde cedo a usarem seus produtos, isso com o aval da Administração Pública.

Está é uma realidade muito presente nas escolas de Sorriso, e especialmente, nas Escolas do campo. Através da resposta da professora, acredita-se que, por falta de conhecimento, o projeto da empresa é tratado como projeto de educação do campo, em que seu principal objetivo é a comercialização de defensivos agrícolas. Por essa razão, se faz necessária a discussão de um currículo do campo, com o campo e não para o campo. Nesse sentido, não se trata apenas do material didático, mas do currículo como um todo.

Para Pacheco (2003, p. 10), “o currículo tem a centralidade no debate sobre as questões educativas”. À vista disso, faz-se necessário discutir desde o currículo oculto, isto é, aquilo que não consta nos documentos, que é ensinado ao aluno, as políticas curriculares nacionais, estaduais e municipais. As relações interpessoais entre professores, alunos, pais e equipe gestora e a organização dos espaços escolares e a formação docente, todas estas discussões envolvem o que chamamos de currículo. Essa é uma visão de currículo desenvolvida por Pacheco (2003, p. 10), senão vejamos:



O currículo, enquanto projeto educativo e projeto didático encerram três ideias-chave: de um propósito educativo planificado no tempo e no espaço em função de finalidades; de um processo de ensino/aprendizagem, com referência a conteúdos e atividades; de um contexto específico - o da escola ou organização formativa.



Consequentemente, é imperiosa a reformulação do PPP incluindo uma proposta que revele a identidade da escola como escola do campo. Uma formação para os professores para que os mesmos possam discutir e elaborar uma proposta pedagógica de escola do campo. Elaborar um currículo para a escola que seja condizente com a realidade da escola do campo, pois como afirma o professor Zéx quando na entrevista foi questionado sobre o currículo da escola, disse o seguinte: “A escola não possui um currículo próprio para a escola do campo”.

Continuando nesta mesma discussão, a professora Florxi nos noticia o seguinte:


Também não há currículo diferenciado, vez ou outra a professora trabalha algum projeto que enfatiza a aplicação no campo. Ex. Compostagem de lixo que ela mesma trabalhou com sua turminha de 3° ano.



As respostas do corpo docente, do diretor e da própria Secretária Municipal de Educação demonstram que efetivamente não existe um currículo voltado para a educação do campo na escola Municipal Boa Esperança. No entanto, a professora Flor demonstrou em sua entrevista uma preocupação com a realidade da comunidade ao afirmar que fez um trabalho com os alunos sobre a compostagem de lixo, fato que nos dá uma ideia de trabalho relacionado com e meio ambiente com as questões de sustentabilidade, matéria que vem sendo recomendada pelas orientações curriculares, nacionais e do Estado de Mato Grosso para ser trabalhada nas escolas do campo. Contudo, tal resposta revela que não há um planejamento para realização desse trabalho, pois acontece esporadicamente, conforme o arbítrio de cada professor e que não é algo assumido pela escola como um todo.

O currículo é basicamente tudo numa escola, é muito importante e que precisa ser questionado e contextualizado para a realidade de cada unidade escolar, a ser desenvolvido com a participação de toda a comunidade. Ele não é responsabilidade de um ou de outro, mas de todos os segmentos da escola. Sobre o assunto, Machado (2008, p. 194) preleciona da seguinte forma:


O currículo não é uma panaceia capaz de resolver todos os problemas da escola, muito embora seja o elemento motriz da ação pedagógica a ser desencadeada por ela, pois é nele que estão contidas todas as experiências, valores e habilidade a serem trabalhadas com os alunos, enfim, o conjunto de vivências educativas que a escola pretende protagonizar. O currículo não é algo que se faz e que acontece isoladamente, haja vista sua articulação com a totalidade das ações educativas da escola.



Nessa perspectiva, o currículo é o elemento aglutinador das atividades desenvolvidas no ambiente escolar. Nele se encontra as competências e habilidades que se espera que os alunos adquiram através daquilo que é ensinado e aprendido na escola, com as experiências que cada um traz. É sabido que a aprendizagem começa com o nascimento e acaba com a morte, e que a escola não é o único, e nem sempre o melhor lugar apara aprendermos. “O processo de aquisição e produção do conhecimento deve se pautar nas relações dialética sujeito-objeto-sujeito, educador-educando e conhecimento-trabalho socialmente produtivo, e na integração entre as diferentes áreas de conhecimento (idem, p. 197)”. Para Mészáros (2008, p. 47), [...] “a aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender”. Segundo Paulo Freire (2001, p. 13), “o ser humano jamais para de educar-se. Numa certa prática educativa não necessariamente a de escolarização, decerto, bastante recente na história, como a entendemos”. Portanto, a vida dos estudantes, o coletivo deles precisa estar dentro do currículo escolar.

O conhecimento se faz para além da sala de aula, na sua casa, na sua comunidade é um processo que dura a vida inteira, não se restringe ao tempo escolar. Diante disso, um currículo de educação do campo não pode se desvincular de um projeto de sociedade, com produção de vida e conhecimento, abrangente que afirma “que o campo é espaço de vida digna, e que é legítima a luta por políticas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para seus sujeitos” (Caldart, 2004, p. 12).

Durante a entrevista para coleta de dados, o diretor e alguns professores, quando questionados sobre o currículo desenvolvido na escola, apontaram para a direção que, como pensadores da educação do campo, a forma ideal de construção do currículo é a forma coletiva e participativa da comunidade. O diretor da Escola Municipal Boa Esperança aponta o seguinte:



O que poderia ser alterado, principalmente nesta questão do campo acho que seria teria que chamar os pais, junto com secretaria sentar e ver uma melhor forma de se trabalhar esses currículos (Diretor Professor Tom).



A professora Sol no mesmo sentido, afirma:


Poderia fazer, reunir toda a comunidade escolar e discutir a questão do campo mesmo como seria propício, como poderia ser desenvolvido porque isso não é só questão de gestão, a questão pedagógica tem que ser desenvolvida por toda a comunidade escolar, pais, professores, direção, o meio rural, o pessoal que tá aqui, as fazendas os sítios, o pessoal que pode abraçar isso. (Professora Sol)



Os dados coletados nas entrevistas com o Diretor, professor Tom e com a Professora Maria apontam para a construção de um currículo contextualizado com a participação da comunidade escolar, quer dizer, um currículo vivo, presente. E, ainda, que traga a necessidade da comunidade para dentro da escola, pois é a comunidade escolar que sabe o que é importante a ser estudado. O currículo da escola do campo precisa trazer a vida para dentro de seus conteúdos. A lição de Molina (1999, p. 67) diz:


É preciso rever os tempos e os espaços que têm constituído o dia a dia de nossas escolas. Não há como imaginar aulas estanques e inanimadas como principais meios pedagógicos para ajudar. Por exemplo, na implementação de novos processos produtivos no campo. É preciso pensar num ambiente educado que combine múltiplas atividades voltadas às diversas dimensões de formação de pessoa.



Um dos desafios é organizar os tempos e os espaços para atender a demanda e educar para as práticas sociais do campo e, ao mesmo tempo, os conhecimentos científicos já sistematizados, num permanente exercício de ler e atuar o no seu mundo, para transformá-lo e transformar-se num movimento de superação e aprimoramento dos saberes. Para Freire (1987, p. 10) “Não há homem absolutamente inculto. O homem “humaniza-se” expressando, dizendo seu mundo”.

Por sua vez, nos dados coletados na entrevista com Professora Florxii sobre o currículo, ela aponta para a seguinte proposta:


O que precisaria ser feito é ser estudado, a gente visitar como havíamos propostos antigamente, a gente ver como que funciona, conhecendo o sistema para que isso realmente se concretize (Professora Flor).



Para esta professora, é necessário o estudo sobre o tema, visitar as escolas onde já funciona a educação do campo, para entender o funcionamento dessas escolas, para aplicar tal conhecimento na prática.

Podemos observar que existe, por parte dos professores e do diretor, uma consciência de como fazer uma pedagogia baseada no princípio democrático, porém, falta a iniciativa para buscar parcerias com entidades de Ensino Superior e outras como EMPAER, EMBRAPA, SINDICATOS, Secretarias Municipais de Agricultura, Instituições de Ensino Superior (com Projetos de Pesquisa e Extensão) e Cooperativas, com a finalidade de realizar trabalhos voltados temas relacionados à educação do campo.

Precisa-se do professor pesquisador para a transformação da realidade social, trazendo os saberes locais para a construção de ferramentas pedagógicas e apropriação pelos sujeitos dos conhecimentos acumulados pela humanidade. Partir do conhecimento local para o conhecimento universal. Não é permanecer no senso comum, mas sair do senso comum para o conhecimento científico. “Educar é ter coragem de romper consigo mesmo para poder instaurar uma nova compreensão da ação e dela imprimir uma nova ação reflexiva, tornando possível a ampliação do poder de autodeterminação” (Ghedin, 2012, p. 73). Sendo assim, educar é um processo contínuo na busca permanente de novas ações para o fazer pedagógico. A educação se revela como um ato político, ampliando assim seu sentido, rompendo com a dicotomia que separa o político do pedagógico. “A educação é um ato político, portanto ninguém educa sem um projeto de formação cultural, e esse projeto passa, necessariamente, por uma intencionalidade política (Idem, p. 73)”.

Isso nos leva a pensar a Educação do Campo com um plano de cargos e carreiras para os docentes que dê preferência para a contratação e efetivação daqueles professores que morem no campo próximo da escola. Com remuneração diferenciada, Plano de formação permanente e que sua carga horária seja dividida entre pesquisa, ensino e projetos pedagógicos relacionados ao currículo diversificado, a fim de que o professor do campo deixe de ser um tarefeiro, para ser um pesquisador um propositor de ideias sustentáveis de desenvolvimento socioeconômico. Embora não se conceba a ideia de um professor que não seja um pesquisador, mas, sem tempo, o professor se torna refém das atividades diárias da escola. Para Caldart (2015, p. 25), os sujeitos da escola precisam conhecer a realidade atual, do seu entorno e de seu próprio funcionamento. Para conhecer é preciso pesquisar, estudar esta realidade, tomando os dados levantados como matéria-prima do planejamento pedagógico. Com tempo para pesquisa o professor poderá sair dos muros da escola e buscar conhecer de fato a realidade da comunidade através de um inventário, que envolva toda a comunidade, e todos podem ser sujeitos da pesquisa, pais, professores e alunos. A realidade em que a escola está inserida é um laboratório aberto e um currículo vivo, presente e atuante.


Recurso didático: apostila


As práticas pedagógicas dos professores da Escola Municipal Boa Esperança, têm como material didático a apostila do Sistema de Ensino Aprende Brasil da Editora Positivo de Curitiba – PR. Este material didático é o que dita os conhecimentos que serão trabalhados na Escola. Esta posição tomada pela política municipal de educação vai contra os princípios defendidos pelos autores discutidos ao longo deste artigo, pois, não leva em consideração as percepções e as necessidades do povo do campo, suas histórias, suas lutas, suas conquistas. O mesmo traz um conteúdo de “mercado”, com saberes urbanos sistematizados prontos e acabados em detrimento dos saberes do campo como retrógado, atrasado e ultrapassado. Supervalorização da cultura urbana e depreciação do estereótipo da cultura camponesa.

O material didático apostilado tem como objetivo fornecer subsídios básicos de ensino-aprendizagem, para os professores desenvolverem em sala de aula com os estudantes. A escolha do conteúdo não é neutra ela tem uma finalidade e uma razão de ser, ela representa um grupo social e detrimentos de outros com menores poderes econômicos, ideológicos e políticos, ou poderíamos dizer que ocorre a valorização da cultura dominante sobre os dominados do campo.

Aqui me propus analisar o conteúdo da apostila para verificar se encontro nela os conteúdos relacionados à realidade a qual a escola está inserida e se os conteúdos estão relacionados com a realidade vivida pelos estudantes. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) permite que os professores escolham o livro didático e o MEC fornece também livros para a escola do campo com conteúdo voltado para o campo. Não é o que acontece com a apostila no município de Sorriso – MT. Neste referido município apostilas como material didático são adquiridas através de um processo licitatório, portanto, os professores não participam do processo de escolha.

A apostila que analisaremos é o volume um do sétimo ano sexta série, pois não tivemos acesso à coleção toda, para que pudéssemos fazer uma análise mais densa. Neste volume faremos uma análise dos conteúdos de Língua Portuguesa, Geografia e Ciências.

O capítulo destinado a Língua Portuguesa, trabalha os mitos, porém, são mitos da mitologia grega, deuses de olimpo: Apolo, Atena entre outros. Outros da Mongólia, como o mito da águia, a vespa e a andorinha. O Mito da conquista dos Espanhóis em Porto Rico, onde retrata o Índio como selvagem e Violento. O texto que mais me chamou atenção nesta análise chama-se: Amansando a Mulher, é um texto extremamente machista, e apresenta todas as formas de violência contra a mulher, ou seja, passa e ideia da mulher submissa ao homem através da violência.

Não encontramos conteúdos que se refiram à realidade do campo, quando o homem do campo aparece no texto, aparece descaracterizado como atrasado, o caboclo, com roupas remendadas, chapéus rasgados e fumando. A figura do “jeca”.

Observando o capítulo destinado a geografia percebe-se que o texto trabalha o conflito pela terra, mas o conflito que ele traz é só entre os brancos e os povos indígenas, não trabalha o conflito pela terra onde envolve os povos do campo, como por exemplo, os acampados e os povos quilombolas. Nas imagens ilustrativas do livro não encontramos nenhuma do estado do Mato Grosso. As mais próximas são de Rondônia e Minas Gerais. Outro fato que nos chamou atenção nesta análise, são as imagens, quando estão relacionadas à Amazônia, Rondônia ou Minas Gerais, são imagem de Matas ou lavouras. Quando estão se referindo ao sul e sudeste as imagens são de fábricas, automóveis, cidades, pontos turísticos. O que denota uma má intenção, ou uma falta de conhecimento de quem escreve este material didático para ser usados como suporte no ensino-aprendizagem.

Em ciências a apostila trabalha a biodiversidade brasileira, nesta parte da apostila encontramos animais e plantas que são conhecidos de nossos estudantes como: anta, onça, pequi, cajueiro, ema, castanheira, entre outras. Porém, quando trata da diversidade de seres humanos traz brancos e negros. Não encontramos índios e asiáticos na configuração do povo brasileiro. Na formação da cultura brasileira, os textos escolhidos não trazem as contribuições valiosas dos povos indígenas e dos povos africanos.

Os povos do campo, não são retratados neste material, o campo que é retratado é o campo do agronegócio, da monocultura, do branco rico e “desbravador”, em detrimento do homem pobre trabalhador que luta pela terra e pela vida. Os textos não discutem a questão dos assentados, dos quilombolas, dos povos indígenas, produção sustentável, relação de gênero. Contradizendo a ideia de Arroyo (2012, p. 153) de se ensinar-aprender sobre as experiências dos sujeitos.


Trazer os sujeitos para os currículos, para o conhecimento significa trabalhar o ensinar-aprender sobre as experiências de vida dos seus sujeitos e não sobre matérias distante, abstratas, significa aproximar mestres e alunos entre si e com os conhecimentos.



A apostila traz muitos endereços eletrônicos com exercícios e atividades para que os estudantes façam através da internet, porém o laboratório da escola está sem internet. E segundo o próprio levantamento feito pela escola e publicado do PPP (2014), 48% dos alunos não possuem internet, portanto, a metade dos estudantes fica excluída dessa inclusão que se supõem universalizada.

O que encontramos nas apostilas é o mesmo que retrata Castilho (2011, p. 172) ao analisar o livro didático utilizado, na comunidade quilombola, no período em que pesquisou:


O ambiente rural é mostrado tangencialmente como um lugar distante, uma realidade à parte, um paraíso ecológico onde estão as plantas, os animais e os rios. As pessoas que moram no campo são pouco retratadas, mas a ideia é que são simples, mas felizes. As fotos que ilustram esses textos são de grandes fazendas, com muito gado, casas de alvenaria. Não se faz referência ao proletariado rural, das lutas que há no campo. Os conflitos de terra, o abandono governamental aos pequenos agricultores, o êxodo rural, o problema dos sem-terra e dos quilombolas não existem nesses livros.



O material analisado está longe da realidade dos estudantes, traz textos e exercícios que os mesmos terão dificuldades de interpretar, primeiro por não conhecerem os temas e segundo porque, grande parte destes estudantes não tem acesso à internet, como ferramenta pedagógica. Portanto, o próprio conteúdo trabalhado na apostila fica a desejar, pois o mesmo fica restrito aquilo que o professor trabalha em sala de aula. Não tendo como realizar as atividades sugeridas na apostila para melhor fixar o conteúdo.


Considerações finais


Constatamos no decorrer desta pesquisa que o currículo da Escola Municipal Boa Esperança necessita passar por uma reformulação profunda para que o mesmo contemple a realidade escolar. Trazendo para o contexto do currículo pedagógico os sujeitos do processo educacional, professores, estudantes e os pais. Esses membros da comunidade escolar são os agentes, produtores e consumidores dos saberes adquiridos e produzidos na escola e na comunidade.

Evidenciamos que é necessária uma análise e elaboração do Projeto Político Pedagógico da unidade escolar, para que esses sujeitos tenha a oportunidade de discutir, repensar e reelaborar o documento de forma a contemplar as concepções, metodologias, conteúdos e outros que atenda a realidade do/no campo. Sendo necessário que este documento seja sempre visto e manuseado, lido e praticado por todos, contribuindo nas melhorias educacionais para a educação escolar da comunidade.

Essa educação deve considerar também a diversidade pluricultural, e os saberes da população do campo, associando aos seus projetos de vida nessa localidade. É necessário que os estudos sobre essa modalidade de ensino sejam discutidos nas formações de professores, permitindo fortalecer a identidade campesina, possibilitando repensar a prática pedagógica dos docentes. Essa realidade do ensino escolar do/no campo, deve ser compreendida na sua singularidade.

Ajuizar um currículo pedagógico do campo, com o campo, no campo e não para o campo. Incorporar elementos pedagógicos da realidade dos estudantes sua cultura, suas histórias, suas origens, elementos constantes na realidade dos estudantes. Para que os mesmos estabeleçam relação entre o conhecimento teórico e suas realidades cotidianas. Refletir sobre a educação do campo é pensar pedagogicamente um projeto de sociedade visando à emancipação cultural, educacional e econômica do povo do campo. Em conformidade com Caldart (2004, p. 14), “O diálogo se dá em torno de uma concepção de ser humano, cuja formação é necessária para a própria implementação do projeto de campo e de sociedade que integra o projeto da Educação do campo”.

Portanto, a Escola Municipal Boa Esperança diante daquilo que observamos e pesquisamos, apresenta algumas dificuldades que precisam ser superadas para que de fato tenha uma educação do campo. O currículo é essencial e uns dos elementos primordiais para a efetivação desta modalidade de ensino. O fortalecimento da educação do campo passa pela reestruturação da própria escola enquanto mecanismo vivo de participação dos membros da comunidade escolar, tomadores de decisões com relação ao conteúdo do currículo a ser ensinado e uma formação de professores que atendam às necessidades específicas de cada realidade escolar. A defesa que os movimentos sociais fazem para uma educação do campo possibilitando que a mesma seja efetivada, leva em consideração o tripé: calendário, currículo e formação de professores. Durante a realização da pesquisa percebemos um desejo e também necessidades dos professores e demais membros da comunidade escolar em entender de fato do que trata a educação do campo e como implantá-la na escola. Com relação ao currículo os professores sugeriram a necessidade de reunir a comunidade para discutir com a Secretaria Municipal de Educação um currículo que incorpore os saberes e fazer da realidade da comunidade onde a Escola está inserida. Os mesmos apontaram também para a necessidade de ter uma formação específica para a educação do campo, uma vez que, todos possuem formação de nível superior, porém, nenhum deles têm formação para educação do campo. O calendário segundo eles é outro problema, pois o mesmo começa junto com o das escolas urbanas geralmente no início fevereiro e devido à estação da chuva muitos dias os estudantes do campo ficam sem aula, pois as estradas de terra não permitem que o transporte circule. Sendo assim os estudantes do campo ficam prejudicados.

A referida escola encontra-se distante 130 km da sede do município de Sorriso-MT, o que dificulta o atendimento por parte da Secretaria Municipal de Educação e a própria formação dos professores programada para a referida cidade fica comprometida devido à distância a ser percorrida pelos mesmos. O que acaba dificultando também a participação dos pais nas discussões mais profunda sobre o processo educacional da escola e consequentemente da própria comunidade.

Isso demonstra a necessidade de um trabalho de orientação, organização, formação, e de uma Política Pública Municipal para a escola do Campo, visando à formação do quadro de professores, com currículo adequado às necessidades da comunidade, a participação efetiva e democrática de toda a comunidade nas decisões dos rumos da educação e da escola. Em suma, a integração da escola com a comunidade, na própria comunidade.


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Spinelli, L. S. F. (2013). Trabalho Pedagógico, Planejamento e Organização do Espaço Educativo. EduFMT, Cuiabá- MT.



iA palavra currículo vem do latim Curriculum, de currere, “correr” que significa carreira, curso, percurso, pista de do àquilo que deveria ser ensinado nas escolas, fazendo referência ao conteúdo das disciplinas e ao plano de estudos de determinada matéria. A relação de matérias ou disciplinas com conteúdo organizado a partir de uma lógica sequencial (Spinelli, 2013, p. 24). O termo currículo provém da palavra latina currere, que se refere à carreira, a um percurso que deve ser realizado e, por derivação, a sua representação ou apresentação. A escolaridade é um percurso para os alunos/as, e o currículo é seu recheio, seu conteúdo, o guia de seu progresso pela escolarização. (Sacristán & Gómez, 2000, p. 25).


iiTrata-se do chamado currículo oculto, que envolve, dominantemente, atitudes e valores transmitidos, subliminarmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar. Fazem parte do currículo oculto, assim, rituais e práticas, relações hierárquicas, regras e procedimentos, modos de organizar o espaço e o tempo na escola, modos de distribuir os alunos por grupamentos e turmas, mensagens implícitas nas falas dos(as) professores(as) e nos livros didáticos. São exemplos de currículo oculto: a forma como a escola incentiva a criança a chamar a professora (tia, Fulana, Professora etc); a maneira como arrumamos as carteiras na sala de aula (em círculo ou alinhadas); as visões de família que ainda se encontram em certos livros didáticos (restritas ou não à família tradicional de classe média) (Moreira & Candau, 2007, p. 18).


iii Educadores e educandos se vendo e sendo reconhecidos como sujeitos de direitos. Esse reconhecimento coloca os currículos, o conhecimento, a cultura, a formação, a diversidade, o processo de ensino-aprendizagem e a avaliação, os valores e a cultura escolar e docente, a organização dos tempos e espaços em um novo referente de valor: o referente ético direito. Reorientar o currículo é buscar práticas mais consequentes com garantia do direito à educação. (Moreira, 2007, p. 12).


iv Nome Fictício.


v Nome fictício.


vi Nome fictício.


vii O município desde 2006 adotou como Política Municipal de Educação o método apostilado de Ensino. A partir deste momento o currículo apostilado virou sinônimo de qualidade de educação e carro chefe de campanhas políticas. Todo final de ano é feito uma licitação para aquisição das apostilas pela prefeitura até o momento ficou como ganhadora da licitação as editoras positivo e objetivo ambas do Paraná a editora que ganha a licitação fica responsável de fornecer o material didático e a formação para os professores do município. A formação consiste em como utilizar a apostila em cada bimestre, portanto um encontro de quatro horas para cada bimestre.


viii Nome Fictício.

ix Nome Fictício.


x Nome Fictício.


xi Nome Fictício.


xii Nome Fictício.






Recebido em: 28/06/2016

Aprovado em: 23/07/2016

Publicado em: 03/08/2016




Como citar este artigo / How to cite this article / Como citar este artículo:


APA:

Porto, I., Barros Neta, M. A., & Pereira, L. S. (2016). As impressões dos sujeitos da Escola Municipal Boa Esperança Sorriso – MT: sobre o processo educativo e o currículo das escolas do campo. Rev. Bras. Educ. Camp., 1(1), 147-170.


ABNT:

Porto, I., Barros Neta, M. A., & Pereira, L. S. As impressões dos sujeitos da Escola Municipal Boa Esperança Sorriso – MT: sobre o processo educativo e o currículo das escolas do campo. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 1, n. 1, p. 147-170, 2016.



Rev. Bras. Educ. Camp.

Tocantinópolis

v. 1

n. 1

p. 147-170

jan./jun.

2016

ISSN: 2525-4863


170