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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15674
A Educação Infantil em contexto de pandemia: arranjos
curriculares e pedagógicos
Bethânia Alves Costa Zandomínegue1, Adriano Malaquias de Oliveira2
1 Universidade Federal de Goiás - UFG. Faculdade de Educação Física e Dança. Avenida Esperança, s/n. Chácaras de
Recreio Samambaia. Goiânia - GO. Brasil. 2 Universidade Federal do Norte do Tocantins - UFNT.
Autor para correspondência/Author for correspondence: bethania.costa@ufg.br
RESUMO. Esta pesquisa de abordagem qualitativa e caráter
exploratório foi produzida a partir de entrevistas realizadas com
duas professoras e uma coordenadora pedagógica que atuam na
Educação Infantil de Colinas do Tocantins/TO. O objetivo foi
analisar como a Educação Infantil do município se estruturou no
contexto da pandemia no ano de 2021, focalizando aspectos
relacionados ao campo de experiência Corpo, Gesto e
Movimento preconizado pela Base Nacional Comum Curricular.
Com base nesta análise, refletir sobre o brincar e movimentar-se
como linguagens essenciais às crianças. No processo de análise
interpretativa, identificou-se a adoção do ensino remoto para a
Educação Infantil e os desafios sentidos pelas docentes para a
condução desse trabalho. Como alternativas para o
enfrentamento das dificuldades destaca-se a ampliação do
diálogo com a família e a adoção de diferentes linguagens para a
comunicação com as crianças. As professoras se esforçaram
para contemplar o campo de experiência Corpo, Gesto e
Movimento e tiveram uma demanda corporal para a produção de
materiais audiovisuais para as crianças. Conclui-se que, apesar
desse esforço, nas propostas de ensino remoto para a Educação
Infantil, houve pouca ênfase à linguagem corporal e valorização
do protagonismo infantil.
Palavras-chave: educação física, educação infantil, ensino
remoto, criança, linguagens.
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Early Childhood Education in the context of a pandemic:
curricular and pedagogical arrangements
ABSTRACT. This research with a qualitative and exploratory
approach was produced from interviews with two teachers and a
pedagogical coordinator who work in Early Childhood
Education in Colinas do Tocantins/TO. The objective was to
analyze how Early Childhood Education in the municipality was
structured in the context of the pandemic, in the year 2021,
focusing on aspects related to the Body, Gesture and Movement
field of experience recommended by the National Common
Curricular Base. Based on this analysis, reflect on playing and
moving as essential languages for children. In the process of
interpretive analysis, the adoption of remote teaching for Early
Childhood Education and the challenges felt by the teachers in
carrying out this work were identified. As alternatives for
coping with difficulties, the expansion of dialogue with the
family and the adoption of different languages for
communicating with the children stand out. The teachers made
an effort to contemplate the field of experience Body, gesture
and movement and had a body demand for the production of
audiovisual materials for the children. It is concluded that,
despite this effort, in proposals for remote teaching for Early
Childhood Education, there was little emphasis on body
language and appreciation of children's protagonism.
Keywords: physical education, early childhood education,
remote learning, children, languages.
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Educación Infantil en el contexto de una pandemia:
arreglos curriculares y pedagógicos
RESUMEN. Esta investigación con enfoque cualitativo y
exploratorio se produjo a partir de entrevistas con dos docentes
y un coordinador pedagógico que actúan en Educación Infantil
en Colinas do Tocantins/TO. El objetivo fue analizar cómo se
estructuró la Educación Infantil en el municipio en el contexto
de la pandemia, en el año 2021, centrándose en aspectos
relacionados con el campo de experiencia Cuerpo, Gesto y
Movimiento recomendado por la Base Curricular Común
Nacional. A partir de este análisis reflexionar sobre el juego y el
movimiento como lenguajes esenciales para los niños. En el
proceso de análisis interpretativo, se identificaron la adopción de
la enseñanza a distancia para la Educación Infantil y los desafíos
sentidos por los docentes en la realización de este trabajo. Como
alternativas para el enfrentamiento de las dificultades se
destacan la ampliación del diálogo con la familia y la adopción
de diferentes lenguajes para comunicarse con los hijos. Los
docentes se esforzaron en contemplar el campo de experiencia
Cuerpo, gesto y movimiento y tuvieron demanda corporal para
la producción de materiales audiovisuales para los niños. Se
concluye que, a pesar de este esfuerzo, en las propuestas de
enseñanza a distancia para la Educación Infantil, hubo poco
énfasis en el lenguaje corporal y la valoración del protagonismo
de los niños.
Palabras clave: educación física, educación infantil, educación
a distancia, infantil, idiomas.
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Introdução
No contexto da pandemia de Covid-19, o isolamento social se estabeleceu como uma
medida de prevenção à disseminação do vírus, o que acarretou a paralisação das aulas
presenciais nas escolas. Essa condição exigiu a incorporação de novas metodologias de
trabalho nos diferentes campos de atuação. No âmbito educacional, as escolas precisaram
ajustar o modo de dar continuidade ao ensino.
No Brasil, a partir da Portaria 343, de 17 de março de 2020, do Ministério da
Educação (MEC), houve a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais em,
praticamente, todo o país. Assim, o uso dos recursos tecnológicos passou a compor o rol de
possibilidades de trabalho no campo da educação, durante a pandemia. Entretanto, esse novo
contexto evidenciou o despreparo do sistema educacional brasileiro, na sua adequação ao
trabalho não presencial.
Uma pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho
Docente
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(Gestrado/UFMG), que envolveu cerca de 15 mil professores da Educação Básica do
Brasil revelou que, durante a pandemia, mais da metade desses professores (53,6%) não
possuíam preparo para ministrar aulas não presenciais. O estudo apontou que, apenas 3 de
cada 10 professores(as) da Educação Básica possuíam tanto recursos tecnológicos quanto o
preparo necessário para a realização das atividades remotas. Outro fator que emergiu desta
nova realidade foi a busca por auto formação profissional. Os professores tiveram que
aprender a operar com os recursos tecnológicos, em curto espaço de tempo (Gestrado/CNTE,
2020).
No conjunto de normativas que orientam o processo educacional brasileiro está a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2017) que prevê que a escola possibilite aos
estudantes apropriar-se das linguagens das tecnologias digitais e tornar-se fluentes em sua
utilização. Na etapa do Ensino Médio, o documento aponta a aplicação dos recursos
tecnológicos em cada disciplina. Entretanto, devido à pandemia, esse fator foi incorporado
pelas diferentes etapas da educação, incluindo a Educação Infantil (EI).
Consideramos como importante papel da EI, oferecer propostas pedagógicas que
possibilitem a introdução da criança nesse novo universo, o da educação. Para tanto, os
documentos legais para esta etapa, bem como a produção acadêmica da área orientam que os
processos educativos desenvolvidos com crianças, as reconheçam como sujeitos de direito e
que sejam conduzidos por meio de práticas que valorizem a ludicidade, as brincadeiras e os
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movimentos, em todas as dimensões que compõem a sua vivência (Brasil, 2009, 2017; Borba,
2007; Assis, Mello, Ferreira Neto, Santos & Schneider, 2015; Sarmento, 2015). A BNCC, de
modo específico, aponta o campo de experiência Corpo, Gesto e Movimento como parte da
proposta curricular a ser desenvolvida na EI.
Apesar dessas orientações e discussões acerca dos processos de ensino destinados às
crianças, nos últimos anos, ainda observamos práticas voltadas, predominantemente, à
escolarização da infância e desvalorização do lúdico, do brincar e do movimento corporal nas
ações educativas conduzidas para elas. o predomínio do trabalho nas dimensões racionais
(alfabetização) de modo a colocar em campo oposto, a linguagem corporal, como se não fosse
possível interligar corpo e movimento no ensino das crianças (Richter, 2006).
Em relação à condução da EI do município de Colinas do Tocantins/TO, lócus deste
estudo, questionamos como as creches se organizaram para oferecer o ensino durante a
pandemia. Quais foram as estratégias do município e/ou instituição para atender às
especificidades da Educação Infantil e do público por ela atendido? Essas ações favoreceram
o ensino para as crianças? O campo de experiência “Corpo, Gesto e Movimento” foi
considerado nas propostas destinadas a elas? Desse modo, o objetivo desse estudo foi analisar
como a Educação Infantil do município de Colinas do Tocantins/TO se estruturou no contexto
da pandemia causada pela Covid-19 durante o ano de 2021, focalizando aspectos relacionados
ao campo de experiência Corpo, Gesto e Movimento. Com base nesta análise, refletir sobre o
brincar e movimentar-se como linguagens essenciais às crianças na Educação Infantil.
Método
Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, com caráter descritivo, pois buscou
compreender um determinado fenômeno e suas formas organizacionais, neste caso, a
abordagem do campo de experiência Corpo, Gesto e Movimento (Brasil, 2017), na proposta
de reestruturação da EI de Colinas do Tocantins/TO, no período da pandemia.
De acordo com Minayo (2014), a pesquisa qualitativa se preocupa com o nível de
realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela opera com o universo de significados,
motivações, aspirações e atitudes, em vistas de aprofundar a compreensão de um grupo social.
O caráter descritivo se estabelece a partir de Martins (2002), pois concentra-se nas
características de determinada população ou fenômeno e na relação estabelecida entre as
variáveis e os fatos sobre determinada realidade ou tema.
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No contexto desta pesquisa, o município de Colinas do Tocantins/TO, constatamos,
junto à Secretaria de Educação, a não existência de profissionais com formação específica em
Educação Física atuando na Educação Infantil. Dos três Centros Municipais de Educação
Infantil (CMEI) do município, apenas um, CMEI JA, aceitou participar do estudo. Desse
modo, os sujeitos do estudo foram Professora 1 (P1): Feminino, atua 26 anos na educação,
possui graduação em Pedagogia e especialização em séries iniciais. Trabalha 6 anos no
CMEI JA. Professora 2 (P2): Feminino, possui graduação em Pedagogia e especialização em
Educação Infantil. Atua 24 anos no CMEI JA. Coordenadora (C1): Feminino, atua 1
ano no CMEI JA.
Para a produção dos dados, realizamos uma entrevista semiestruturada com cada
professora e com a coordenadora pedagógica do CMEI. Elaboramos um roteiro contendo seis
perguntas para nortear o diálogo. Nas questões abordamos temas relacionados à organização
do trabalho pedagógico durante a pandemia, o campo de experiência Corpo, Gesto e
Movimento, e o movimentar e o brincar como linguagens na EI. As temáticas das questões se
constituíram como categorias de análise.
Para a realização da entrevista, agendamos com as participantes, via WhatsApp, um
encontro presencial e individual, em maio de 2022. Disponibilizamos para elas o roteiro
contendo as perguntas norteadoras. Após a autorização de cada participante, as entrevistas
foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas. Nesta etapa, buscamos a compreensão
do fenômeno não somente pela descrição das falas, mas pela análise interpretativa.
Na sequência, apresentaremos os resultados e discussões, com base na análise das
seguintes categorias: organização do trabalho pedagógico durante a pandemia, o campo de
experiência Corpo, Gesto e Movimento, e o movimentar e o brincar como linguagens na EI.
Resultados e Discussões
A BNCC na sua terceira versão apresenta-se como “... um documento de caráter
normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que
todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”
(Brasil, 2017, p. 7). O documento aponta cinco campos de experiências sobre os quais deve se
estruturar o trabalho pedagógico na EI. São eles: I) O eu, o outro e o nós; II) Corpo, gestos e
movimentos; III) Traços, sons, cores e formas; IV). Escuta, fala, pensamento e imaginação e
V) Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Assim, conforme o documento:
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Na Educação Infantil, as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças têm como eixos
estruturantes as interações e a brincadeira, assegurando-lhes os direitos de conviver, brincar,
participar, explorar, expressar-se e conhecer-se, a organização curricular da Educação
Infantil na BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito dos quais são
definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento (Brasil, 2017, p. 40).
O documento ressalta, ainda, as diferentes linguagens que devem compor o trabalho
pedagógico com as crianças na EI. Conforme apontado pela BNCC, por meio do corpo, dos
gestos e dos movimentos, as crianças exploram o mundo, estabelecem relações, expressam-se,
produzem sentidos e conhecimentos sobre si e sobre o mundo.
Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz
de conta, elas se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e
linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com
seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo,
ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua
integridade física (Brasil, 2017, p. 41).
A EI possui uma lógica de organização não disciplinar, que a difere do Ensino
Fundamental. Nesse sentido, a dinâmica curricular que se estabelece nesses contextos ocorre
por meio da articulação entre sujeitos, linguagens e áreas de conhecimento. Por esse motivo, a
proposta estrutural sugerida pela BNCC que aponta para cinco campos de experiências não
delimita a especificidade de áreas como a Educação Física. Contudo, consideramos que o
campo de experiência Corpo, Gesto e Movimento é o que possui maior aproximação com a
EF, especialmente pela especificidade de seu objeto de estudo e intervenção, o corpo e o
movimento. Segundo Mello, Zandomínegue, Barbosa, Martins e Santos (2016, p. 138),
Corpo/movimento, juntamente com jogos/brincadeiras, são as categorias que estabelecem
maior interface com os objetos de estudo da Educação Física e têm contribuído para
fomentar a presença do professor com formação nessa área do conhecimento nas instituições
dedicadas à educação da pequena infância.
Assim, considerando os pressupostos que fundamentam a BNCC, observamos a
centralidade do corpo e movimento, bem como dos jogos e interações na educação da criança
pequena. Com efeito, a visibilidade e importância atribuída ao corpo e ao movimento na EI
estão relacionadas com as oportunidades que as crianças têm de produzir culturas, como
autoras de suas próprias práticas” (Mello et. al., 2016, p. 138). A relevância das discussões
apontadas pela BNCC e pela produção acadêmica suscitam propostas que reconhecem a
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centralidade da criança e das linguagens valorizadas por elas em seus processos de
socialização.
A organização do trabalho pedagógico durante a pandemia
De acordo com as informações divulgadas pela Secretaria Municipal de Educação de
Colinas do Tocantins, para atender a demanda escolar durante o período de distanciamento
social, foi adotado o ensino remoto para todas as etapas da Educação Básica. Para isso, a
prefeitura disponibilizou uma plataforma virtual como ferramenta estratégica para o
desenvolvimento das atividades não presenciais, conforme pode ser observado pelo seguinte
trecho de reportagem publicado no site da prefeitura:
ii
Foi criado um cronograma com diretrizes, de ensino-aprendizagem, que será seguido pelos
professores. Alunos que terão acesso à internet poderão acessar as atividades em uma
plataforma “Google sala de aula”, para quem não tem, as atividades serão entregues aos pais,
que terão agendamento para buscar e entregar atividades, seguindo medidas de segurança
(Mendes, 2020, s/p, grifo da autora).
Assim, estudantes e professores passaram a fazer uso desta nova estratégia de ensino
para o desenvolvimento educacional. A readequação deste planejamento foi a alternativa para
assegurar o direito universal à educação, conforme prevê a legislação. Ao serem questionadas
sobre a organização do trabalho pedagógico na pandemia, as entrevistadas responderam que:
Iniciamos criando um grupo de WhatsApp, depois a prefeitura criou um site. A gente gravava
os vídeos que eram postados nesses locais. (P1, professora da EI).
A gente organizava as atividades e a cada quinze dias eles [pais/responsáveis] traziam e
levavam outro bloco para casa (P2, professora da EI).
Tinha uma plataforma onde eram colocadas as videoaulas. Eram vídeos produzidos aqui na
escola. Um cantinho preparado como estúdio ... eram enviadas atividades impressas para
casa, quinzenalmente, e dentro dessas atividades, eram enviados material concreto como,
tinta guache, lápis de cor, tudo que fossem precisar para a atividade. As professoras faziam
as videoaulas, ensinando como os pais iriam realizar com seus filhos ... em termos de prática
(C1, coordenadora da EI).
Ao observarmos os relatos acima podemos ter a percepção da dimensão exigida para
que os professores pudessem dar continuidade ao processo de ensino aprendizagem exigido
para este momento. Na fala das entrevistadas podemos identificar a importância das novas
tecnologias de informação/comunicação como ferramentas essenciais para a execução deste
processo. O WhatsApp para comunicação entre a escola e as famílias, o celular para criação de
videoaulas etc.
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Segundo Scuisato (s/d) a inserção de novas tecnologias nas escolas fez surgir novas
formas de ensino e aprendizagem. No entanto, a mesma ferramenta considerada como
facilitadora desse processo, se tornou um entrave para algumas famílias/estudantes que não
tinham acesso à mesma. Essa realidade exigiu que os professores elaborassem, paralelo ao
material disponibilizado no portal/site, que incluía a gravação de videoaulas, um portfólio de
atividades, onde a família faria a retirada na escola e, depois, retornaria com as mesmas
realizadas pelos estudantes. A fala das entrevistadas P2 e C1 esboçam os desafios dessa forma
de organização:
Alguns [alunos] faziam [atividades], outros já não tinham o recurso tecnológico. Eles não
tinham um celular. Alegavam que tinha um celular para quatro, cinco crianças na casa.
Então, não tinha como acompanhar (P2, professora da EI).
Teve uma professora que não tinha habilidade para aparecer [videoaula]. A gente tinha que
‘caçar’ uma forma de incentivar ... para ela ser mais comunicativa ... mostrar mais, algo
assim, mais concreto ... então, foi um momento difícil, mas de muito aprendizado. O desafio
maior foi trazer os pais para a escola, para a creche, e entender que não era um trabalho
desperdiçado (C1, coordenadora da EI, grifo nosso).
Observamos que a pandemia expôs as insuficiências da educação no país,
especialmente, no que se refere à infraestrutura e os conhecimentos necessários para operar
com recursos tecnológicos na sala de aula. Segundo Nóvoa (2020), a pandemia não trouxe
nada de novo, apenas revelou o conjunto de coisas que estavam aí e sugerem a necessidade
de a escola “metamorfosear-se”. A pandemia acelerou a necessidade de mudança para a
escola, as famílias e as comunidades.
Em relação à realização das atividades, dentre os três mecanismos abordados
(site/plataforma, whatsapp/vídeos e portfólio), cerca de 70% dos pais corresponderam ao
modelo de ensino adotado pela escola, conforme observamos nas falas de C1 e P1, em relação
à participação dos pais:
Achávamos que os pais não iriam dar esse suporte para os filhos (C1, coordenadora da EI,
grifo nosso).
Contribuíram [Pais] muito e fez com que a escola se aproximasse mais da família (P1,
professora da EI).
Nesta fase teve-se que garantir o fortalecimento do vínculo entre escola e comunidade,
promovendo experiências de aprendizagens junto às famílias, com orientação dos professores.
De acordo com Cecílio (2021), o apoio familiar é essencial na rotina dos processos de
desenvolvimento da criança, mesmo estando na vigência de uma pandemia que afeta,
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diretamente, as etapas de ensino, pelo distanciamento social. Assim, a presença da escola é
essencial na vida familiar para manter o vínculo do aluno com a aprendizagem, seja ela
realizada na escola ou em casa.
Como forma de organização do trabalho pedagógico, o CMEI criou grupos por turmas e
designou um coordenador para planejar as apostilas. Assim, toda preparação das atividades
não presenciais foi realizada pelo grupo de professores mediado por um coordenador. Na
sequência, outro grupo fazia a formatação e organização das apostilas. Dessa maneira, os
professores, cada qual em seu grupo, se prepararam para interagir com as crianças e seus
familiares, por meio de whatsapp e portfólio. A entrevistada C1 relata sobre essa jornada de
trabalho:
Foi difícil ... A gente tinha semana de planejar, semana de fazer as atividades para mandar,
semana para os pais virem buscar (C1, coordenadora da EI).
A gente divulgava os trabalhos, né? Todos os trabalhos que eram feitos, os planejamentos,
vídeos... eram postados nesse grupo [whatsapp]. Todo mundo tinha acesso, a Secretaria de
Educação, todos os professores, todos tinham acesso ao nosso trabalho. Assim foi com as
creches e as Unidades (P1, professora da EI).
Além dessas estratégias organizacionais, as professoras foram desafiadas a gravarem
vídeos. No começo da intervenção remota, esses vídeos eram gravados em suas próprias
residências. Depois, com a possibilidade de retorno ao espaço escolar, a gravação era
realizada nas mediações da própria instituição. Quando questionadas sobre os maiores
desafios encontrados para a continuidade do trabalho pedagógico na pandemia, as falas das
docentes revelam as angústias e as dificuldades sentidas, diante dessa nova demanda:
A gente gravava os vídeos. Um momento muito difícil que foi testado para testar a gente ...
Para mim, foi a questão do recurso pedagógico e a filmagem ... Você saber que muita gente
está te vendo ... Numa sala ali com as crianças é uma coisa, mas daí você gravar um vídeo de
uma aula para outras pessoas verem né? (P1, professora da EI).
Para mim foi a filmagem e a exposição. Eu nunca gostei de aparecer e quando eu via... eu
gravava tudo bem, mas quando eu olhava eu ia ter que colocar, que ia ter que enviar num
grupo, que tinha pais que falava, tinha alunos que estavam em outra cidade... que eu ia
mandar para outra cidade, outras pessoas iam me ver ... cada gravação era um sofrimento
que eu tinha que me doar ao máximo possível, eu tinha que me doar (P2, professora da
EI, grifo nosso) (P2, professora da EI).
A fala da coordenadora e das professoras nos permite imaginar o quanto esse período se
constituiu de forma desafiante e turbulenta para elas. Para Nóvoa (2020), na pandemia, “os
professores salvaram a escola”. Apesar de toda dificuldade, as professoras preservaram a ética
da ação de ensinar como essencial e não se eximiram da tarefa de educar, mostraram respostas
imediatas ao período emergencial, mesmo diante das suas limitações pessoais, psicológicas e
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estruturais. De acordo com Libâneo (2006, p. 88), desde a formação de professores
necessidade de formar que “... mais do que saber coisas, mais do que receber uma informação,
se colocar ante a realidade, apropriar-se do momento histórico para pensar historicamente essa
realidade e reagir a ela”.
Ao dedicarem-se, integralmente, à tarefa de ensinar, as professoras deixaram que suas
experiências (e a falta delas) se entrelaçassem ao processo de condução do trabalho
pedagógico, evidenciando novas dinâmicas para se pensar o ensino/aprendizagem e a
formação docente. Segundo Nóvoa (2020), a dinâmica da formação e da ação do professor
precisa se dá numa relação próxima com o real, com o concreto, com as limitações, as
possibilidades, de todos os envolvidos, professores, famílias, comunidades, enfim, à vida.
A busca por um formato de ensino também trouxe à tona a carência de investimento em
tecnologias, bem como do conhecimento dos profissionais para operar com esses recursos.
Diante da necessidade de dar continuidade remota ao processo educativo, as docentes
esboçaram a dependência do auxílio da família para a produção de materiais audiovisuais. A
entrevistada P1 relata que:
O vídeo... eu tive dificuldade de manusear. Os aparelhos, a tecnologia né!? Fazer pelo
celular... nós tivemos que pedir ajuda. E assim, durante um bom tempo a gente teve que fazer
na sala da gente ... Nós tivemos que pedir ajuda, principalmente para os filhos. Eles foram
primordiais, porque começamos o primeiro ano em casa ... que foi montado os estúdios e os
filhos estavam o tempo todo ali, nos auxiliando. Então, não foi fácil né? (P1, professora da
EI).
Observamos que a organização deste novo formato de ensino e aprendizagem se
intensificou em decorrência da pandemia, trazendo uma transformação da educação. Assim, o
processo educativo nesse novo formato fez com que os docentes buscassem alternativas para
que, os conteúdos da sala de aula fossem viabilizados no meio digital. Conforme Santaela
(2008, p.113):
Documentos em forma de textos, imagens, sons e vídeos reproduzidos com auxílio de
softwares e hardwares dos computadores foram um dos motores da (r)evolução tecnológica
contemporânea, produzindo mudanças sociais e outros hábitos nos quais todos podem ser
autores e emissores no compartilhamento de projetos e ideais no modelo todos-todos. Os
sites passaram a compor o cotidiano dos internautas, que navegam pelo ciberespaço com
movimentos livres, toques e clicks dos mouses, no intermédio harmônico entre os sistemas
lineares e não lineares dos espaços de conversas textuais, sonoras e visuais na produção de
culturas.
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Para Moraes (2003, p. 210), “... no processo de mediação pedagógica, tanto a
comunicação, como o conhecimento implicam processos de co-criação de significados
construídos a partir de práticas, relações e identidades.Assim, apesar dos percalços sentidos
durante esse processo, consideramos como grande avanço desse período, o aprimoramento
dos materiais entregues às famílias e às crianças, bem como a inserção das tecnologias
digitais nas relações de ensino e aprendizagem. A cada semana de planejamento, os
professores ajustavam as propostas, conforme as demandas percebidas nas mediações com as
crianças.
A pandemia, também, trouxe a oportunidade de ponderar sobre o modo como se
compreende a educação nesse tempo, conforme a fala da coordenadora e das professoras em
relação às devolutivas das atividades é possível perceber o avanço na forma das famílias
colaborarem com esse novo formato de ensino:
Foi um tempo de aprendizado e o desafio maior foi trazer os pais para a escola, para a
creche, e entender que não era um trabalho desperdiçado (C1, coordenadora da EI).
Sim, eles faziam [as atividades]. Não era aquela em massa, mas eles faziam (P1, professora
da EI).
Não foi totalmente, mas nós tivemos uma boa aceitação. Os pais compreendiam. No começo,
eles ficaram assim, achavam que não, mas depois, vimos que eles tiveram uma aceitação,
que eles estavam retornando preocupados ... sempre estavam procurando, queriam a
atividade (P2, professora da EI).
Essa demanda, exigiu das unidades escolares ampliar o diálogo com as famílias, se
sensibilizar nas ações deste processo de acompanhamento e observar como estão sendo
realizadas as atividades em casa e o retorno das propostas. O diálogo estabelecido, revela o
papel importante e fundamental da postura do professor, como catalisador e facilitador do
processo da construção do conhecimento da criança e da família.
No primeiro momento, muitos professores revelaram a dificuldade em realizar de forma
efetiva as intervenções, principalmente quando iniciaram as gravações de áudios e vídeos,
além de algumas limitações com o uso das tecnologias e também pela timidez. Para Moran
(2000, p. 32), “... cada docente pode encontrar sua forma mais adequada de integrar as várias
tecnologias e os muitos procedimentos metodológicos”. Os professores tornaram-se
imprescindíveis para fazer a informação e o conhecimento chegar a todos.
Novas estratégias de transmissão de conteúdo, aulas online, aulas gravadas, planos de
aula diferenciados, plataformas digitais permitiram a comunicação entre escola e família.
Libâneo (2007, p. 309) infere que “o grande objetivo das escolas é a aprendizagem dos
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alunos, e a organização escolar necessária é a que leva a melhorar a qualidade dessa
aprendizagem”. Basta agora, buscar esse planejamento envolvendo todos os segmentos para
então, dar continuidade a este trabalho educacional. Diante de tudo isso, percebemos o papel
da escola e da sociedade na formação das novas gerações, a partir desse novo tempo em que
vivemos. Aquilo que faz sentido manter e o que devemos transformar.
O campo de experiência corpo, gesto e movimento
A importância do corpo e movimento na educação da criança pequena torna-se evidente
nos principais documentos que regem a EI no país. Desde 1998, quando examinamos o
Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (Brasil, 1998, p. 17), vemos que “... é
por meio do movimento que a criança se expressa e se comunica com o mundo através das
expressões corporais e faciais, ao empregar o corpo como uma ferramenta para interagir com
o mesmo”.
Mais recentemente, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2009, 2013)
encontramos uma concepção do corpo e movimento como “linguagens” que designam as
formas de expressão das crianças. De acordo com o apontado pelo documento, as ões
pedagógicas desenvolvidas na EI devem possibilitar movimentação ampla, expressão da
individualidade e respeito pelos ritmos e desejos das crianças” (Brasil, 2013, p. 99). Já, a Base
Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) valoriza as “experiências de aprendizagens,” de
modo que haja a interação da criança nos processos de produção de conhecimentos.
A BNCC propõe a sistematização do trabalho pedagógico para a EI, em Campos de
Experiências. Nesse contexto, destacamos o campo Corpo, gestos e movimentos, dado o
reconhecimento expresso por esse documento, quanto ao corpo como lugar da produção de
sentidos pelas crianças. “... O corpo, no contato com o mundo, é essencial na construção de
sentidos pelas crianças, inclusive para as que possuem algum tipo de deficiência” (Brasil,
2015, p. 23). O documento reforça que “... por meio do tato, do gesto, do deslocamento, do
jogo, da marcha, dos saltos, as crianças expressam-se, reconhecem sensações, brincam,
habitam espaços e neles se localizam, construindo conhecimento de si e do mundo (Brasil,
2015, p. 23). Com efeito, a forma de compreensão do corpo e movimento, expressa pela
BNCC, aponta para um avanço da concepção de criança em relação aos documentos
anteriores. De acordo com Mello et al. (2016, p. 144):
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A BNCC, quando comparada com os documentos que a antecederam, apresenta avanços em
relação às categorias analisadas no que concerne: a) ao reconhecimento da criança como
autora e protagonista em seus processos educativos com a Educação Infantil; b) à
organização didática e curricular da Educação Infantil de maneira integrada e articulada
entre as diversas áreas do conhecimento; c) à noção de corpo e de movimento como forma
de expressão e de produção de sentidos, inscritas num contexto cultural e distantes de uma
ideia estereotipada e biologicista; d) ao reconhecimento dos jogos e das brincadeiras como
direitos de aprendizagem e não mais como meio para outras aprendizagens.
O reconhecimento do corpo como linguagem da criança, por meio da qual ela se
expressa e produz sentidos, nos permite inferir a aproximação da EF com o campo de
experiência Corpo, Gesto e Movimento. A EF como disciplina escolar está presente, apenas,
no Ensino Fundamental e Médio. Na EI, o currículo assume outra forma de organização, que
não a disciplinar. A dinâmica curricular da EI se estabelece por meio do trabalho articulado
entre diferentes áreas de conhecimentos, sujeitos e linguagens. No entanto, dentre os campos
de experiências apontados pela BNCC, o Corpo, Gesto e Movimento é o que possui maior
aproximação com a EF, dada especificidade do seu objeto de estudo e intervenção, o corpo
em movimento, conforme observado pelo art. 3º da Resolução nº 6 de 2018:
A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção profissional que tem como
objeto de estudo e de aplicação a motricidade ou movimento humano, a cultura do
movimento corporal, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da
ginástica, do jogo, do esporte, das lutas e da dança, visando atender às necessidades sociais
no campo da saúde, da educação e da formação, da cultura, do alto rendimento esportivo e
do lazer.
Em relação ao desenvolvimento do campo Corpo, Gesto e Movimento, as entrevistadas
relataram as formas com que organizaram as atividades, durante o trabalho remoto:
Foi colocado que ... durante a semana, tínhamos que abranger todos os campos de
experiência. Tinha que ter no nosso planejamento, o gesto e movimento, a linguagem, tudo
... A brincadeira do boliche, vivo morto, a gente gravava aqui no pátio, falava como era o
comando da brincadeira e a gente mandava para eles fazerem do mesmo jeito, os pais com as
crianças ... Em casa, eles faziam da mesma forma, e devolviam para a gente, através de
vídeo (P2, professora da EI).
Nós vínhamos aqui para o pátio [escola], convidava os professores, fazia as brincadeiras
entre nós, explicava como era a regra da brincadeira, montava os vídeos e mandava para eles
[pais e crianças ... com os primos, com os da redondeza, eles faziam e mandavam o que
eles tinham realizado. Vivo morto, boliche, várias outras atividades... cabo de guerra... eram
várias brincadeiras que a gente desenvolvia ... Nós realizávamos com voluntários, chamava
as colegas, elas faziam ... explicava como era a regra, eles mandavam através de vídeo, tudo
através de vídeo (P1, professora da EI).
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A disposição corporal das professoras para fazer valer o direito de as crianças brincarem
e contemplarem o campo Corpo, Gesto e Movimento no currículo remoto foi algo que nos
chamou a atenção. As professoras relatam as dificuldades de produzirem esse material:
Não foi fácil, porque aqui [escola] com eles é uma coisa, mas gravar para mandar é diferente
(P2, professora da EI).
... por exemplo eu fiz a do moto vivo [brincadeira]. Eu lembro que, na época, quando
terminei a brincadeira, eu estava, mesmo, com falta de ar (P1, professora da EI).
Silva (2018) destaca que a docência na EI envolve dinâmicas e demandas corporais
específicas das docentes, na relação com as demandas das crianças, o que exige uma
disponibilidade corporal das/dos professoras/es que intervém nesse contexto. De acordo com
Sayão (2002), para intervir com crianças pequenas necessidade de os professores se
disporem fisicamente nas atividades, na relação com os pequenos, especialmente, pela
possibilidade de se conhecerem por intermédio de seus corpos.
Quando pensamos na intersecção entre corpo e movimento e nas interações que profissionais
e crianças estabelecem em seu cotidiano na creche, pensamos no quanto é importante que os
adultos se conheçam não só por intermédio daquilo que seus corpos espelham exteriormente,
mas igualmente por intermédio daquilo que seus corpos espelham interiormente”. É preciso
que nos conheçamos melhor não oralmente, como o fazemos a todo momento, mas
também é preciso que conheçamos as possibilidades de nossos corpos: seus gestos,
movimentos, expressões (Sayão, 2002, p. 8).
Buss-Simão (2021) destaca que a docência na EI é marcada por atendimentos e trocas
corporais que são essenciais na socialização das crianças. Apesar de estarmos em contexto
remoto, a reflexão da autora nos leva a compreender o quanto essas relações, mesmo que
mediadas pela tecnologia, são marcadas pelo corpo, na disponibilidade corporal das
professoras, que se doam, se expressam e estabelecem relações com as crianças. Essas
interações são pedagógicas e educativas, na medida em que os vínculos afetivos, corporais,
vão se constituindo, mesmo que sem o contato físico, entre professoras e crianças. As relações
com o corpo e o movimento são potencialidades da EI e não limites.
Além da demanda corporal para a condução das tarefas remotas com as crianças, as
professoras esboçaram preocupação com a linguagem que fosse acessível às crianças,
conforme foi evidenciado pela fala da coordenadora:
A gente vinha aqui para o pátio [escola] para fazer alguma atividade que a gente mandava para
elas [crianças] fazerem em casa. Um vídeo, que a gente instruía os pais. Mas, a gente sempre
usava uma linguagem como se estivesse falando com o pai e com a criança. Sempre usávamos
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essa linguagem para que não ficasse algo adulto, para que a criança também pudesse entender
... aí eles tinham que mandar as devolutivas nos grupos também (C1, coordenadora da EI).
Conforme a narrativa da coordenadora, os vídeos eram gravados de forma explicativa
para os pais, mas de modo que as crianças pudessem entender. Após as devolutivas das
famílias, as professoras se preocupavam em registrar quem fez a atividade e parabenizavam as
crianças pelos feitos.
A gente organizava a aula diretamente para os pais ... eles transmitiam para as crianças ...
de que forma era para ser desenvolvida aquela atividade, brincadeira. Os pais realizavam
com as crianças [brincadeiras], montavam os vídeos e retornavam para a gente. Nós
tínhamos o controle de quem participou, né? Colocava parabéns... era tudo pelo grupo de
WhatsApp (P1, professora da EI).
Apesar da observação apontada pela coordenadora, de um cuidado com a linguagem
que fosse acessível às crianças e da fala da professora que reconhecia os feitos, parabenizando
as crianças, não encontramos evidências nas narrativas, de uma atenção ao ‘fazer da criança’,
ou seja, um estímulo ao seu protagonismo. Reconhecemos a importância de ações que
valorizem a participação das crianças, especialmente, na relação com a família. Contudo,
certamente, nesses registros devolvidos pelas famílias, as crianças revelaram suas formas de
ser, de adaptarem as brincadeiras conforme as suas realidades, contextos, ideias, interesses.
É possível que as crianças tenham se expressado pelas “enunciações” que, de acordo
com Certeau (1985), são a “fala em ato”, ou seja, as expressões anunciadas no momento do
fazer, que podem ser compreendidas na relação com o corpo e o movimento. Será que as
crianças criaram brincadeiras novas a partir das sugestões enviadas pelas docentes?
Lembraram de outras brincadeiras que faziam na escola? Esboçaram interesse, desmotivação,
alegria ou tristeza? O que diziam enquanto brincavam? Essas e outras questões ficaram sem
respostas, tanto pela ausência dessas observações nas falas das entrevistadas, quanto pela
provável desvalorização do protagonismo infantil, nas formas de se requerer as devolutivas e
o que era priorizado. No relato da coordenadora encontramos elementos que indicam certa
ausência da abordagem do campo Corpo, gestos e movimentos nas devolutivas enviadas pelas
famílias.
Eles [pais]sempre mandavam vídeos das atividades que faziam com as crianças em casa. No
entanto, não eram muitas atividades que envolviam a Educação Física (C1, coordenadora da
EI).
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Contrário a isso, as docentes relataram que os pais alegaram maior aproximação aos
seus filhos e oportunidade de conhece-los a partir da experiência de brincar com eles,
conforme era solicitado nas atividades:
Cada atividade que a gente propunha a gente explicava a importância do brincar, daquela
atividade, os objetivos né? Daí os pais tinham compreensão que era necessário que eles
fizessem. Teve muitos pais que aceitaram mesmo, que brincaram junto com as crianças,
muitos relatos de pais que falaram que conheceram mais os filhos, porque ... pararam para
sentar, para brincar, para conversar... o tanto que eles conheceram o filho ali naquela troca.
Muitos pais relataram para nós que foi um tempo difícil, mas um tempo bom (P1, professora
da EI).
As docentes também apontaram como ocorria o planejamento das atividades
relacionadas ao corpo e movimento:
Ideias vinham de nossas reuniões ... Trazíamos brincadeiras que trabalhamos em sala de
aula, mas mesmo assim, pesquisamos outras atividades para inserir no planejamento ...
porque elas [crianças] tinham que ter essa experiência do brincar (P2, professora da EI).
Partimos das atividades anteriores, que fazíamos no presencial. Vimos que tinha
necessidade, também, de incorporá-las, não a escrita, mas também os movimentos, de
acordo com as nossas experiências que tínhamos feito em outros anos. Não era presencial,
mas, mostramos a importância de a família realizar essas atividades com as crianças (P1,
professora da EI).
A fala de P1 sugere o trabalho de valorização de diferentes linguagens da forma de
conduzir os processos de ensino e aprendizagem com as crianças. As professoras buscavam
relacionar as brincadeiras às atividades teóricas que eram desenvolvidas, associando as
linguagens escrita e corporal nas dinâmicas propostas.
Com base em Wallon e Galvão (2014) afirma que, na pequena infância, o ato mental se
desenvolve no ato motor, ou seja, a criança pensa quando está realizando a ação e isso faz
com que o movimento do corpo ganhe um papel de destaque nas fases iniciais do
desenvolvimento infantil. É a ação motriz que regula o aparecimento e o desenvolvimento das
formações mentais. Portanto, na evolução da criança, a dimensão corporal integra-se ao
conjunto da atividade da criança, em que o ato motor se relaciona com funções expressivas,
instrumentais ou de sustentação às posturas e aos gestos.
É possível considerar o corpo e o movimento como um dos principais componentes da
EI, pois se constituem como as principais formas de expressão e apropriação do mundo pela
criança. De acordo com Freire (1984, p. 11), “... a leitura do mundo precede a leitura da
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palavra”. Ou seja, para comunicar-se, a criança precisa aprender como funciona a linguagem e
fazer uso dela em diferentes contextos (Khismoto, 2010).
Mesmo por intermédio de conteúdos abordados de forma lúdica e recreativa, como
aqueles associados às brincadeiras, a construção do conhecimento por meio da valorização da
linguagem corporal é essencial para a criança (Mello et al., 2016). Sendo assim, a escola
torna-se o lugar da descoberta e da ampliação das experiências.
Conforme Canfeld (2000), não se pode negar a importância do aspecto motor a ser
trabalhado no decorrer da infância do ser humano; desta forma a escola, enquanto meio
educacional, é responsável por oferecer a oportunidade de uma ótima vivência motora, pois
será determinante no processo de desenvolvimento da criança, compreendendo sua realidade,
tornando-a capaz de refletir sobre sua totalidade, sem a divisão de corpo e mente.
Dada a centralidade do corpo e movimento na educação da infância, Mello et al. (2016
reconhecem a importância da inserção de um profissional com formação específica em EF
para atuar nesse contexto, potencializando essas ações. A fala de C1 esboça essa questão ao
reconhecer que, apesar de contemplado, o trabalho corporal poderia ser ampliado pela ação de
um professor com formação em EF, atuando em conjunto com as professoras regentes.
Nossos professores trabalham em sala de aulas as questões referentes à coordenação motora,
mas não é algo tão aprofundado quanto com o profissional específico desta área (C1,
coordenadora da EI).
Dessa forma um conhecimento específico é necessário para que conteúdos pertinentes à
EF sejam trabalhados. É nesse ponto que chamamos a atenção para a importância do
professor de EF no ensino infantil. Ayoub (2001) afirma que um professor especialista tem a
competência específica de decompor os conteúdos para que este possa ser significante para o
aluno e que o mesmo contribua para o seu crescimento de forma global. Para a autora,
A organização curricular em disciplinas com a presença de “especialistas” na educação
infantil é uma discussão extremamente complexa que necessita contemplar, de um lado, as
hierarquizações presentes entre os(as) profissionais da educação, as quais geram disputas por
espaços político-pedagógicos e, de outro, os riscos de uma abordagem fragmentária de
conhecimento que tende a compartimentar a criança (Ayoub, 2000, p. 54).
Contudo, a mesma autora aponta ser possível imaginar creches e pré-escolas com
profissionais de diferentes áreas de formação trabalhando em parceria” na educação e
cuidado das crianças. Essa é uma realidade presente em muitos lugares do Brasil, o que
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reforça uma aspiração indicada décadas pela autora, a de se “... pensar não mais em
professoras(es) “generalistas” e “especialistas”, mas em professoras(es) de educação infantil
que, juntas(os), com as suas diversas especificidades de formação e atuação, irão compartilhar
seus diferentes saberes docentes para a construção de projetos educativos com as crianças
(Ayoub, 2000, p. 57, grifos da autora).
Ressaltamos nossa concordância quanto à importância do professor de EF, atuando de
forma colaborativa em integrada nos projetos educativos da EI. Para Rangel (2012), dentre os
objetivos da EF na infância estão, introduzir o aluno na cultura corporal de movimento,
compreender e vivenciar o significado de saúde integral, compreender o significado de lazer e
suas possibilidades e entender a linguagem corporal como forma de interação. Ações que,
certamente, serão desenvolvidas em maior profundidade por aquele que teve formação
específica para intervir com o corpo em movimento.
Considerando que a criança tem como característica principal a intensidade de
movimentos, compreende-se que é de fundamental importância tratar as especificidades do
campo de conhecimento da EF, desde a EI, respeitando a criança em seu desenvolvimento e
que os aspectos cognitivos, sociais, afetivos e motores sejam conduzidos com ela de forma
integrada.
Movimentar e brincar como linguagens na educação infantil
Brincar é sinônimo de divertir-se, recrear-se, distrair-se. Para Oliveira (2000) além de
recrear, o brincar caracteriza-se como uma das formas mais complexas que a criança tem de
se comunicar consigo e com o mundo. Assim, através das brincadeiras, as crianças
desenvolvem capacidades importantes como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação,
e ainda, proporciona à criança o desenvolvimento de áreas da personalidade como afetividade,
motricidade, inteligência, sociabilidade e criatividade.
Quando questionadas sobre o brincar e movimentar na educação das crianças pequenas,
as falas das entrevistadas apontam para o reconhecimento da sua importância:
A questão do brincar em sala de aula é de suma importância para os alunos, o aprendizado
parte das brincadeiras, ações, movimentos presente no cotidiano das crianças (C1,
coordenadora da EI).
O brincar e o movimentar na educação infantil é ... um eixo de fundamental importância,
porque, assim, a criança o vive sem o movimento, sem o brincar. Ali na brincadeira, elas
estão aprendendo ... estão trabalhando a comunicação, a socialização, a interação, a
linguagem e o movimentar (P1, professora da EI).
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Conforme apontado pelo Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil:
O principal indicador da brincadeira, entre as crianças, é o papel que assumem enquanto
brincam. Ao adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de
maneira não-literal, transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e
características do papel assumido, utilizando-se de objetos substitutos (Brasil, 1998, p. 27).
Conforme Corsaro (2009), as crianças realizam uma “reprodução interpretativa” da
realidade em que vivem. Elas recriam e ressignificam suas formas de perceber o mundo na
interação com as culturas adulta e infantil. Zanluchi (2005, p. 89) infere que “... quando
brinca, a criança prepara-se para a vida, pois é através de sua atividade lúdica que ela vai
tendo contato com o mundo físico e social, bem como vai compreendendo como são e como
funcionam as coisas.”
A entrevistada P2 aponta que, nem sempre, a família compreende o brincar como uma
possibilidade de produção de conhecimento para e com as crianças.
Tem pais que não entendem, por exemplo, aqui no pátio ... eles não deixam a brincadeira
com areia, não deixa a criança se sujar. “Nossa você se sujou?”, pensam... “Ave Maria,
esse menino brincou e se sujou”, mas não sabem o que ele estava aprendendo durante aquela
brincadeira e a importância de estar brincando (P2, professora da EI).
O brincar e o movimentar se tornam fundamentais para o desenvolvimento infantil na
medida em que a criança pode transformar e produzir novos significados. Contudo,
compreender a relevância do brincar possibilita ao professor intervir de maneira apropriada,
não interferindo e descaracterizando o prazer que o lúdico proporciona.
Para Fantacholi (s/d)
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“... se faz necessário conscientizar os pais, educadores e
sociedade em geral sobre à ludicidade que deve estar sendo vivenciada na infância, ou seja, de
que o brincar faz parte de uma aprendizagem prazerosa não sendo somente lazer, mas sim, um
ato de aprendizagem”. Assim, o brincar utilizado como recurso pedagógico não deve ser
dissociado da atividade lúdica, apesar de a rotina escolar ser regida por normas e tempos
determinados, fazendo do brincar na escola, um brincar diferente das outras ocasiões, muitas
vezes, com tempo e espaço pré-determinado. Vemos que o lúdico foi utilizado como uma
estratégia de ensino e aprendizagem, conforme se observa no relato de C1:
Os professores são dinâmicos, as aulas são planejadas em torno dos campos de experiências,
trazendo os conteúdos em forma de brincadeiras para que as crianças possam desenvolver
suas habilidades (C1, coordenadora da EI).
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Nessa perspectiva, o dever do professor em apropriar-se de subsídios teóricos se associa
à importância de conservar a sensibilidade para a brincadeira, a diversão e o prazer como
possibilidades de se promover uma aprendizagem significativa para as crianças. Para Sayão
(1999),
Tomar a criança como ponto de partida significa pensar n um currículo que contemple
diferentes linguagens em suas múltiplas formas de expressão, as quais se manifestam por
meio da oralidade, gestualidade, leitura, escrita, musicalidade... Estas formas de expressão,
vividas e percebidas pelo brincar, representam a totalidade do ‘ser criança’ e precisariam
estar garantidas na organização curricular da sua educação ... e não enquadradas em áreas do
conhecimento e alocadas em disciplinas (Sayão, 1999, p. 234).
Destacamos que, na BNCC, a brincadeira e o jogo se constituem como um “direito de
aprendizagem”, por serem manifestações reconhecidas como capitais culturais lúdicos dos
quais todas as crianças devem se apropriar para garantir o seu direito de brincar. Com base
nessas análises, consideramos que as docentes que atuam com as crianças na EI reconhecem a
importância do brincar para a pequena infância e estão em consonância com o que vem sendo
preconizados pelos documentos que orientam a primeira etapa de ensino, bem como a
produção acadêmica da área.
Considerações finais
Este estudo se propôs a analisar como a Educação Infantil do município de Colinas do
Tocantins/TO se estruturou no contexto da pandemia causada pela Covid-19 durante o ano de
2021, focalizando aspectos relacionados ao campo de experiência Corpo, Gesto e Movimento
e, com base nesta análise, refletir sobre o brincar e movimentar-se como linguagens essenciais
às crianças na Educação Infantil.
Entendemos que a criança tem como principal linguagem, o corpo e o movimento. Na
EI, esses se constituem o principal canal de mediação pedagógica com elas, especialmente
pela valorização dos jogos e brincadeiras. Dentre as áreas de conhecimento e profissionais
que atuam na EI, a EF é a que apresenta maior aproximação a essas linguagens, o que tem
favorecido a presença de profissionais com formação específica nesta área, atuando na EI.
Contudo, esta não é uma realidade presente no contexto investigado. Na EI de Colinas
do Tocantins, o campo de experiência Corpo, Gesto e Movimento, bem como os outros
campos que compõem a EI propostos pela BNCC, são conduzidos por um professor regente,
com formação em Pedagogia.
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A análise dos dados nos permite inferir que, apesar de buscarem contemplar os
diferentes campos de conhecimento preconizados pela BNCC, nas propostas de ensino remoto
para a EI do município, houve pouca ênfase à linguagem corporal, apesar de esta ser
percebida como a principal linguagem da criança, bem como à valorização do seu
protagonismo evidenciado nas atividades brincantes.
Os dados indicam que houve uma demanda corporal das docentes e demais funcionários
da escola, para a produção de videoaulas com brincadeiras, que eram enviadas para as
famílias. No entanto, não observamos uma sistematização desse trabalho, uma
intencionalidade pedagógica a partir desta ação, bem como uma atenção à suas formas de
repercussão no aprendizado das crianças.
Dessa forma, sem desmerecer o esforço empreendido pelas docentes, na garantia do
direito das crianças ao brincar e se movimentar defendemos a inserção do profissional com
formação específica em EF para ampliar e aprofundar a produção de conhecimento com as
crianças, bem como da valorização das brincadeiras como objetos de conhecimento, que
potencializam o direito de brincar e de ser criança.
Vale destacar que reconhecemos o fato de a linguagem corporal não se constituir como
“propriedade” da EF, que, embora seja a sua especificidade, deve ser trabalhada em outros
momentos da jornada educativa, tendo a dimensão lúdica como princípio norteador.
Entretanto, não podemos negar que a especificidade da EF se localiza, justamente, no âmbito
da cultura corporal. Como afirma Ayoub (2000, p. 58), “um importante ponto de partida para
configurarmos entrelaçamentos com diferentes áreas de conhecimento.”
Reconhecemos os limites desse estudo e sinalizamos a necessidade de aprofundarmos
nossas análises interpretativas, associando outros elementos, como os documentos que
orientam a EI no município, bem como outros sujeitos integrantes desse contexto.
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Nesta investigação, o público-alvo contemplou os(as) professores(as) da Educação Básica das redes públicas
estaduais e municipais. A amostra da pesquisa foi constituída por 15.654 professores(as) das redes públicas da
Educação Básica (Gestrado/CNTE, 2020).
ii
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 07/02/2023
Aprovado em: 22/03/2023
Publicado em: 30/05/2023
Received on February 07th, 2023
Accepted on March 22th, 2023
Published on May, 30th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Zandomínegue, B. A. C., & Oliveira, A. M. (2023). A Educação Infantil em contexto de pandemia: arranjos curriculares e
pedagógicos. Rev. Bras. Educ. Camp., 8 e15674. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15674
ABNT
ZANDOMÍNEGUE, B. A. C.; OLIVEIRA, A. M. A Educação Infantil em contexto de pandemia: arranjos curriculares e
pedagógicos. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 8, e15674, 2023. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15674