Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11939
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
1
Este conteúdo utiliza a Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License
Open Access. This content is licensed under a Creative Commons attribution-type BY
Costura da vida: encontros entre a Psicologia Social
Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento
Dênis Gonçalves do MST
Conrado Pável de Oliveira
1
, Júlia Batista Afonso
2
, Pedro Barino Rodrigues
3
, Tháles Gonçalves Guilherme
4
,
Telmo Mota Ronzani
5
, Marli da Cruz Gonçalves Herédia
6
1, 2, 3, 4, 5
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Departamento de Psicologia. Instituto de Ciências Humanas. ICH/UFJF.
Rua José Lourenço Kelmer, s/n, bairro Martelos. Juiz de Fora - MG. Brasil.
6
Secretaria de Estado de Educação de Minas
Gerais.
Autor para correspondência/Author for correspondence: conradopavel@uniacademia.edu.br
RESUMO. O presente artigo relata uma experiência em
Psicologia Social Comunitária junto à primeira turma de
Educação de Jovens e Adultos, em uma escola do campo do
assentamento Denis Gonçalves do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que culminou na
construção do livro de memórias Costura da vida: história de
vida do homem e da mulher da roça. A partir da discussão sobre
o impacto do latifúndio na formação social brasileira e as
possíveis relações entre a Psicologia Social Comunitária e a
Educação do Campo, são apresentados os percursos
metodológicos e a inserção no território, enfatizando a relação
entre os sujeitos e a utilização de diversas estratégias de
intervenção psicossocial e registro: diário de campo, fotografias,
caminhada comunitária, dinâmicas de grupo e construção do
livro de memórias. Como resultado da experiência e da
construção do livro, ressalta-se a importância do resgate da
memória e registro da história cotidiana contada pelos
educandos para o fortalecimento da identidade pessoal e
comunitária. Destaca-se, ainda, o papel que essas experiências
têm na construção de uma Psicologia comprometida e justa
frente à realidade, especialmente das comunidades do campo, e
que dialogue com diferentes saberes e disciplinas.
Palavras-chave: psicologia social comunitária, educação do
campo, educação de jovens adultos, memória, identidade,
movimentos sociais.
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
2
Costura da vida: encounters between Community Social
Psychology and Rural Education in the Denis Gonçalves
Settlement of the MST
ABSTRACT. This article reports an experience in Community
and Social Psychology with the first group of "Youth and Adult
Education Program'', in a school in the Denis Gonçalves
settlement of the Landless Rural Workers Movement (MST),
which culminated in the construction of the memoir Costura da
vida: história de vida do homem e da mulher da roça. Based on
the discussion about the impact of the latifundium on the
Brazilian social formation and the possible relationships
between Community and Social Psychology and Rural
Education, the methodological paths and insertion in the
territory are presented, emphasizing the relationship between the
subjects and the use of several psychosocial intervention
strategies and registration: field diary, photographs, community
walk, group dynamics and construction of the memoir. As a
result of the experience and the construction of the book, the
importance of rescuing memory and recording the daily history
told by students is emphasized for the strengthening of personal
and community identity. It also highlights the role that these
experiences have in the construction of a committed and fair
Psychology in face of the reality, especially that of rural
communities, and those dialogues with different knowledge and
disciplines.
Keywords: community social psychology, rural education, adult
and youth education, memory, identity, social movements.
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
3
Costura de la vida: encuentros entre la Psicología Social
Comunitaria y la Educación Rural en el Asentamiento
Dênis Gonçalves del MST
RESUMEN. Este artículo relata una experiencia en Psicología
Social Comunitaria con el primer grupo de Educación de
Jóvenes y Adultos, en una escuela del asentamiento Denis
Gonçalves del Movimiento de Trabajadores Rurales Sin Tierra
(MST), que culminó con la construcción del libro de memorias
Costura da vida: a história de vida do homem e da mulher da
roça. A partir de la discusión sobre el impacto del latifundio en
la formación social brasileña y las posibles relaciones entre
Psicología Social Comunitaria y Educación Rural, se presentan
los caminos metodológicos y la inserción en el territorio,
destacando la relación entre los sujetos y el uso de varias
estrategias de intervención psicosocial y registro: diario de
campo, fotografías, caminata comunitaria, dinámica de grupo y
construcción del libro. Como resultado de la experiencia y la
construcción del libro, se enfatiza la importancia de rescatar la
memoria y registrar la historia cotidiana contada por los
estudiantes para el fortalecimiento de la identidad personal y
comunitaria. También se enfatiza el papel que tienen estas
experiencias en la construcción de una Psicología comprometida
y justa frente a la realidad, especialmente en las comunidades
rurales, y que dialoga con distintos conocimientos y disciplinas.
Palabras clave: psicología social comunitaria, educación rural,
educación de jóvenes y adultos, memoria, movimientos sociales.
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
4
Introdução
Apesar dos contextos rurais
configurarem-se atualmente como um
importante campo de atuação e estudo para
a Psicologia, são ainda poucas as
discussões voltadas para o
desenvolvimento de competências
técnicas, teóricas e políticas de formação
para a área (Silva & Macedo, 2017). Tal
aspecto é reforçado por uma formação que
não aprofunda o debate histórico sobre a
formação social brasileira e a questão
social. É importante considerar que a
relação urbano/rural seja compreendida
dentro das expressões da questão social,
como a desigualdade fundiária, pobreza,
conflitos sobre a terra e inúmeras
violências (Silva & Macedo, 2019).
Outro aspecto essencial é que a
própria noção de rural/urbano ou
ruralidades/urbanidades, delimita mais do
que espaços físicos de inserção do
profissional, mas sim uma gama de
complexidades e processos de
territorialização diversos, onde os seres se
constituem enquanto memória, identidade
e cultura (Calegare, 2015). Para uma visão
ampla sobre o ser humano, defendemos
que a formação em Psicologia precisa ir
além do conteúdo programático e técnico
de novas disciplinas, reforçando seu
caráter ético-político e que compreenda as
necessidades políticas e o impacto de sua
práxis na realidade sócio-histórica do
Brasil (Silva & Macedo, 2019). Nessa
direção, ressaltamos a importância da
extensão universitária, como uma gica
que possibilita o encontro entre os
conhecimentos produzidos nas grades
curriculares e os saberes populares,
voltando-se para as problemáticas mais
amplas que atravessam a sociedade, bem
como seu caráter integrador, transversal e
interdisciplinar (Gadotti, 2017).
A Psicologia Social Comunitária e
Psicologia Social Crítica, se colocam como
uma importante área de trabalho e
produção científica que oferece subsídios e
contribuições para a práxis da psicologia
nos contextos rurais (Conselho Federal de
Psicologia, 2013). Nesta articulação de
saberes e fazeres destacam-se alguns
autores como Lane (1994), Martín-Baró
(2009) e a contribuição de teóricos de
outras áreas como Orlando Fals-Borda
(1983, 1986) e Paulo Freire (1975, 1998,
2005).
Este trabalho é fruto do esforço de
sistematização da experiência produzida
pelo grupo Marcus Matraga de Psicologia
Comunitária em contextos rurais da UFJF.
Organiza-se primeiramente por um
apanhado teórico e histórico da dimensão
do latifúndio na formação social brasileira,
para compreender como isso se relaciona
com a profissão Psicologia no Brasil e
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
5
posteriormente como a psicologia social
comunitária se insere com elementos de
mudanças que possibilitam a aproximação
com a educação do campo, por uma via de
busca pela emancipação humana. Logo
após é apresentado o caminho
metodológico, que se apoia na pesquisa-
ação-participativa de Orlando Fals-Borda
(1983, 1986), e as etapas de construção da
experiência narrada, bem como o cenário e
os atores sociais envolvidos. Em seguida, o
relato permeado por reflexões e
desdobramentos da experiência vivida e
revisitada.
Buscando contribuir com o avanço
sobre a formação em Psicologia, o presente
artigo tem por objetivo relatar a
experiência de um projeto de extensão e o
processo que culminou na construção do
livro
i
Costura da vida - História de vida do
homem e da mulher da roça. Foi uma
experiência produzida de maneira
conjunta, a partir da ação realizada pelo
Grupo Marcus Matraga de Psicologia
Comunitária em contextos rurais da
Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), com uma turma de Educação de
Jovens Adultos (EJA) na Escola Estadual
Carlos Henrique Ribeiro dos Santos, no
assentamento Denis Gonçalves, organizado
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Trata-se, portanto, de
um encontro entre a Psicologia Social
Comunitária e a Educação do Campo e um
registro sobre possibilidades de práticas e
processos de formação em psicologia,
comprometidos com a realidade social.
Alguns apontamentos sobre a formação
social do Brasil e as implicações
históricas para a psicologia social
comunitária e a Educação do Campo
A Psicologia Social Comunitária
(PSC) se caracteriza principalmente pela
sua conexão direta com a realidade
concreta e objetiva do cotidiano de grupos
e comunidades (Freitas, 2007, 2011).
Parte-se, portanto, da premissa de que a
compreensão da realidade é resultado da
análise da complexidade e contradições
provenientes das relações sociais. Com
isso, para que possamos entender a PSC
brasileira e seu desenvolvimento nos
contextos rurais mais precisamente, é
necessário que façamos alguns
apontamentos. De um lado, precisamos
entender a formação social brasileira e suas
implicações histórico-sociais, assim como
analisar o desenvolvimento da PSC em
relação com a institucionalização da
Psicologia em nosso país.
Inicialmente, é importante a
compreensão de como a divisão
campo/cidade é definida em nosso país.
Segundo Leite (2015), os elementos
históricos que configuram a luta pela terra
são essenciais para o desenvolvimento de
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
6
nossa formação social. O autor ainda
complementa que “isso tem sido a marca
histórica da própria formação da nossa
sociedade, questão até hoje não superada
dado o alto índice de concentração de
terras e da presença constante de
movimentos sociais de luta pela reforma
agrária” (Leite, 2015, p. 97). Portanto, a
concentração de terras no Brasil determina
a correlação de forças entre campo e
cidade: enquanto em outros países houve
um processo de democratização da terra,
houve distribuição da terra, no Brasil o
capital avançou no campo mantendo as
estruturas fundiárias, conservando a
concentração de terras.” (Leite, 2015, p.
99). O que nos traz um dos principais e
mais fundamentais elementos para análise
sobre nossa realidade social que é o
latifúndio. Ao trazermos o latifúndio para o
centro da análise conseguimos, com isso,
concatenar processos complexos que
constituem e determinam nossa formação
social e o desenvolvimento do modo de
produção capitalista com as
particularidades brasileiras.
O latifúndio no Brasil tem suas
origens no sistema de colonização
(Medeiros, 2012). Várias tentativas, tanto
da metrópole portuguesa, quanto do Estado
brasileiro foram feitas para regular as
terras com mecanismos de concentração
latifundiária e o cultivo de monoculturas
para exportação (Medeiros, 2012; Prado
Jr., 2014). Se antes estas propriedades
eram concedidas sob certas condições da
metrópole portuguesa, após a
independência foi estabelecida a Lei de
Terras, em 1850, que serviu para
mercantilizar ainda mais a questão
fundiária em nossa sociedade, passando a
estabelecer que as terras seriam
conquistadas mediante a compra
(Medeiros, 2012). Tal mercantilização
também foi intensificada devido ao sistema
de escravização que se objetivou como a
condição essencial para a reprodução do
latifúndio. É preciso lembrar que no
período pós-independência nossa
sociedade não foi modificada radicalmente,
mantendo-se a estrutura social e econômica
baseada no latifúndio, no trabalho escravo
e na exportação de monoculturas. Tais
características se relacionam diretamente
com a reprodução das condições de
extrema vulnerabilidade social da massa da
população rural brasileira (Prado Jr.,
2014).
Tais determinações nos ajudam a
entender suas implicações em nossa
realidade social nos dias atuais. O
latifúndio brasileiro passou por diversas
mudanças ao longo desses anos, porém se
houve modernização em seu processo
produtivo, o mesmo não se pode dizer de
suas relações de produção (Medeiros,
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
7
2012). Observamos ainda reminiscências
de condições de trabalho aviltantes e
análogas à escravidão. As contradições dos
avanços e modernização que o capitalismo
proporciona a nível global nos coloca
limitações que são centrais para
entendermos que tais avanços não são
avanços para todos, justamente por
vivermos em um modo de (re)produção
capitalista da sociedade (Netto, 2017). Por
isso, antes de seguirmos para a explanação
de como a PSC está envolvida nesse
complexo histórico, é preciso que
entendamos que tal modernização
capitalista é na verdade um grande fetiche,
pois esconde a exploração necessária para
sua preservação (Netto, 2017). Logo,
começamos a entender que características
que atribuímos naturalmente ao campo
como atrasado e a cidade como moderna e
avançada, por exemplo, não passam de
construções ideológicas que cristalizam
certas relações de poder e de dominação
das classes dominantes.
Contextualizando a psicologia social
comunitária no Brasil
Após essa primeira explanação sobre
como o latifúndio determinou e determina
a totalidade da nossa formação social,
inclusive na sua dimensão subjetiva, é
preciso que entendamos em qual contexto
a Psicologia se institucionaliza no Brasil e
sob quais condições ela se desenvolve. A
partir daí é possível compreender quais os
contornos do desenvolvimento da PSC
nessa relação com a práxis que a
Psicologia hegemônica nos coloca. A
"Ciência Psicológica" é caracterizada por
um espectro amplo de diversidade teórica e
modalidades de técnicas e aplicações.
Apesar desta gama de possibilidades, suas
origens e seu desenvolvimento se deram de
forma mais concreta a partir do curso de
“Psicologia como ciência natural” de
Wündt, em 1862 (Saforcada, 2015). Tal
hegemonia marcou a Psicologia como uma
ciência urbana “que surge en pleno auge
del triunfo acrítico del capitalismo, el
liberalismo, el positivismo y el tecno-
cientificismo en Europa y en América del
Norte.
ii
(Saforcada, 2015, p. 36). O
desenvolvimento da Psicologia se
transforma nos EUA de forma que outros
paradigmas sejam colocados para a ciência
em geral, incluindo a Psicologia,
sobrepondo a utilidade como critério de
validação científica em detrimento da
análise da verdade objetiva e concreta das
relações sociais (Saforcada, 2015).
Trazendo para o contexto brasileiro,
Leite, Macedo, Dimenstein e Dantas
(2013) nos mostram que a relação da
Psicologia com nossa sociedade data
menos de cem anos e que tem implicações
diretas com nosso processo de
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
8
industrialização. Ainda segundo os autores
(pp. 32-33):
Sabemos como se deu a primeira
aliança entre a Psicologia e o Estado
brasileiro, ocorrida no início do
processo de industrialização em
1930, em que nossa ciência inspirou
confiança à nação em diagnosticar e
orientar a força de trabalho do país
(Motta, 2004). A participação da
Psicologia como elemento importante
no processo de desenvolvimento
brasileiro, ocorrido desde o Estado
Novo, é fruto do abandono, pela
burguesia industrial nascente daquela
época, “das normas tradicionais de
dominação da classe trabalhadora e
adesão aos princípios da Psicotécnica
da Psicologia Racional para
intensificar o processo de
modernização da relação trabalhador-
capital” (Motta, 2004, p. 139).
Assim, foram criados diversos
institutos, laboratórios/núcleos de
pesquisa e departamentos de
assessoria técnica, a exemplo do
IDORT e do ISOP, ligados à
administração pública, a educação
básica e superior e a federação das
indústrias para a aplicação de
serviços de orientação vocacional e
seleção de pessoal, com base no
exame das aptidões e do caráter, além
de ações de treinamento e
capacitação profissional (Penna,
2004).
Com essa citação fica nítida a
vinculação do desenvolvimento da
Psicologia com o processo de
modernização do Brasil. “Considerando ser
a urbanização uma das principais
características desse processo, justifica-se
em parte a centralização das ações da
Psicologia em cidades com características
predominantemente urbanas, locais de
circulação do grande capital e polos de
desenvolvimento industrial.” (Leite et al.,
2013, p. 28). Isso tudo nos mostra as bases
objetivas que desenvolveram as teorias e as
práticas tradicionais da Psicologia, que
estavam interessadas em forjar um saber
elitista, urbano, higienista e opressor para
legitimar os interesses da burguesia (Bock,
2003). Essa naturalização de um modelo
ideal de homem ajuda a cristalizar, dentre
outras coisas, os territórios urbanos e rurais
como espaços a-históricos. “Así, se
observa una sutil tendencia a superponer lo
humano (es decir, aquello propio o
característico de los seres humanos), con lo
que es urbano (es decir, aquello
característico de las poblaciones urbanas),
invisibilizándose las especificidades
rurales.
iii
(Landini, 2015, p. 23). Desta
forma, a ideologia dominante naturaliza a
vida na cidade como precedente de toda
história da humanidade.
Aliás, é a partir destes incômodos
que a Psicologia Social Sociológica,
Psicologia da Libertação e Psicologia
Sócio-histórica surgem, na década de 1970,
como contraponto para a Psicologia
hegemônica e positivista (Gonçalves &
Portugal, 2012). Tal contraponto se
constitui não no âmbito de pensarmos
outras teorias ou técnicas, mas implicava
na posição crítica frente à Psicologia e no
compromisso do/a psicólogo/a com a
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
9
transformação social (Gonçalves &
Portugal, 2012).
Partindo desse movimento
inaugurado pela Psicologia Social crítica
latino-americana, que tem como uma de
suas maiores representantes Silvia Lane
(1994), outras áreas puderam emergir para
trazer esse questionamento acerca das
mazelas sociais geradas pelo capitalismo,
incluindo a Psicologia Social Comunitária.
“O que atualmente chamamos de PSC
surgiu eminentemente de práticas
realizadas em favelas e comunidades,
quando isso ainda era uma novidade para a
disciplina.” (Gonçalves & Portugal, 2012,
p. 140). Além disso, a PSC no Brasil surge
atrelada “aos movimentos sociais e às
reformulações na área de saúde mental.”
(Gonçalves & Portugal, 2016, p. 564).
Diante destas objetividades, fica
nítido o avanço que a PSC proporcionou
para a práxis do/a psicólogo/a, colocando a
crítica e a implicação ético-política em
nosso fazer profissional não como uma
especificidade da PSC, mas sim como uma
questão que deve atravessar a formação de
profissionais. Como nos lembra
Nascimento (2019, p. 117), qualquer
perspectiva de atuação de profissionais de
Psicologia deve considerar o modo de
produção capitalista, o latifúndio e as
precárias condições que decorrem de sua
manutenção secular como objeto de
intervenção.”
Psicologia social comunitária e
Educação do Campo: aproximações
possíveis
Nossa análise se propôs a
contextualizar o surgimento da PSC a
partir de suas determinações históricas e
sociais, ou seja, partes constitutivas do
movimento do real. Desta mesma forma,
traremos algumas considerações sobre a
Educação do Campo, sendo apreendidas a
partir da totalidade concreta e objetiva.
Sendo assim, as aproximações com a PSC
serão analisadas a partir de seus
envolvimentos com a dinâmica própria da
luta de classes.
Essa relação não é estranha quando
falamos em Educação do Campo, pois sua
gênese e seu desenvolvimento
estão profundamente ligados ao
destino do trabalho no campo e,
consequentemente, ao destino das
lutas sociais dos trabalhadores e da
solução dos embates de projetos que
constituem a dinâmica atual do
campo brasileiro, da sociedade
brasileira, do mundo sob a égide do
capitalismo em que vivemos.
(Caldart, 2009, pp. 36-37).
Ao contrário da PSC, que para
alguns autores foi compreendida e
defendida como uma subárea da Psicologia
(Saforcada, 2015), a Educação do Campo
não surge como uma proposta de educação,
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
10
mas como a objetivação de um movimento
de lutas e crítica “protagonizado pelos
trabalhadores do campo e suas
organizações, que visa incidir sobre a
política de educação desde os interesses
sociais das comunidades camponesas.”
(Caldart, 2012, p. 259). Enquanto os
movimentos de resistência à Psicologia
hegemônica anunciavam a necessidade da
criação de uma área do conhecimento
específica para ampliarmos nossa
concepção de indivíduo e sociedade, a
Educação do Campo nasce da própria
prática militante. Ela é, portanto, um
movimento fundado na prática que se
expressam e se traduzem em construções
teóricas “críticas a determinadas visões de
educação, de política de educação, de
projetos de campo e de país, mas que são
interpretações da realidade construídas em
vista de orientar ações/lutas concretas.”
(Caldart, 2009, p. 40). Não por acaso, o
MST, ao longo de sua história, investiu na
educação atrelada à garantia de condições
para a emancipação dos sujeitos e
comunidades (Leite, 2015).
Pela trajetória que fizemos da
PSC, ela encontra maior correspondência
quando estudamos o desenvolvimento da
Educação popular, que
vai se firmando como teoria e prática
educativas alternativas às pedagogias
e às práticas tradicionais e liberais,
que estavam a serviço da manutenção
das estruturas de poder político, de
exploração da força de trabalho e de
domínio cultural. Por isso mesmo,
nasce e constitui-se como “Pedagogia
do oprimido”, vinculada ao processo
de organização e protagonismo dos
trabalhadores do campo e da cidade,
visando à transformação social.
(Paludo, 2012, p. 283).
Uma vez que a Educação do Campo
se constrói a partir da radicalidade própria
da luta pela terra e no horizonte
revolucionário da reforma agrária popular,
forjada nas lutas dos/as trabalhadores/as
rurais, as aproximações possíveis com a
PSC se efetivarão mediante um
compromisso da psicologia com as lutas do
campo. É a partir de uma práxis
emancipadora e crítica que poderemos
criar um trabalho coerente e que aprofunde
ainda mais a aquisição do saber de forma
orgânica, sendo feito pelos indivíduos que
constituem este processo (Semeraro,
2006).
Partindo do acúmulo histórico que
ambos movimentos tiveram de
questionamento ao status quo, as
aproximações entre a Educação do Campo
e a PSC têm como compromisso de sua
práxis o combate à ideologia dominante. É
a partir desta ideologia da burguesia que se
buscou cristalizar um modelo de indivíduo
abstrato que é tomado como padrão ou
normal (Coutinho, 2010). Uma
aproximação entre Educação do Campo e
PSC pode se localizar em sua práxis
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
11
contestatória e que entende o sujeito,
individual ou coletivo, como construtor e
protagonista de sua própria existência ou,
como afirma Lane (1994), sujeito ativo,
criativo e transformador. E é por isso que
a produção da Educação do Campo pode
contribuir muito com possíveis avanços
para a PSC, pois
a produção do conhecimento nas
escolas do campo, pode ressignificar
memórias, identidades e histórias
vividas pelos sujeitos que se
articulam para superar a opressão e
as diversas cercas do analfabetismo,
da fome e a falta de projetos
emancipadores para/com o homem e
a mulher do campo. Essa formação
política, contextualizada
historicamente, pode contribuir na
reconstrução do passado, escavando
memórias e acontecimentos,
recuperando documentos, fontes
primárias e produzindo histórias
críticas e contra-hegemônicas. A
produção do saber construído em
parceria com educadores, educandos
e lideranças dos movimentos sociais
pode ser ressignificada na luta por
suas histórias de vida, valores e
reconhecimento. (Santos, 2017, p.
210).
Partindo da experiência dos
indivíduos e organizações na Educação do
Campo, a PSC pode somar a este processo
de produção de saberes e práticas de
emancipação dos sujeitos. Intervenções
psicossociais que valorizam a cultura
camponesa por meio fortalecimento da
identidade, autonomia e memória podem
ser um importante campo de atuação da
PSC em contextos rurais (Ronzani,
Mendes, Oliveira & Leite, 2019). Tudo
isso, necessariamente, em uma relação
dialética em que tanto a PSC sirva de
acúmulo para o processo destes indivíduos
e organizações quanto estes agentes de
transformação social se apropriem e
modifiquem a PSC para uma práxis cada
vez mais coerente com a realidade
brasileira.
Percurso metodológico e a inserção no
território relato de experiência
Fals-Borda (1983, 1986), uma das
principais referências do pensamento
crítico latino-americano, desenvolveu a
pesquisa-ação-participativa com a proposta
de articular saberes populares e
acadêmicos por meio da pesquisa
científica, ação política e educação
popular. O objetivo de tal aliança é
mobilizar a participação comunitária e
científica na construção de uma práxis
comprometida com compreensão dos
problemas e necessárias transformações
sociais. Tal postura metodológica está
intimamente relacionada, portanto, ao
horizonte ético-político de uma psicologia
crítica que leva em consideração a
historicidade da relação do sujeito com a
sociedade. Nesse sentido, Lane (1994)
compreende a pesquisa-ação enquanto
práxis científica por excelência, baseada
numa concepção de construção de
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
12
conhecimento em Psicologia que considera
a relação sujeito-sujeito e não sujeito-
objeto.
Partindo das provocações de Fals
Borda (1983, p. 47) “Qual é o tipo de
conhecimento que queremos e precisamos?
A que se destina o conhecimento científico
e quem dele se beneficiará?”,
apresentaremos os sujeitos envolvidos na
experiência: a comunidade do
assentamento Dênis Gonçalves, a Escola
Estadual Carlos Henrique dos Santos
Ribeiro e suas educadoras, o Grupo
Marcus Matraga de Psicologia
Comunitária e, principalmente, as autoras e
autores do livro de memórias Costura da
vida, educandos da escola em processo de
alfabetização. Apesar da proposta deste
artigo ser especificamente o relato de
experiência e não em um relato de pesquisa
propriamente dito, a pesquisa-ação-
participativa nos inspirou em todo o
processo, pois guiamos nossas ações a
partir do diálogo e da troca constante com
a comunidade. Tais processos dialógicos e
participativos permitiram uma produção de
saberes e reflexões críticas construídas a
partir da práxis, uma teorização da nossa
experiência prática e não uma mera
aplicação das teorias. Os resultados e
produtos alcançados, principalmente a
decisão de escrita coletiva do livro, foram
parte desse processo que pode contribuir
na abertura de caminhos de articulações
fecundas entre extensão, pesquisa e ensino
em psicologia comunitária.
Contextualização e descrição do território
da experiência e dos atores sociais
O assentamento de reforma agrária
Dênis Gonçalves, antigo latifúndio
ocupado pelo MST em 2010, foi
regulamentado em 2013 pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) e conta com 137 famílias
de trabalhadoras e trabalhadores rurais. É
localizado na Zona da Mata de Minas
Gerais, com uma extensão de 4.321
hectares e abrange principalmente as áreas
rurais dos municípios de Goianá, Chácara,
Coronel Pacheco e São João Nepomuceno.
A antiga fazenda Fortaleza de Sant’Anna
foi um dos maiores latifúndios da região,
responsável por grande parte da produção
cafeeira entre meados do século XIX e
início do século XX (Souza, 2019).
A luta pela educação sempre esteve
presente nas lutas pela reforma agrária
popular no MST. Nesse sentido, a Escola
Estadual Carlos Henrique dos Santos
Ribeiro, de ensino fundamental e médio, é
fruto e conquista da pressão do movimento
sobre o Estado, com o objetivo de fazer
cumprir o direito básico da educação e
construir no cotidiano do assentamento
Dênis Gonçalves a realidade da educação
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
13
do campo, com fortes referências nas
experiências e lutas camponesas. Antes da
institucionalização da escola em 2018, as
experiências educativas no assentamento
ganharam espaço na rede estadual, a partir
da implantação, em 2016, do segundo
endereço da Escola Estadual Maria Ilydia
Rezende de Andrade, iniciando suas
atividades com 4 turmas de educação de
jovens e adultos (Souza, 2019).
O grupo Marcus Matraga de
Psicologia comunitária em contextos rurais
tem suas origens em meados de 2017, a
partir do movimento de um professor do
Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de Juiz de Fora, para
retomar em sua área de atuação o debate
acadêmico e formativo da inserção da
Psicologia nas ruralidades. Nesse
momento, foi estabelecida uma rede de
professores de outros departamentos,
profissionais e militantes, formando assim
uma equipe composta horizontalmente de
estudantes de graduação e pós-graduação.
Essa articulação inicial gerou então uma
parceria entre outras universidades, redes
acadêmicas e movimentos sociais que já
desenvolvem ações de relevância no
campo. O nome do grupo faz memória ao
psicólogo Marcus Vinicius de Oliveira
Silva, assassinado em uma região de
conflitos de terras no interior da Bahia,
referência na luta por uma Psicologia com
compromisso social.
O grupo permanece ativo e se
modificando conforme as novas dinâmicas
e realidades que se apresentam,
desenvolvendo, desde então, atividades de
extensão, pesquisa e fomentado rodas de
conversa, oficinas de formação e estudo
para a graduação. Também são
estabelecidas parcerias em ações de
cuidado com assentados e pessoas
acampadas em áreas de conflitos agrários.
Especificamente, a experiência relatada
nesse artigo fez parte de uma das ações do
estágio curricular obrigatório em
Psicologia Social e Comunitária em
Contextos Rurais do curso de Psicologia da
UFJF e iniciação científica, desenvolvidas
no ano de 2018.
A Inserção no campo
A entrada em campo teve início por
meio do contato com lideranças do
Assentamento Dênis Gonçalves, apoiado
através da interlocução de um membro do
Grupo Marcus Matraga, que possuía
inserção no território. No ano de 2018, a
construção das atividades teve um caráter
de extensão, escuta e familiarização do
território, com uma variedade de
estratégias e ferramentas utilizadas. Para
tal, utilizamos diferentes metodologias
participativas e processos de inserção no
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
14
campo, protagonizados pela PSC, tais
como familiarização, diagnóstico
participativo e ação no território (Ronzani,
Lefebvre & Silveira, 2021). Todas as fases
foram desenvolvidas coletivamente,
através de reuniões com setores do MST e
assentados, utilizando dinâmicas de grupo
e priorizando estratégias de participação.
Para o registro das etapas, utilizamos
cadernos de campo da observação
participante, a partir do cotidiano do
assentamento e conversas informais. Todo
o planejamento e ações do grupo foram
pactuadas e construídas com todos os
envolvidos a partir das reuniões e registros.
Dentre algumas análises e ações realizadas
pelo grupo, no presente trabalho focamos o
relato de experiências junto à turma de
Educação de Jovens e Adultos (EJA), em
processo de alfabetização na Escola
Estadual Carlos Henrique Ribeiro dos
Santos no município de Goianá-MG.
Portanto, nesse momento, optamos por um
caráter mais descritivo dessa ação.
Após meses de inserção no território,
foi possível estabelecer diferentes
vivências, espaço de trocas e escuta,
facilitados pela diretora da escola e que se
legitimou a posteriori junto à professora e
aos alunos da escola. Foram realizados
encontros com frequência semanal em que
foram desenvolvidas dinâmicas grupais
que exploravam as histórias de vida dos
educandos. Como explica Borges, Torales
& Guerra (2011), a história de vida é um
relato situado em determinado contexto
histórico e deve ser organizada e
conceitualizada, parte de um compromisso
ético dos profissionais, pois se fundamenta
no entendimento das relações que os
sujeitos estabelecem consigo, com os
outros e com o mundo.
A turma de EJA na primeira série de
alfabetização contava com 4 jovens idosos,
ex-colonos deste território. Esta
nomenclatura colonos - era usada entre
eles e outras pessoas para identificar os
moradores da região desde antes da
ocupação realizada pelo MST. Eram dois
senhores e duas senhoras, trabalhadoras e
trabalhadores do campo, todos marcados
por histórias de vida atravessadas pela
realidade sócio-histórica do local. Durante
as dinâmicas grupais pudemos observar os
atravessamentos da ancestralidade africana
e indígena e, também, dos processos da
imigração italiana na região. Todos
apresentavam significações ao longo da
vida, valores tais como a família, a
religiosidade, o trabalho e a terra, o que
revelava duras condições de trabalho, com
suspiros através das brincadeiras. Além
disso, relatavam sobre parentescos em
algum nível e que carregam traços
consanguíneos, marcas de uma região
abandonada pelos colonizadores.
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
15
A educadora construiu um espaço
junto aos educandos que valorizava as
narrativas que emergiam sobre o cotidiano
da vida na roça, enfatizando aspectos da
afetividade, sempre presentes no dia a dia
da escola e nos relatos de cada um. Ela se
colocou em uma posição de mediadora e
que participava dos “causos”, na maioria
das vezes como ouvinte, mas também
partilhando suas histórias de vida em
questão. Foram trocas que permitiram a
construção de um espaço de encontro
afetivo para além da sala de aula, dimensão
permitiu uma harmonia na entrada dos 3
estagiários que também compartilharam
histórias. Inicialmente, a normal
desconfiança sobre “o que aquela menina e
meninos estavam fazendo ali” se rompeu
no processo de abertura, interesse e
compromisso pelas histórias de vida ali
partilhadas por parte dos educandos e
estagiários. A partir desta rica vivência, foi
levantada a necessidade de se construir um
espaço legitimado de relações para que a
vontade de troca pudesse ter o devido
acolhimento. Importante ressaltar que tais
relações foram construídas como uma via
de mão dupla, os saberes populares e a
riqueza deste conhecimento por parte dos
ex-colonos modificaram cada um dos
estagiários em diferentes níveis e com
natureza ímpar.
Registros da experiência
Como descrito anteriormente,
através de uma perspectiva participativa,
utilizamos diversas estratégias para
registrar nossa experiência e percurso no
território, o que nos possibilitou refletir
sobre nossa ação e pudéssemos discutir
coletivamente com as diferentes pessoas
envolvidas.
Diário de Campo
A ferramenta pode ser utilizada em
diferentes perspectivas e muito do que se
absorve com este tipo de material é
apreendido no campo empírico, parte de
uma intimidade do autor e significação dos
elementos observados e vividos (Oliveira,
2014). Cada integrante do estágio realizou
suas próprias anotações e se conectou com
a realidade apresentada no território. As
reuniões do grupo Marcus Matraga poucos
dias após as visitas favoreciam esse tipo de
escrita para retomar alguns pontos, além
disso, a distância do território em relação à
cidade oportunizou diálogos entre os
integrantes do grupo após as vivências, o
que permitia também uma construção
grupal deste conteúdo e ressignificação a
partir das pontuações do outro.
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
16
Recurso fotográfico
O grupo recebeu treinamento de um
técnico da UFJF e fotógrafo profissional,
com elementos teóricos e práticos. A
fotografia como recurso foi vista de forma
crítica pelo grupo, entendendo que não
estávamos buscando reforçar sentidos
romantizados e bucólicos do campo, mas
sim que servissem como elemento de
estudo dos diferentes significados e
construções sócio-político-históricas-
culturais. Este instrumento oferece uma
alternativa de narrar e interpretar a
realidade, para além de discursos
cristalizados, e de promover novas
percepções e sentidos nos envolvidos
(Gomes & Dimenstein, 2014). Apresentar
este recurso aos participantes e o resultado
deste material pôde facilitar processos de
autopercepção e identidade.
Caminhada comunitária
Foi realizada uma caminhada junto
com os educandos em um dos encontros,
passando pelo lote de cada um e pelos
principais locais da comunidade trazidos
por eles, tais como as ruínas da sede da
antiga Fazenda Fortaleza de Sant’Anna, o
terreiro de café, o local onde afirmam ser a
antiga senzala, etc. Durante essas
caminhadas, experiência também
sistematizada por Ximenes e Moura Jr
(2013), foi possível fortalecer as vivências
de encontro que geraram processos
reflexivos importantes para o
desenvolvimento da ação. A partir das
narrativas, “causos” e memórias
partilhadas na caminhada, percebeu-se a
necessidade de recuperação da memória
histórica, uma das tarefas urgentes
propostas por Martín-Baró (2009) em seu
projeto de Psicologia da Libertação. As
fotos deste dia foram apresentadas ao
grupo em um outro encontro a fim de
avaliar quais estavam aptas para o livro,
além de desenvolver legendas para cada
uma e escutar e elaborar essas escolhas.
Dinâmica grupal e construção do livro
Após algum tempo de inserção do
grupo, foi proposto aos participantes uma
dinâmica que exploraria as histórias de
vida de cada um e seus entrelaces, e para
isso, um contrato grupal foi estabelecido
com horários, compromissos e
possibilidades. Assim, foi firmado um
acordo horizontal e de trocas de saberes
populares e saberes acadêmicos que
permitiria, a partir dos diferentes
contrastes, a ação e reflexão que constitui a
práxis (Oliveira, Ximenes, Coelho & Silva,
2008; Fals-Borda, 1983, 1986).
Para facilitar, simbolizar e significar
a escuta dos participantes, foi desenvolvida
uma dinâmica que consistia basicamente
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
17
em desenhar e/ou escrever em pequenas
folhas de papel acontecimentos marcantes
durante o percurso da vida, criando uma
linha do tempo para cada educando. As
folhas eram presas em barbantes para
ilustrar as linhas da vida de cada um. Os
encontros foram divididos em fases da vida
desde o nascimento até o dia presente.
Como eram 3 estagiários para 4
educandos, foi possível uma escuta
individual e de acolhimento durante a
atividade, mas compreendendo os
processos grupais sempre presentes. Os
próprios educandos eram muito próximos e
gostavam de compartilhar, cada um de sua
maneira, elementos da história de vida e do
cotidiano com o grupo. Cabe destacar, de
acordo com Silva (2015), a importância da
dimensão afetiva presente nos processos
grupais, o brilho nos olhos que pode ser
percebido nas vivências e como isso traz a
potencialidade de fortalecer processos de
mobilização comunitária, de identidade,
pertencimento, participação, lutas e
sentidos de comunidade (Costa & Silva,
2015).
O planejamento inicialmente
consistia em dar um fechamento
entrelaçando os barbantes simbolicamente
para discutir os cruzamentos entre as linhas
do tempo naquele território e momento
sócio-histórico, discutindo como chegaram
até aquele momento presente com aquelas
pessoas ao seu lado. No entanto, a partir da
dinâmica grupal e construção de laços na
comunidade, foi florescida uma demanda
de materializar aquelas atividades de
alguma forma. Portanto, coletivamente se
deu a ideia de construção do livro Costura
da Vida. Assim, o livro conta com a
atividade com as folhas e barbantes, mas
também com músicas populares, fotos
tiradas no território e poemas escritos e
digitados por eles nesta importante fase de
alfabetização, o que ressignificou o
processo das atividades de educação.
Foi organizada no ano de 2019 uma
cerimônia de lançamento do livro,
contando com algumas cópias impressas,
além da versão digital.
No dia em que o livro Costura da
Vida foi lançado novas pessoas
tinham se agregado a este grupo e
outra estagiária da Psicologia fez um
poema muito especial: ‘E olha que
alegria / Poder narrar para o mundo /
Quem antes não escrevia / Agora
alfabetizado / Com sua própria grafia
/ Seja em forma de prosa / Seja em
uma poesia / Falaram de suas vidas /
Tristezas e alegrias / Dos filhos, pais,
companheiros / Da roça e do dia-a-
dia / Presente aqui está um povo /
Antes não se conhecia / Que
aprendeu um com o outro / Espalhou
sabedoria.’ (Nota de diário de campo,
março de 2019).
O momento foi marcado pela
celebração, mística e partilha, seja de
saberes, de afetos e sabores. Possibilitou
um fechamento ainda mais significativo e
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
18
simbólico para o grupo, além de um
material de recordação das memórias para
cada um, para a escola, para as famílias,
para a comunidade, e que agora está sendo
compartilhado com ainda mais pessoas.
Reflexões e desdobramentos a partir da
Costura da Vida
A experiência da construção do livro
Costura da Vida nos provoca a mobilizar
nossa consciência e compreensão divididas
e sempre insuficientes do que somos, não
somos e do que queremos e podemos ser.
De fato, nos recorda Martins (2020): nós,
especialmente os brasileiros, somos
ambíguos, “presos nas incertezas de uma
travessia inconclusa e sem destino” (p.30)
na busca de nossa identidade híbrida, na
tensão da autenticidade e inautenticidade,
no constante movimento de um “vir a ser
que não cumpre senão de modo sempre
incompleto e sempre insuficiente” (p. 10).
Bosi (2013) ressalta a importância da raiz
etimológica da palavra experiência: aquilo
que salta fora - ex - do perímetro de um
círculo percorrido. Sair do nosso lugar,
extrapolar as fronteiras de uma psicologia
urbano-centrada. Experimentar o campo e
sua gente, encontrar com o outro, aprender,
compartilhar, construir laços afetivos,
vivenciar o Assentamento Dênis
Gonçalves como uma comunidade de
destino.
Mergulhando no pequeno mundo
cotidiano da comunidade do Assentamento
Dênis Gonçalves é que evidencia-se o
protagonismo das pessoas comuns imersas
no viver de cada dia, com suas histórias de
vida tecidas às margens da história oficial.
Assume-se aqui a posição das mulheres e
homens simples enquanto protagonistas da
História, com o direito de buscar nela
lugar, reconhecimento devido e, sobretudo,
participação na definição dos rumos da
sociedade. Assim, nos colocamos na busca
por desvelar as potencialidades de uma
melhor e mais profunda compreensão da
complexa totalidade concreta e suas
contradições: “são os simples que nos
libertam dos simplismos” (Martins, 2020,
p. 12).
O grupo Marcus Matraga precisou
percorrer diversos caminhos até encontrar
os caminhos de vida de Dona Maria, Dona
Marina, “Seu” Mateus e “Seu” Arides
na escola do campo. Ex-colonos daquela
terra, que chegaram muito antes da
ocupação dos companheiros do MST e
mesmo assim não tinham a posse daquele
território. Foi após uma vida toda de
trabalho árduo que eles estavam ali,
aprendendo a ler e a escrever. O latifúndio
nada tinha a oferecer para aqueles ex-
colonos, além das marcas de uma terra
esgotada pelo declínio do ciclo do café e a
insegurança das relações precarizadas de
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
19
moradia e trabalho. O direito à educação só
foi possível, portanto, a partir da luta e
conquista da terra. Além do usufruto do
lote e da possibilidade de fortalecer o
pertencimento de trabalhar e viver na roça,
conquistaram também o direito de entrar
em uma escola e construir conhecimento:
romper as cercas do latifúndio e da
ignorância.
É tempo de compartilhar histórias,
cultivar a memória e conhecimentos vivos,
se identificar com o outro, mirar outros
horizontes. O espaço da troca de
experiências de vida por meio do processo
grupal permitiu uma rica manifestação da
afetividade, encontros e vidas que revelam
a possibilidade de buscarmos aquilo que
Gonçalves (2019) chama de espelhos
enterrados: todo um universo simbólico e
cultural os modos de vida camponês,
pensamentos, afetos, memórias e
conhecimento - que é sistematicamente
invisibilizado, escondido e que poderia ser
referência para a compreensão crítica de
nossa própria identidade. Mirar tais
espelhos enterrados é desconstruir os
espelhos distorcidos que nos foram dados,
a partir do processo da colonização, que
colocam nas sombras nossas matrizes
culturais indígenas e africanas.
A oportunidade, por exemplo, de
ouvir de “Seu” Mateus Marcelino em um
“dedo de prosa” sobre as lendas que
rondam a presença indígena na região e
testemunhar como ele constrói, aos poucos,
o reconhecimento identitário de, mais do
que ser um descendente de indígenas, de
ser ele mesmo um indígena, é de um valor
inenarrável. Reencontrar espelhos
enterrados, portanto, significa se colocar na
busca pela descolonização da
subjetividade, se abrir ao outro silenciado,
recuperar a memória histórica que nos
constitui enquanto sujeito. Caminho de
busca pela apreensão crítica e consciente
acerca de nós mesmos, nossas raízes,
problemas, contradições, de saídas
alternativas dos labirintos e armadilhas do
nosso tempo.
De acordo com Martins (2020), a
análise das singularidades da história local
a partir das narrativas e memórias de
pessoas simples, enriquece a compreensão
dos grandes processos históricos e suas
contradições. É, portanto, na expressão e
memória de “Seu” Mateus que o êxodo
rural em busca de melhores condições de
vida, o retorno e a luta pela terra, a
negação e o direito à educação, processos
que marcam a formação social do Brasil,
se tornam concretude histórica na pele: “É
no âmbito local que a História é vivida e é
onde, pois, tem sentido para o sujeito da
História” (Martins, 2020, p. 117). Ainda,
segundo o autor, mais do que enriquecer a
compreensão da história, “se enriquece
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
20
também a consciência histórica de quem
age na esperança de dar sentido ao seu
destino no destino do gênero humano(p.
117).
Bosi (2013) aborda a temática da
memória como fundamental para a
Psicologia Social, dando ênfase aos
aspectos do cotidiano e do viver que
constituem a subjetividade e enraizamento
na comunidade: “do vínculo com o
passado se extrai a força para a formação
de identidade” (p. 16). São analisadas aqui,
portanto, memórias familiares, memórias
do trabalho, um conjunto de histórias de
mulheres e homens da roça que se colocam
no caminho da construção da educação do
campo. Lane (1984), ao propor o caminho
para reformulação de uma Psicologia
Social crítica, nos provoca a considerar a
historicidade na constituição do sujeito
como produto e produtor da realidade:
“recuperar o indivíduo na intersecção de
sua história com a história de sua
sociedade” (p. 13). Seguindo tal
provocação, neste trabalho são
compartilhadas memórias que desvelam o
nexo entre a vida de cada um, tecida em
embaraços, sonhos, conquistas, pelejas, e o
nosso tempo, nossas angústias e dilemas,
caminhos truncados, encruzilhadas
históricas e outras possibilidades. Tecer
fios de vida, singulares, cada qual com
suas cores, e costurar a trama do viver
coletivo.
o que me vem mais forte à memória:
a hora do recreio. Eu saía cedo de
casa e quando chegava ao
assentamento, eu ficava ansioso pela
hora do lanche, pois naquela hora eu
estava com fome. Nos reuníamos
na cozinha comunitária. Foi onde
pude conhecer os outros professores,
alguns alunos de outras turmas, além
de dona Celma, que era responsável
por preparar toda aquela comida
gostosa. Comida feita pelas mãos de
quem teve que lavrar no próprio
terreno da vida social seu lugar nessa
sociedade tão injusta e desigual. Tive
muito prazer da companhia de dona
Celma e com tremenda gratidão por
ser alimentado pela comida que ela
preparava. (Nota de diário de campo,
março de 2019).
Memória, para Bosi (2013), não é
uma mera função cognitiva superior ou um
repositório de lembranças. É uma atividade
do espírito, um trabalho sobre o tempo,
tempo vivido, impregnado de sentidos e
significados pela cultura e pelo indivíduo.
Memória não é passividade, mas sim uma
forma organizadora de recontar narrativas,
como um ato de criação, uma tarefa sobre
si e o mundo. A memória, como o passado
reconstruído, não é refúgio, é fonte,
manancial de razões de lutar. De acordo
com Fanon (2005), a pessoa colonizada
quando utiliza o passado, deve fazê-
lo com a intenção de abrir o futuro,
convidar para a ação, fundar a
esperança. Mas, para garantir a
esperança, para lhe dar densidade, é
preciso participar da ação, engajar-se
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
21
de corpo e alma ... colaborar
muscularmente (p. 267).
A memória, construída nesta
perspectiva crítica, temporalizada e
historicizada, se insere, portanto, nas
necessárias lutas pela descolonização e
libertação (Arantes, 2020).
Considerações finais
A experiência aqui sistematizada foi
construída por diferentes mãos, incluindo
membros do Grupo Marcus Matraga e da
Escola Estadual Carlos Henrique Ribeiro
dos Santos. Todas essas mãos marcadas
pelo compromisso social a partir de uma
tomada de decisão e posição frente à
realidade concreta, no plano das ações
(Freire, 1975). Sistematizar e refletir,
portanto, sobre esta experiência realizada
no primeiro ano da escola e com a primeira
turma, se torna para nós uma grande
responsabilidade e desafio histórico:
contribuir para que a educação do campo
seja, de fato, consolidada a partir da
realidade e das especificidades de cada
comunidade camponesa. Assim, também,
que a Psicologia Comunitária seja
construída em uma práxis comprometida
com as necessidades, demandas, sonhos e
que, sobretudo, contribua no caminho de
libertação junto às comunidades do campo
na luta pela reforma agrária popular.
A experiência foi relatada em
memória de “Seu” Mateus Marcelino, um
dos educandos autores do livro Costura da
Vida, que se dedicou e contribuiu com a
realidade do território de tantas formas e
com uma presença única e que “a vida o
viveu” no início de 2021, enquanto
produzíamos este artigo. Os sentimentos
de gratidão, orgulho e tantos outros
sentimentos difíceis de anotar no papel por
ter feito parte desses ricos encontros
marcados por tantos momentos de
aprendizagem é o que realmente nos toca
como homens e mulheres.
É importante ressaltar o papel que
essas experiências têm na construção de
uma Psicologia comprometida e justa
frente à realidade e que dialogue com
diferentes saberes e disciplinas. De acordo
com nossa percepção, é evidente que o
conhecimento advindo por parte dos
educandos através da sabedoria popular,
ancestral, do campo, trouxe uma maior
contribuição para nós do que o contrário.
Esperamos que esses encontros sejam cada
vez mais frequentes e que as dinâmicas se
moldem para as diferentes realidades e
territórios, contribuindo na formação de
profissionais atentos à realidade prática.
Referências
Arantes, S. L. F. (2020). Notas sobre a
Memória: Identidade e Participação na
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
22
Psicologia Social. SCIAS. Direitos
Humanos e Educação, 3(2), 184-207.
Recuperado de
https://revista.uemg.br/index.php/sciasdirei
toshumanoseducacao/article/view/5143
Bock, A. M. B. (2003). Psicologia e sua
ideologia: 40 anos de compromisso com as
elites. In Bock, A. M. B. (Org.). Psicologia
e o Compromisso Social (pp. 15-28). São
Paulo: Cortez.
Borges, M. G., Torales, M. A., & Guerra,
T. (2011). Os estudos biográficos como
contributo metodológico para o campo
educativo-ambiental: reflexões a partir de
uma experiência investigativa com famílias
assentadas no Rio Grande do Sul, Brasil.
Pesquisa em Educação Ambiental, 6(2),
45-60. https://doi.org/10.18675/2177-
580X.vol6.n2.p45-60
Bosi, E. (2013). O Tempo Vivo da
Memória: ensaios de Psicologia Social.
ed. São Paulo: Ateliê Editorial.
Caldart, R. S. (2012). Educação do campo.
In Caldart, R. S., Pereira, I. B., Alentejano,
P., Frigotto, G. (Orgs.) Dicionário da
Educação do Campo (pp. 257-265). São
Paulo: Expressão Popular.
Caldart, R. S. (2009). Educação do campo:
notas para uma análise de percurso.
Trabalho, Educação e Saúde, 7(1), 35-64.
https://doi.org/10.1590/S1981-
77462009000100003
Calegare, M. G. A. (2015). Rural-urbano,
estudos rurais e ruralidades: saberes
necessários à Psicologia Social. In Lima,
A. F.; Antunes, D. C., & Calegare, M. G.
A. (Orgs.), A Psicologia Social e os atuais
desafios ético-políticos no Brasil (pp. 437-
457). Porto Alegre: ABRAPSO.
Conselho Federal de Psicologia. (2013).
Referências Técnicas para Atuação
das(os) Psicólogas(os) em Questões
Relativas a Terra. Brasília: CFP.
Costa, S. L., & Silva, C. R. C. (2015).
Afeto, memória, luta, participação e
sentidos de comunidade. Pesquisas e
Práticas Psicossociais, 10(2), 283-291.
Recuperado em 18 de janeiro de 2021, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script
=sci_arttext&pid=S1809-
89082015000200006&lng=pt&tlng=pt
Coutinho, C. N. (2010). O estruturalismo e
a miséria da Razão. São Paulo: Expressão
Popular.
Fals-Borda, O. (1983). Aspectos teóricos
da pesquisa participante: considerações
sobre o significado e o papel da ciência na
participação popular. In Brandão, C. R.
(Org.). Pesquisa Participante (pp. 42-62).
São Paulo: Brasiliense.
Fals-Borda, O. (1986). Conocimiento y
poder popular - lecciones con campesinos
de Nicarágua, México y Colombia. (2ª ed).
Bogotá: Siglo XXI.
Fanon, F. (2005). Os Condenados da
Terra. Juiz de Fora: ed. UFJF.
Freire, P. (1998). Educação e mudança.
São Paulo: Paz e Terra.
Freire, P. (1975). Extensão ou
comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, P. (2005). Pedagogia do Oprimido.
(49ª ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freitas, M. F. Q. (2007). Psicologia na
comunidade, psicologia da comunidade e
Psicologia (Social) Comunitária: práticas
da psicologia em comunidade nas décadas
de 60 a 90, no Brasil. In Campos, R. H. F.
(Org.). Psicologia Social Comunitária: da
solidariedade à autonomia (pp. 54-80).
Petrópolis, RJ: Vozes.
Freitas, M. F. Q. (2011). Construcción y
consolidación de la psicología social
comunitaria en Brasil: conocimientos,
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
23
prácticas y perspectivas. In Montero, M.,
& Serrano-García, I. (Orgs.). Historias de
la psicología comunitaria en America
Latina: participación y transformación
(pp. 91-113). Buenos Aires: Paidós.
Gadotti, M. (2017). Extensão
universitária: para quê?. São Paulo:
Instituto Paulo Freire.
Gomes, M. A. F., & Dimenstein, M.
(2014). Pesquisa Qualitativa em Psicologia
e Saúde Coletiva: Experimentações com o
Recurso Fotográfico. Psicologia: Ciência e
Profissão, 34(4), 804-820.
https://doi.org/10.1590/1982-
370001422013
Gonçalves, B. S. (2019). Nos caminhos da
dupla consciência: América Latina,
Psicologia e descolonização. São Paulo:
Ed. do Autor.
Gonçalves, M. A., & Portugal, F. T.
(2012). Alguns apontamentos sobre a
trajetória da Psicologia social comunitária
no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão,
32(SPE), 138-153.
https://doi.org/10.1590/S1414-
98932012000500010
Gonçalves, M. A., & Portugal, F. T.
(2016). Análise histórica da psicologia
social comunitária no Brasil. Psicologia &
Sociedade, 28(3), 562-571.
https://doi.org/10.1590/1807-
03102016v28n3p562
Landini, F. (2015). La noción de psicología
rural y sus desafíos en el contexto
latinoamericano. In Landini, F. (Org.).
Hacia una psicología rural
latinoamericana (pp. 21-32). Buenos
Aires: CLACSO.
Lane, S. T. M. (1994). Psicologia Social e
uma nova concepção de homem para a
Psicologia. In Lane, S. T. M., & Codo, W.
(Orgs.). Psicologia Social: o homem em
movimento (pp. 10-19). ed. São Paulo:
Brasiliense.
Leite, J. F. (2015). Movimentos sociais e
ruralidades no Brasil. In Landini, F. (Org.).
Hacia una psicología rural
latinoamericana (pp. 97-102). Buenos
Aires: CLACSO.
Leite, J. F., Macedo, J. P. S., Dimenstein,
M., & Dantas, C. (2013). A formação em
Psicologia para a atuação em contextos
rurais. In Leite, J. F., & Dimenstein, M.
(Orgs.) Psicologia e contextos rurais (pp.
27-55). Natal: EDUFRN.
Martín-Baró, I. (2009). Para uma
Psicologia da Libertação. In Guzzo, R. S.
L., & Lacerda Jr. F. (Orgs.). Psicologia
Social para a América Latina: o resgate da
Psicologia da Libertação (pp. 189-197).
Campinas, SP: Alínea.
Martins, J. S. (2020). A sociabilidade do
homem simples: cotidiano e história na
modernidade anômala. 3ª ed. São Paulo:
Contexto.
Medeiros, L. S. de. (2012). Latifúndio. In
Caldart, R. S., Pereira, I. B., Alentejano,
P., & Frigotto, G. (Orgs.) Dicionário da
Educação do Campo (pp. 445-451). São
Paulo: Expressão Popular.
Nascimento, V. A. S. (2019).
Contribuições da psicologia da libertação
para a atuação do (a) psicólogo (a) no
campo (Dissertação de Mestrado em
Psicologia). Universidade Federal de
Goiás, Goiânia.
Netto, J. P. (2017). O que é marxismo. São
Paulo: Brasiliense.
Oliveira, F. P., Ximenes, V. M., Coelho, J.
P. L., & Silva, K. S. (2008). Psicologia
Comunitária e Educação Libertadora.
Psicologia: Teoria e Prática, 10(2), 147-
161.
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
24
Oliveira, R. C. M. (2014). (Entre)linhas de
uma Pesquisa: o diário de campo como
dispositivo de (in)formação na/da
abordagem (auto)biográfica. Revista
Brasileira de Educação de Jovens e
Adultos, 2(4), 69-87.
Paludo, C. (2012). Educação popular. In
Caldart, R. S., Pereira, I. B., Alentejano,
P., Frigotto, G. (Orgs.) Dicionário da
Educação do Campo (pp. 280-286). São
Paulo: Expressão Popular.
Prado Jr, C. (2014). A revolução
brasileira; A questão agrária no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras.
Ronzani, T. M. Mendes, K. T., Oliveira, C.
P., & Leite, J. F. (2019). Contextos rurais e
Psicologia Comunitária: um encontro
possível e necessário. In Carvalho-Freitas,
M. N., Freitas, L. C. Pollo, T. C. (Orgs.).
Instituições, saúde e sociedade:
contribuições da Psicologia (pp. 59-79).
Belo Horizonte: UEMG.
Ronzani, T. M., Lefebvre, M. L., &
Silveira, P. S. (2021). Community Social
Psychology: Contributions to
Understanding and Practices of Drug Use
Care. In Andrade A. L. M., De Micheli D.,
Silva E.A., Lopes F. M., Pinheiro B. O.,
Reichert R. A. (Eds.) Psychology of
Substance Abuse (pp. 191-203). Springer,
Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-030-
62106-3_13
Saforcada, E. (2015). Por qué y para qué
una psicología rural en
indoafroiberoamérica. In Landini, F.
(Org.). Hacia una psicología rural
latinoamericana (pp. 35-46). Buenos
Aires: CLACSO.
Santos, R. (2017). História da Educação do
Campo no Brasil: o protagonismo dos
movimentos sociais. Revista Teias, 18(51),
210-224.
https://doi.org/10.12957/teias.2017.24758
Semeraro, G. (2006). Intelectuais
"orgânicos" em tempos de pós-
modernidade. Cadernos CEDES, 26(70),
373-391. https://doi.org/10.1590/S0101-
32622006000300006
Silva. M. V. (2015). Práticas em psicologia
comunitária e processos de mobilização
social: provocações para um debate.
Pesquisas e práticas psicossociais, 2(10),
292-300.
Silva, K. B., & Macedo, J. P.. (2017).
Psicologia e Ruralidades no Brasil:
Contribuições para o Debate. Psicologia:
Ciência e Profissão, 37(3), 815-830.
https://doi.org/10.1590/1982-
3703002982016
Silva, K. B., & Macedo, J. P.. (2019).
Psicologia e ruralidade: reflexões para
formação em psicologia. Estud.
Interdiscip. Psicol, 10(3), 97-120.
https://doi.org/10.5433/2236-
6407.2019v10n3p97
Souza, W. J. C. (2019). MST, a luta e a
conquista da terra: a experiência
educativa do Assentamento Denis
Gonçalves (Dissertação de Mestrado em
Educação). Universidade Federal de Juiz
de Fora, Juiz de Fora.
Ximenes, V. M., & Moura Jr., J. F. (2013).
Psicologia Comunitária e comunidades
rurais do Ceará: caminhos, práticas e
vivências em extensão universitária. In
Leite, J. F., & Dimenstein, M. (Orgs.).
Psicologia e Contextos Rurais (pp. 453-
473). Natal: EDUFRN.
i
A versão digital do livro pode ser acessada na
íntegra a partir do link
https://www.ufjf.br/crepeia/files/2021/05/COSTUR
A-DA-VIDA-1.pdf
ii
Traduzido livremente por: “que surge no auge do
triunfo acrítico do capitalismo, do liberalismo, do
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme, T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura da vida: encontros entre a
Psicologia Social Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves do MST...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11939
10.20873/uft.rbec.e11939
2021
ISSN: 2525-4863
25
positivismo e do tecno-cientificismo na Europa e na
América do Norte.".
iii
Traduzido livremente por: “Assim, uma
tendência sutil de sobrepor o que é humano (ou
seja, o que é próprio ou característico do ser
humano), com o que é urbano (ou seja, o que é
característico das populações urbanas),
invisibilizando as especificidades rurais”
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 01/04/2021
Aprovado em: 05/05/2021
Publicado em: 12/07/2021
Received on April 01st, 2021
Accepted on May 04th, 2021
Published on July, 12th, 2021
Contribuições no Artigo: Os autores e autoras Conrado
Pável de Oliveira, Júlia Batista Afonso, Pedro Barino
Rodrigues, Tháles Gonçalves Guilherme foram
responsáveis pela escrita, elaboração, análise e
sistematização da experiência; A autora Marli da Cruz
Gonçalves Herédia foi responsável pela escrita e análise
da experiência. O autor Telmo Mota Ronzani foi
responsável pela escrita, elaboração e revisão do
conteúdo do manuscrito. Tod(as) os(as) autores(as) foram
responsáveis pela aprovação da versão final a ser
publicada.
Author Contributions: The authors Conrado Pável de
Oliveira, Júlia Batista Afonso, Pedro Barino Rodrigues,
Tháles Gonçalves Guilherme were responsible for the
writing, elaboration, analysis and systematization of the
experience; The author Marli da Cruz Gonçalves Herédia
was responsible for the writing and analysis of the
experience. The author Telmo Mota Ronzani was
responsible for the writing, elaboration and revision of the
manuscript content. All authors were responsible for the
approval of the final version to be published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam
não haver nenhum conflito de interesse referente a este
artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Universidade Federal de Juiz de Fora.
Funding
Universidade Federal de Juiz de Fora.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Oliveira, C. P., Afonso, J. B., Rodrigues, P. B., Guilherme,
T. G., Ronzani, T. M., & Herédia, M. C. G. (2021). Costura
da vida: encontros entre a Psicologia Social Comunitária e
a Educação do Campo no Assentamento Dênis Gonçalves
do MST. Rev. Bras. Educ. Camp., 6, e11939.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11939
ABNT
OLIVEIRA, C. P.; AFONSO, J. B.; RODRIGUES, P. B;,
GUILHERME, T. G.; RONZANI, T. M.; HERÉDIA, M. C. G.
Costura da vida: encontros entre a Psicologia Social
Comunitária e a Educação do Campo no Assentamento
Dênis Gonçalves do MST. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e11939, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11939