Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10846
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10846
10.20873/uft.rbec.e10846
2020
ISSN: 2525-4863
1
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Os impactos da globalização sobre a Educação do Campo:
políticas públicas de resistência
Flávia Stefanello
1
, Altair Alberto Fávero
2
1, 2
Universidade de Passo Fundo - UPF. Faculdade de Educação, Campus I. Avenida Brasil Leste 285, Bairro São José. Passo
Fundo - RS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: flavia.stefanello@hotmail.com
RESUMO. O presente artigo tem por escopo realizar uma
discussão acerca do processo de globalização e suas implicações
na Educação do Campo. Trazer a Educação do Campo para
dentro dessa discussão resulta em identificar os impactos que a
globalização pode trazer, afetando a singularidade cultural e
social desses sujeitos. Trata-se de um estudo teórico-
bibliográfico de natureza básica, qualitativo quanto à abordagem
do problema e descritivo analítico quanto aos objetivos.
Apresentamos no texto o inegável impacto que a globalização,
intensificada na modernidade, possui acerca da Educação do
Campo: sua homogeneização cultural, a mercantilização do
sistema educacional, o esmagamento de culturas locais, a
exclusão de sua singularidade e a padronização de um
comportamento, negando a historicidade das lutas camponesas
pela terra e educação de qualidade que lhe é inerente. Na
contramão desse processo, o texto aponta as políticas públicas
destinadas à Educação do Campo, como formas de resistência
frente a esse movimento.
Palavras-chave: Educação do Campo, Homogeneização
Cultural, Resistência, Globalização.
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The impacts of globalization on Rural Education: public
policies of resistance
ABSTRACT. This article aims to conduct a discussion about
the globalization process and its implications on Rural
Education. Bringing Rural Education into this discussion, results
in identifying the impacts that globalization can bring, affecting
the cultural and social uniqueness of these subjects. It is a
theoretical-bibliographic study of a basic nature, qualitative in
terms of approaching the problem and analytical descriptive in
terms of objectives. We present in the text the undeniable impact
that globalization, intensified in modern times, has on Rural
Education: its cultural homogenization, the commodification of
the educational system, the crushing of local cultures, the
exclusion of its uniqueness and the standardization of behavior,
denying the historicity of peasant struggles for land and quality
education that is inherent to it. Contrary to this process, the text
points to public policies aimed at Rural Education, as forms of
resistance to this movement.
Keywords: Rural Education, Cultural Homogenization,
Resistance, Globalization.
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Los impactos de la globalización en la Educación del
Campo: políticas públicas de resistencia
RESUMEN. Este artículo tiene el objetivo de realizar una
discusión acerca del proceso de globalización y sus
implicaciones en la Educación del Campo. Al incorporar la
educación rural a esta discusión, se identifican los impactos que
puede traer la globalización, afectando la singularidad cultural y
social de estos sujetos. Es un estudio teórico-bibliográfico de
carácter básico, cualitativo en términos de abordaje del
problema y descriptivo analítico en términos de objetivos.
Presentamos en el texto el impacto innegable que la
globalización, intensificada en la modernidad, tiene en la
Educación Rural: su homogeneización cultural, la
comercialización del sistema educativo, el aplastamiento de las
culturas locales, la exclusión de su singularidad y la
estandarización de comportamientos, negando la historicidad de
las luchas campesinas por la tierra y la educación de calidad
inherente a ella. Contrario a este proceso, el texto apunta a las
políticas públicas orientadas a la Educación Rural, como formas
de resistencia a este movimiento.
Palabras clave: Educación del Campo, Homogeneización
Cultural, Resistencia, Globalización.
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Introdução
No âmbito em que se discute
questões educacionais, bem como as
políticas públicas voltadas para a área, é
importante que se perceba os fenômenos
globais que ocorrem simultaneamente aos
avanços (ou retrocessos) da educação. Na
educação urbana, que se principalmente
em cidades de grande e médio porte, é fácil
identificar esses fenômenos: deslocamento
de pessoas em massa, reprodução de
imagens, relações interpessoais ganhando
outras dimensões que não apenas a física e
palpável, a quebra entre as fronteiras de
mercados, a rapidez e agilidade em criar e
solucionar problemas. Todos esses
fenômenos podem ser resumidos em
apenas um: globalização.
A globalização, que parece ser um
caminho sem volta, tem suas marcas
fixadas principalmente na economia, uma
vez que grandes transações se dão
efetivamente em virtude dela. Nesse
sentido, trazer a educação para essa
discussão se faz necessário, posto que,
hoje, grandes grupos internacionais
dominam instituições privadas de ensino,
transformando o processo ensino e
aprendizagem em um grande “comércio de
certificados” ou ainda em “fábricas de
vestibulandos”. Além disso, o fácil acesso
a tudo que ocorre globalmente, por meio
das mídias digitais, das redes sociais e
aplicativos, coloca a educação
completamente mergulhada nesse
fenômeno de globalização nunca vista.
Para quem está à frente ou faz parte dessas
instituições, a globalização é um processo
natural, ocorre em tempo real e é cil
acompanhá-la e avançar na mesma
proporção que ela também avança.
Entretanto, existem outros cenários e
realidades que não permitem o livre acesso
a esse fenômeno tão bem-sucedido nos
grandes centros. cenários, tais como a
escola do campo, em que, muitas vezes,
nem mesmo o transporte chega, ou, ainda,
onde a precariedade de estruturas não
permite que o estudante tenha acesso à
internet e conheça as tecnologias e
atualidades do mundo moderno.
Embora a Educação do Campo
pareça estar alguns passos atrás da
globalização ou ainda não contaminada por
ela, é preciso observar que praticamente
toda a matéria-prima que movimenta e
aquece a indústria e a comercialização é
originária do campo. E aqui se faz
importante mencionar que não se trata do
grande latifundiário, mas da agricultura
familiar, da família que trabalha para a
subsistência, estação pós estação,
independentemente do clima, afetado pelo
aquecimento global, ou do valor pago
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pelos produtos produzidos no seu restrito
espaço de terra.
Frente a esse contexto, o presente
artigo propõe-se a fazer uma discussão
acerca do processo de globalização e suas
implicações na Educação do Campo, uma
vez que se reconhece a existência de
camponeses que, ainda no século XXI, não
são alfabetizados, evidenciando que
embora haja um fenômeno global que
aproxime mercados e estreite relações, esse
é marcado pelo sistema capitalista que
explora e assombra quem vive e depende
do campo, afastando e distanciando a
Educação do Campo da modernidade, ou
mesmo tentando impor um processo de
homogeneidade entre campo e cidade
globalizados, como se ambos espaços
tratassem da educação e da escola de forma
unificada, independentemente de seus
personagens.
Para isso, o texto traz em sua
primeira parte uma contextualização da
globalização e sua constituição até a
modernidade. No segundo momento,
tratamos da Educação do Campo e a
caracterização do sujeito camponês, em
uma tentativa de compreender os processos
de formação que ocorrem nesse espaço,
reconhecendo seus sujeitos. O terceiro
momento faz uma mescla entre a educação
do Campo e as implicações que são
ocasionadas por conta do fenômeno da
globalização. Por fim, encerrando o
percurso reflexivo, apontamos as políticas
educacionais voltadas para o campo como
forma de resistência camponesa, usando a
educação como alicerce para manter a
gênese do sujeito camponês. O texto se
trata de uma pesquisa bibliográfica e
documental, que busca reunir os principais
aspectos envolvendo campo, globalização
e educação.
As dimensões da globalização na
modernidade
Entender a globalização significa
compreender que não se trata apenas de um
aspecto ou fenômeno único, e sim de um
processo múltiplo, que aproxima
sociedades e nações, em âmbito
econômico, político e cultural, mas, acima
de tudo, seu destaque está na integração de
mercado internacional. A globalização nas
últimas décadas vem se intensificando,
demarcando territórios, e, com a chegada
do século XXI, coloca em evidência
questões que se referem à modernidade, ao
desenvolvimento passado e a formas
institucionais presentes no mundo
moderno. Giddens (2002, p. 9) afirma que
“as instituições modernas diferem de todas
as formas anteriores de ordem social
quanto ao seu dinamismo, ao grau que
interferem com hábitos e costumes
tradicionais, e a seu impacto global”.
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Sendo assim, a modernidade e a
globalização são fenômenos que ocorrem
simultaneamente, alterando radicalmente
aspectos pessoais e sociais, a medida em
que avançam sobre a sociedade.
Foi após os anos 1970, afirma
Tedesco (2009), que o processo de
globalização se tornou mais intenso e
passou a estar presente na pauta de
discussões relacionadas às grandes
transformações mundiais e nacionais.
Caracteriza a globalização da seguinte
forma:
Carecendo de uma demarcação
conceitual, o fenômeno globalização
parece atropelar tudo, romper tudo o
que parecia estar sólido; carrega em
si aspectos de modernização, de
mercatinlização, de
transnacionalização, unicidade e
conexão de mercados
desterritorializados e
reterriteriolizados, organização
internacional da produção,
homogeneização, empresas globais,
etc. (Tedesco, 2009, p. 180).
Com esse desenfreado crescimento e
expansão global, Tedesco (2009) atenta
para o que vem junto com a globalização:
novas formas de competição, de
concorrência, estratégias empresariais,
controles territoriais de mercado,
demandas de consumidores, estruturas de
custo (tecnologias, mão-de-obra,
locações...). É essa miscelânea de ações,
que nos auxilia a compreender o quão
envolvente é a globalização e o quanto,
pouco a pouco, esse fenômeno passou a
fazer parte de cada canto do mundo.
Nesse mesmo sentido, Santos (2017)
destaca que o termo globalização e os
processos que implicam sua existência são
entendidos como a intensificação de
interações transnacionais para além do que
sempre foram as relações entre Estados
nacionais, as relações internacionais, ou as
relações no interior dos impérios, tanto
antigos quanto modernos. Para ele, não são
apenas os Estados que protagonizam essas
relações, mas, sim, agentes econômicos e
sociais em domínios diversos. A criação de
agências financeiras multilaterais, como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), ou ainda tratados de
livre comércio, integração regional (como
a União Europeia) , são exemplos de como
as ações globais se efetivam quando o
protagonizadas pelo Estado.
A influência preponderante exercida
sobre um povo ou uma nação é uma das
características dos países centrais que
presidem a globalização. Na análise de
Santos (2002), os países ditos como
centrais dilapidam as vantagens oferecidas
pela globalização, potencializam e criam
oportunidades em benefício próprio,
restando para os países periféricos e menos
desenvolvidos apenas migalhas e os custos
sociais por ela produzidos.
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Com uma definição mais “sensível”
acerca da globalização, Santos (2002) tenta
aproximá-la às dimensões sociais, políticas
e culturais. Para ele, aquilo que
habitualmente designamos por
globalização consiste, de fato, em
conjuntos diferenciados de relações
sociais, ou, ainda, diferentes conjuntos de
relações sociais que dão origem a
diferentes fenômenos de globalização.
Ao tratar dos aspectos voltados às
dimensões sociais e os impactos
decorrentes da globalização, Hespanha
(2002) faz um alerta quanto ao mal-estar e
ao risco social advindos de um mundo
globalizado, destacando que novos
problemas surgem na mesma proporção
que a globalização.
As estatísticas mundiais mostram que
as desigualdades na distribuição das
riquezas estão a reforçar-se e que,
apesar da intensificação dos fluxos
mundiais de capital e de trabalho, a
extensão dos mercados, a
globalização das políticas e dos
progressos nas comunicações, as
oportunidades para melhorar os
padrões de vida são cada vez mais
inacessíveis à maioria da população.
... Fortemente associado à produção
da incerteza e do risco está o
fenômeno da globalização, entendido
esse numa acepção paradigmática,
não apenas como uma crescente
interdependência entre sociedades
nacionais, mas como uma verdadeira
desterritorialização do social e do
político, no sentido em que a
coincidência entre sociedade e
Estado se vai desvanecendo e
transcendendo à medida que as
formas de atividade social e
econômica, de trabalho e de vida,
deixam de ter lugar dentro do quadro
Estado-nação (Hespanha, 2002, pp.
163-164).
Held e Mcgrew (2001) apontam que
são oriundos da globalização problemas e
dificuldades, em específico os que se
referem à desigualdade econômica. Nesse
sentido, se evidencia que, embora existam
novas perspectivas e oportunidades no
mercado internacional, também outros
aspectos que se escondem por trás do
lucro. Todavia, fazem um destaque acerca
da globalização: reconhecem e apresentam
seus aspectos negativos, porém, é
inevitável admitir o seu bojo de grandes
avanços relacionados à política, à
economia e ao próprio enriquecimento
cultural. É nesse contraponto que,
segundos os autores, deve-se usufruir das
diferenças e se construir uma co-
dependência entre Estados, dentro de uma
totalidade em termos globais.
Portanto, para definir a globalização,
é preciso visualizá-la como um processo
inacabado, que vem se expandindo nos
âmbitos regional e global. Sua construção
social e histórica não se explica como um
imperialismo do capitalismo ou ainda da
tecnologia. Na globalização, não há um
padrão fixo pré-determinado, ela se
constrói e se modifica, à medida que o
mercado exige, independentemente de
quem está à frente ou atrás.
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Educação do campo e a identidade do
sujeito camponês
Em processo de construção desde o
final dos anos 1990, a Educação do Campo
vem em vagarosos passos ganhando espaço
nas discussões e na agenda pública.
Marcada pela luta incansável do camponês
e seus movimentos sociais, a Educação do
Campo se caracteriza pela construção de
uma educação adequada a suas culturas,
ritmos, singularidade e tempos dos sujeitos
do campo. Molina e Freitas (2011) definem
a Educação do Campo no Brasil como um
processo diretamente ligado à luta
camponesa:
A Educação do Campo originou-se
no processo de luta dos movimentos
sociais camponeses e, por isso, traz
de forma clara sua intencionalidade
maior: a construção de uma
sociedade sem desigualdades, com
justiça social. Ela se configura como
uma reação organizada dos
camponeses ao processo de
expropriação de suas terras e de seu
trabalho pelo avanço do modelo
agrícola hegemônico na sociedade
brasileira, estruturado a partir do
agronegócio. A luta dos
trabalhadores para garantir o direito à
escolarização e ao conhecimento faz
parte das suas estratégias de
resistência, construídas na
perspectiva de manter seus territórios
de vida, trabalho e identidade, e
surgiu como reação ao histórico
conjunto de ações educacionais que,
sob a denominação de Educação
Rural, não mantiveram o quadro
precário de escolarização no campo,
como também contribuíram para
perpetuar as desigualdades sociais
naquele território (Molina & Freitas,
2011, p. 11).
Ao tratar de Educação do Campo, é
impossível negar sua historicidade e os
aspectos que deram forma a esse segmento.
Para compreender seu surgimento e sua
insistência em proporcionar ao camponês e
seus descendentes um ensino que lhe
assegure a permanência e o êxito no
campo, de se considerar os fatos e o
contexto nacional. De acordo com
Calazans (1993), a gênese da Educação do
Campo se deu da seguinte forma:
O ensino regular em áreas rurais teve
seu surgimento no fim do segundo
império e implantou-se amplamente
na primeira metade deste século
(XX). O seu desenvolvimento através
da história reflete, de certo modo, as
necessidades que foram surgindo em
decorrência da própria evolução das
estruturas sócio agrárias do país
(Calazans, 1993, p. 15).
Nesse sentido, é necessário entender
que a Educação do Campo constitui, desde
seu surgimento, um processo de construção
permanente de uma concepção de
educação que seja condizente com o
campo em si, englobando seu crescimento
e desenvolvimento. Desse modo, formada
por sujeitos coletivos e ativos no cenário
da luta social e de suas práticas educativas,
a Educação do Campo representa, por meio
de suas ações, a busca permanente por
respostas e alternativas acerca do projeto
hegemônico de desenvolvimento rural, às
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escolas rurais tradicionais e ao processo de
formação de seus educadores. De acordo
com Molina e Freitas (2011), nesse cenário
dito como o de luta permanente da
Educação do Campo , foram
consolidados alguns avanços e algumas
conquistas no que se refere, por exemplo, à
obtenção de marcos legais e de programas
educacionais designados a eles, à inserção
do tema na agenda de pesquisa das
universidades públicas brasileiras e à
articulação entre os diferentes movimentos
sociais e instituições que lutam pela
Educação do Campo.
Em relação a esse perfil e espaço
educacional, Arroyo e Fernandes (1999, p.
24) fazem menção sobre como a Educação
do Campo, ainda em meados dos anos
1990, por se dar em um espaço formativo
distinto da cidade, não deveria ter as
mesmas pautas e práticas pedagógicas. Nas
palavras dos próprios autores:
As políticas educacionais, os
currículos são pensados para a
cidade, para a produção industrial
urbana, e apenas lembram do campo
quando lembram de situações
‘anormais’, das minorias, e
recomendam adaptar as propostas, a
escola, os currículos, os calendários a
essas ‘anormalidades’ (Arroyo &
Fernandes, 1999, p. 24).
Esse cenário mencionado por Arroyo
e Fernandes (1999) reflete o aspecto
excludente para os sujeitos envolvidos com
os processos educativos do campo. Outro
ponto importante a ser mencionado na
compreensão acerca da Educação do
Campo é a ruptura de alguns paradigmas,
principalmente a dicotomia “campo e
cidade”. Essa relação é chave para a
compreensão de dois cenários diferentes,
logo, dois processos educativos diferentes.
É preciso uma análise mais profunda para
que se tenha um conceito adequado em
relação ao campo e a seus processos
educativos. O comum é pensar uma
educação do campo adaptada, de um
cenário para outro (cidade para o campo),
desconsiderando os sujeitos, suas histórias,
cultura e forma de organização. A cidade é
vista com centralidade. Já o campo é visto
com ares de atraso, de um lugar onde o
tempo possivelmente tenha parado, ou que
ande a lentos passos. De acordo com
Arroyo (2007):
uma idealização da cidade como
o espaço civilizatório por excelência,
de convívio, sociabilidade e
socialização, da expressão da
dinâmica política, cultural e
educativa. A essa idealização da
cidade corresponde uma visão
negativa do campo como lugar do
atraso, do tradicionalismo cultural.
Essas imagens que se complementam
inspiram as políticas públicas,
educativas e escolares e inspiram a
maior parte dos textos legais
(Arroyo, 2007, p. 157).
Defendido por ser um espaço de
particularidades e matrizes culturais
distintas, junto com as questões de luta, o
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campo traz diversas possibilidades
políticas de resistência, formação crítica,
histórias, identidades e produção de
existência social (Fernandes & Molina,
2005). Nesse sentido, compete à Educação
do Campo o papel de fomentar reflexões
que sejam promissoras nesse espaço,
produzindo saberes que contribuam para
negar e desconstruir o senso comum acerca
da visão hierárquica que entre campo e
cidade. São nessas ações que se busca
fazer uma quebra dos conceitos
engessados, que tratam o campo e o sujeito
camponês com olhar de desrespeito, atraso
e pouco desenvolvimento.
A reflexão que se faz acerca da
relação entre o campo e a cidade se estende
para as questões sociais, de classes e
distribuição de renda no país. Para Kolling,
Nery e Molina (1999), no Brasil, a
educação ainda é dominantemente elitista,
não favorecendo aos que mais precisam,
pois ainda uma lacuna grande a ser
preenchida no combate ao analfabetismo,
na melhora progressiva da cultura e
escolaridade. Todos esses pontos, quando
conectados ao campo, tornam-se ainda
mais desastrosos: acesso tardio a escola,
infraestrutura precária, regiões muitas
vezes pobres, longas distâncias a serem
percorridas, ensino deficiente e poucos
investimentos que partem da iniciativa
pública.
Para compreender quem faz parte
desse cenário e quem é o estudante que
acessa a Educação do Campo, avalia-se
que o Decreto 7.532 (2010) considera
como populações do campo os agricultores
familiares, os extrativistas, os pescadores
artesanais, os ribeirinhos, os assentados e
acampados da reforma agrária, os
trabalhadores assalariados rurais, os
quilombolas, os caiçaras, os povos da
floresta, os caboclos e outros que
produzam suas condições materiais de
existência a partir do trabalho no meio
rural, caracterizando assim o sujeito
camponês e o perfil de estudante que faz
parte do contexto da Educação do Campo.
Sendo assim, reconhecer que o
campo não é apenas uma mera extensão da
cidade é o primeiro passo no entendimento
de todo seu processo educativo e no
reconhecimento de quem são os seus
sujeitos. O sujeito do campo se constitui a
partir de sua cultura, sua singularidade,
suas especificidades e, principalmente, sua
relação com a terra, com a natureza.
Manter essa identidade como protagonista
de suas ações é também papel da Escola do
Campo.
É por meio da educação que ocorre
nas Escolas do Campo que o sujeito que
tem sua vida arraigada nos conhecimentos
ofertados nesse espaço pode (re) descobrir
no cultivo da terra a permanência e o êxito
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no meio rural. Essa reflexão acerca de
quem é o sujeito camponês e o quanto a
educação do campo implica em suas
relações com o meio está relacionada com
a compreensão das relações sujeito-espaço.
... Portanto, a compreensão do papel
e lugar dos camponeses na sociedade
capitalista e no Brasil, em particular,
é fundamental. Ou entende-se a
questão no interior do processo de
desenvolvimento do capitalismo no
campo, ou então continuar-se-á a ver
muitos autores afirmarem que os
camponeses estão desaparecendo,
mas, entretanto, eles continuam
lutando para conquistar o acesso às
terras em muitas partes do Brasil
(Oliveira, 2004, p. 35).
Em suma, é importante,
primeiramente, entender quem é o
camponês enquanto sujeito do campo e
enquanto sujeito na sociedade. É o
camponês o sujeito que produz o alimento
da cidade, é o camponês quem faz a
manutenção da vida na terra. Nesse
sentido, enfatizamos, aqui, a importância
da Educação do Campo enquanto
formadora de sujeitos que se reconhecem
enquanto seres sociais, que fazem parte do
contexto econômico do país, com cultura
própria e identidade singular a ser mantida,
motivos esses que devem servir como
alicerce na (re)construção da vida no
campo, garantindo êxito e permanência
nesse espaço.
As implicações da globalização na
Educação do Campo
A globalização, um processo de
aprofundamento internacional da
integração econômica, cultural e política
que ocorre em larga escala em todo o
mundo, tem seu impacto como influência
na indústria, na tecnologia, nos governos,
nos grandes acordos internacionais e na
educação. Junto com a globalização,
mesclam-se interações que ultrapassam
fronteiras, resultando em transações
rápidas, de grandes amplitudes e
profundidades. Nesse sentido, a educação,
de maneira direta ou indireta se torna
reflexo do contexto e dos processos da
globalização e transnacionalização do
sistema econômico global.
A globalização vem como um
tsunami que adentra Estados, empresas,
sociedades, culturas e também escolas.
Nesse sentido, Santos (2011) faz referência
ao Estado-nação (fruto da globalização) e
observa que esses têm, de forma
tradicional, atuado de forma ambígua na
condução de suas ações, ou seja, por um
lado, defendem aspectos como diversidade
cultural, autenticidade da cultura nacional,
por outro lado, promovem a
homogeneização e a uniformidade, o que
resulta em um esmagamento das diversas
culturas locais, que existem em cada
nação. Com intervenção policial, do
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direito, do sistema educacional ou dos
meios de comunicação social, o que se
espera é uma padronização cultural e
social, excluindo o que é diferente e plural
(Santos, 2011).
Para a Educação do Campo e os
sujeitos que dela fazem parte, esse projeto
de homogeneização, advindo dos processos
de globalização do Estado-nação, exclui
sua singularidade e padroniza um
comportamento que não faz parte da
construção de suas lutas pela terra e pela
educação de qualidade que lhe é inerente.
Pensar em um sistema educacional que
uniformize culturas é deixar em estado de
escassez e ausência o protagonismo da
juventude do campo. A intenção de
unificar as pluralidades culturais é de certa
forma uma violência cultural, patrimonial e
material sobre os sujeitos do campo.
Existem demandas que são
específicas dos camponeses, e essas
necessitam que sua visibilidade seja
garantida, tais como a implementação de
projetos que garantam uma formação
escolar de acordo com as condições do
campo e que tratem da educação como
elemento central. Obviamente é necessário
que o campo evolua e não fique estagnado
e ultrapassado, porém, essa evolução não
deve ser um processo de rupturas e sim de
contribuições para seu êxito e permanecia.
De acordo com Molina (2010), ao se
referir à Educação do Campo e ao seu
desenvolvimento, é necessário discutir os
seguintes aspectos:
Territorialidade e educação no meio
rural: entre o local e o global;
transformações técnicas, ecológicas,
econômicas, produtivas e sociais que
envolvem o desenvolvimento e a
sustentabilidade do campo; impactos
causados pela modernização da
agricultura e valorização das formas
de cultivo tradicionais praticadas no
campo; saberes que as populações do
campo têm acumulado sobre o uso,
gestão e sustentabilidade dos
recursos naturais; políticas públicas,
programas e projetos de instituições
governamentais e não
governamentais e de organizações
sociais que envolvem a educação e a
agricultura familiar, a economia
solidária, a agroecologia e o
ecodesenvolvimento (Molina, 2010,
p. 15).
Com esses aspectos em evidência,
fica nítido que a Educação do Campo e
seus sujeitos passam por um processo de
transformações, modernização e evolução,
o que não se deve confundir com a
aniquilação de suas raízes sociais e
culturais. Para que a globalização seja um
processo que favorece o campo, são
necessárias a organização e a ação coletiva
por parte de quem constitui o campo, e é
preciso que se lute pela busca de
planejamento, implantação e até mesmo
monitoramento de políticas públicas que
garantam uma ação destinada à educação
escolar do camponês, à sua cultura, ao
trabalho, lazer etc.
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Nessa perspectiva de que a
globalização aproxima fronteiras e faz
parte da modernidade, alguns aspectos
que parecem não conversar entre si. Esse é
o caso do campo e da cidade. Freire e
Castro (2010) afirmam que a relação
campo/cidade é mais complexa do que a
visão reducionista que trata de forma
dicotomizada tais espaços culturais. Ao
analisar o contexto histórico e em uma
vertente tradicional, o campo fora
concebido como espaço de florestas, onde
se desenvolviam atividades de agricultura e
pecuária, porém, com o avançar das
décadas, as atividades passaram por uma
diversificação posta em evidência. Essa
reconfiguração quanto à dinâmica rural e à
complexificação de suas relações se
estende até a escola e, de acordo com Rua
(2005), é nesse processo de reelaboração
de conceitos acerca do campo que se
mostra à cidade que o rural não pode ser
reduzido ao lugar do atraso, a um espaço
estigmatizado, subalternizado, rudimentar.
Justamente para não estigmatizar e
subalternizar o campo e consequentemente
a educação escolar que ocorre é que a
globalização não deve impor uma
padronização e uma uniformização nesse
espaço. De acordo com Molina (2005), a
relação Estado/sociedade inclui a questão
de reorganização do poder pela
globalização e a relação entre construção
de conhecimento, bem como a formulação
de políticas públicas que fortaleçam esse
espaço.
Menezes (1997) avalia os aspectos
relacionados ao campo e à cidade como um
formato derivado de seu tempo histórico.
Destaca que aspectos culturais, de
produção, relação com o mundo do
trabalho, tecnologia e ciência são distintos
entre os sujeitos desses dois espaços
(urbano e rural), e ainda pondera que, ao
final, a avaliação dessa relação é de grande
complexidade. A globalização, através de
ferramentas como as novas tecnologias,
difusão da indústria cultural, dos meios de
comunicação, e atualmente aplicativos e
redes sociais fazem dessa relação um
espaço de exclusão e integração ao mesmo
tempo.
Ao analisar o contexto geral da
educação brasileira e mundial no que diz
respeito à globalização, Charlot (2007)
afirma que a escola, como um todo, foi
afetada, nos últimos tempos, por profundas
mudanças, sendo penalizada com o
enfraquecimento de políticas educacionais,
as quais foram fragmentadas e induzidas a
aderir às questões de profissionalização e à
lógica do mercado. O saber passou a não
ser valorizado como conhecimento, e sim
como capital humano, como se fosse
apenas uma mercadoria, em um contexto
no qual o aprendizado passou a ser
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objetivo e cumulativo, como um banco de
dados e o trabalho científico atrelado e
refém dos interesses transnacionais.
Ao que se refere às imposições
geradas pela globalização, Charlot (2007)
destaca que para que se retome a
cidadania, é necessário criar um
movimento de resistência ao globalismo,
dessa forma, identificando e
compreendendo as contradições que
permeiam não somente as políticas
educacionais, mas também a própria
escola, a sala de aula e o contexto ao qual
estamos vinculados. Para o autor, é preciso
compreender a globalização e a lógica de
mercado, que circula no campo
educacional público ou privado e seus
aspectos culturais:
... globalização é, antes de tudo, um
processo socioeconômico. Todavia,
ela traz também consequências
culturais, através do encontro entre
culturas e do aparecimento e
espalhamento de novas formas de
expressão. Cabe destacar a
miscigenação entre povos devido aos
fenômenos de migração acrescido, a
divulgação mundial de informações e
imagens pela mídia audiovisual e a
internet, a ampla difusão de produtos
culturais, a generalização do uso do
inglês ou de uma língua internacional
baseada nele, em detrimento de
outras línguas. As consequenciais
culturais e até sociocognitivas desses
fenômenos ainda são difíceis de
serem avaliadas, mas não dúvida
de que constituem novos desafios a
serem enfrentados pela escola
(Charlot, 2007, p. 134).
Nesse caminho, globalizar a
Educação do Campo significa formar o
sujeito em um processo que não lhe
pertence. A população do campo que
possui suas próprias formas de aprendizado
e valoriza principalmente os traços
culturais e a relação com a terra tem,
com o passar das gerações, aprimorado
técnicas e evoluído em diversos aspectos,
porém, isso não significa uma redução
cultural e uma homogeneização de sua
identidade, rendida apenas à gica de
mercado e aos processos socioeconômicos
mundiais.
Avaliar ou entender o que realmente
significa globalizar a educação e aqui,
em especial, a Educação do Campo ainda
é um caminho a ser construído. O que não
se deve confundir com aceitação e
estagnação. A luta pela terra e pelo direito
à educação faz parte de um cenário de
resistência e busca por justiça social. Dessa
forma, a escola deve assumir uma postura
política e defender sua pedagogia
diferenciada, e ter a globalização como
aliada pela difusão de sua cultura e
identidade.
Educação do Campo enquanto políticas
de resistência
Embora a discussão acerca da
Educação do Campo esteja presente na
agenda atual, a Lei de 9.394 (1996)
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colocava em pauta essa temática e
reconhece a singularidade desse espaço.
Nos seus artigos 23 e 26, estabelece um
novo marco na Educação do Campo,
reconhecendo tempo e espaço
diferenciados. De acordo com o Ministério
da Educação [MEC] (2013), a Lei de
Diretrizes e Bases de 1996 dispõe, no que
diz respeito à Educação do Campo, sobre:
... a organização da educação básica
em grupos não seriados e por
alternância regular e ao definir que os
currículos, além da base comum,
deverão contar com uma base
diversificada, de acordo com as
características regionais e locais das
redes de ensino. Além disso, os
incisos I, II e III do artigo 28
reforçam a especificidade da
Educação Básica do Campo ao
recomendar que as propostas
pedagógicas dessas escolas
contemplem as necessidades e
interesses dos estudantes do campo,
considerem o calendário da produção
agrícola bem com a natureza do
trabalho no campo (MEC, 2013, p.
4).
Nessa perspectiva, analisando o que
a Lei de Diretrizes e Bases de 1996
apresenta acerca da Educação do Campo, é
possível reconhecer a peculiaridade e a
especificidade desse espaço escolar, pois
elementos primordiais no contexto do
campo estão presentes nela: propostas
pedagógicas e currículo, alteração do
calendário escolar de acordo com o
calendário agrícola, necessidades e
interesses próprios. São esses aspectos que
norteiam as políticas direcionadas para a
Educação do Campo. De acordo com
Marcon (2012):
A história das políticas de educação
do campo revela um paradoxo: de um
lado, um país caracterizado
historicamente como agrícola e que
muito pouco se ocupou com a
educação do campo; de outro, a
preocupação com diretrizes e
políticas de educação do campo,
exatamente num contexto de
expansão da urbanização, de intensa
migração do campo para a cidade e
da nucleação de escolas nas cidades
ou em pequenos povoados. Evidente
que essas políticas não estão isoladas
de um contexto mais amplo de
interesses, disputas políticas e de
transformações da sociedade
brasileira e mundial (Marcon, 2012,
p. 86).
Ainda em um breve recorte da
história, Leite atenta para o seguinte:
... a sociedade brasileira somente
despertou para a educação rural por
ocasião do forte movimento
migratório interno dos anos 1910 -
1920, quando um grande número de
rurícolas deixou o campo em busca
das áreas onde se iniciava um
processo de industrialização mais
amplo (Leite, 1999, p. 28).
Nessa perspectiva, mesmo ainda em
processo de construção histórica, as
Políticas da Educação do Campo têm o
intuito de fortalecer o campo e criar
condições satisfatórias que garantam a
permanência e o êxito dos sujeitos
envolvidos. Além disso, buscam garantir
que o processo de formação nesse espaço
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esteja relacionado com o contexto vivido
pelo camponês. A globalização, que insiste
em adentrar nos diversos espaços sociais,
tenta unificar culturas, homogeneizar a
sociedade e transformar a sociedade em
“padronizada”, desconsiderando suas
próprias histórias e contextos de vida, e é
nas políticas públicas que o campo
encontra uma forma de resistir enquanto
sujeitos sociais.
A criação e a implementação de
Políticas Educacionais destinadas à
Educação do Campo podem ser vistas
como uma estratégia de resistência, que
busca fortalecer a relação do sujeito com
seu tempo e espaço. Atualmente, no
cenário nacional, contamos com algumas
políticas específicas para a Educação do
Campo. Uma delas, vinculada ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário, é
o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera), e outras duas
são vinculadas ao Ministério da Educação,
que são o Programa de Apoio à Formação
Superior em Licenciatura em Educação do
Campo (Procampo) e o Programa Nacional
de Educação do Campo (Pronacampo).
De acordo com Santos e Silva (2016,
p. 137), essas políticas têm o objetivo de
representar “a capacidade de articulação
dos movimentos sociais e apontam a
crescente necessidade de garantir projetos
populares para o campo, cuja organização
tenha como referência a cultura e o
trabalho dos grupos sociais”. Nessa
perspectiva, colocar em prática tais
políticas significa assegurar que, mesmo
com projetos que visem reduzir o campo
ao atraso, a cultura desse povo deve ser
mantida, e é a escola quem alicerça esses
objetivos.
O Pronera surge baseado em uma
proposta que articula e apoia projetos de
educação voltados para o desenvolvimento
das áreas de reforma agrária. De acordo
com o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária [INCRA] (2020), esse
programa destina-se a um público em
específico, composto pelos jovens e
adultos dos projetos de assentamento
criados e reconhecidos pelo Incra,
quilombolas e trabalhadores acampados
cadastrados na autarquia, e beneficiários
do Programa Nacional de Crédito
Fundiário (PNCF)”. Uma das frentes
defendidas pelo Pronera é a
democratização do conhecimento no
campo, pois, através dele, os estudantes
têm acesso a cursos de educação básica
(alfabetização, ensinos fundamental e
médio), técnicos profissionalizantes de
nível médio, cursos superiores e de pós-
graduação (especialização e mestrado). O
Incra salienta, ainda, que o programa se
preocupa com quem está à frente dos
projetos desenvolvidos, portanto, atua
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constantemente na capacitação dos
educadores. Além disso, tem como base a
diversidade cultural e socioterritorial, os
processos de interação e transformação do
campo, a gestão democrática e o avanço
científico e tecnológico (INCRA, 2020).
A partir da experiência iniciada com
o Pronera, outras políticas passaram a ser
elaboradas, sempre na perspectiva do
desenvolvimento do campo a partir de
ações educativas, como o Procampo,
surgido em 2007. Nesse programa,
parcerias são firmadas com as Instituições
Públicas de Ensino Superior, e a grande
centralidade desse programa é a
viabilidade da criação de cursos de
Licenciatura em Educação do Campo que
objetivem promover a formação de
educadores/as, por área de conhecimento,
que possam atuar junto às escolas do
campo na educação básica (Santos & Silva,
2016).
Se faz necessário e importante
compreender que o Procampo é um
programa que reconhece e defende a
necessidade de formação inicial para os
educadores/as que atuam nas escolas do
campo. As questões educacionais em torno
do campo precisam entender que o campo
não é uma extensão da cidade, portanto,
não deve tratar seus educadores, currículo,
identidades, histórias e cultura de forma
padronizada, como de fato o processo de
globalização defende.
Por fim, outra política que contribui
para a ascensão da Educação do Campo é o
Pronacampo, criado em 2012 e que tem um
propósito baseado na oferta de apoio
financeiro e técnico, para tornarem viáveis
todas as políticas públicas do campo. Sobre
o Pronacampo:
Um conjunto de ações articuladas
que asseguram a melhoria do ensino
nas redes existentes, bem como, a
formação dos professores, produção
de material didático específico,
acesso e recuperação da
infraestrutura e qualidade na
educação no campo em todas as
etapas e modalidades (MEC, 2012, p.
04).
Juntos, os três programas contribuem
amplamente no avanço e evolução da
Educação do Campo, que ambos,
enquanto políticas públicas, fortalecem a
relação dos sujeitos com o próprio campo.
A formação ofertada para os educadores do
campo propõe uma educação de qualidade
para os estudantes e uma possibilidade de
reafirmação enquanto camponeses.
A criação e a consolidação de
instituições públicas de ensino superior,
como o caso dos Institutos Federais,
constitui espaços importantes para a
ampliação e a valorização da Educação do
Campo e da identidade dos sujeitos
envolvidos (educandos e educadores),
sujeitos esses historicamente
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marginalizados e abandonados dos
processos educativos formais. Enquanto a
globalização busca a homogeneização
cultural, a Educação do Campo busca a
humanização, a criticidade do pensamento,
o reconhecimento e a tomada de
consciência enquanto seres sociais, com
poder de escolha.
As políticas públicas associadas aos
espaços de ensino possibilitam a
escolarização pública, gratuita e de
qualidade aos sujeitos que vivem no
campo. Nessa perspectiva, manter esses
programas e instituições é uma forma de
garantir a inclusão social desses sujeitos e
também implica manter um diálogo entre
realidade socioeconômica/geográfica,
cultural e ambiental. Contudo, de acordo
com Marcon (2012, p. 101):
Os avanços nas políticas enfrentam
esses desafios ao reconhecer o campo
como um espaço sociocultural com
características próprias, e os
educadores precisam estar bem
preparados para que, conjuntamente
com a disponibilidade de materiais
didático-pedagógicos adequados, seja
possível transformar a escola num
espaço democrático e de cidadania.
Não dúvidas e pode-se apresentar
inúmeras evidências de que houve
significativos avanços nas políticas
públicas, conforme arrolado neste estudo.
No entanto, também é necessário
reconhecer que ainda teremos muitos
desafios a serem enfrentados para dar à
Educação do Campo o lugar que ela
merece na configuração da equidade e da
justiça social.
Considerações finais
Este estudo destacou a importância
das políticas públicas destinadas à
Educação do Campo, baseando-se, para tal,
na relação do processo de globalização na
modernidade com os impactos para a
Escola do Campo e para os sujeitos
envolvidos. Nesse sentido, percebemos
que a Educação do Campo tem papéis que
estão além dos muros escolares. Ela
legitima o papel dos seus sujeitos no
âmbito social, na esfera política,
econômica e cultural. Assim, pensar no
processo de globalização como um aliado
às conquistas do povo camponês implica
um redimensionamento das propostas
impostas pelo conjunto advindo do
mercado.
O que a globalização oferece hoje à
Escola do Campo é uma homogeneidade
ofertada pelo multiculturalismo e pelas
tecnologias, extinguindo e excluindo a
história de luta pela terra e pela educação e
o envolvimento com movimentos sociais e
até a mesmo as tradições e culturas do
camponês. A imposição da padronização, a
objetividade do aprendizado e o
conhecimento científico a trabalho da
transnacionalização são aspectos que
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definitivamente não dialogam com o
campo.
Se espera da globalização que ela
proporcione ao campo, aos educandos e
educadores acesso ao conhecimento, à
evolução, a conhecer novas culturas e
tecnologias, sem perder sua singularidade e
identidade social.
A efetivação da Educação do Campo,
além de ser direito de todos, se por
diferentes vias e práticas sociais. É por
meio dela que se garante a ampliação, a
permanência e o êxito no espaço rural. Por
mais que os processos de globalização
advindos da modernidade atentem para a
tecnologia, a evolução e a expansão do
agronegócio, a homogeneização cultural
que está impregnada com essa demanda
busca extinguir as características do sujeito
do campo. São as iniciativas oriundas das
políticas públicas que se mostram como
forma de resistência frente a essa
exposição.
É necessário que se coloque na
prática um esforço interdisciplinar e
intersetorial para que de fato seja garantida
a integralidade da Educação do Campo e a
prática das políticas educacionais. O
combate à homogeneização cultural
advinda da globalização começa pelo
reconhecimento da presença dos elementos
culturais que interferem diretamente nos
modos de vida dos sujeitos envolvidos. Ao
contrário do que a globalização propõe, os
valores culturais são agentes importantes
no contexto de vida, logo, influenciam
diretamente em seu modo de construir seu
processo formativo. Garantir que a
Educação do Campo não seja minimizada
(ou até extinta) é um dos desafios das
políticas públicas, que consideram a
cultura, as crenças e os valores do sujeito
do campo, integrando o conhecimento
profissional com o popular, superando a
concepção tradicional da verticalização da
educação e do repasse do saber. Sobre isso,
tem razão Abramovay (2000, p. 3), que diz
que não existirão políticas sociais para o
meio rural se a Educação do Campo
permanecer restrita a uma expressão
minguada do que sobra das concentrações
urbanas. A Educação do Campo não pode
ser uma política de compensação para uma
inevitável decadência e pobreza do meio
rural.
Além disso, este artigo contribui para
o fortalecimento e o reconhecimento das
políticas públicas como viabilizadoras da
escolarização pública, gratuita e de
qualidade aos sujeitos que vivem no
campo, tentando garantir a inclusão social,
mantendo o diálogo com a realidade
socioeconômica/geográfica, cultural e
ambiental, sem que a singularidade
camponesa seja abolida.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 25/10/2020
Aprovado em: 29/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Received on October 25th, 2020
Accepted on November 29th, 2020
Published on December, 04th, 2020
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nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Flávia Stefanello
http://orcid.org/0000-0002-5671-0269
Altair Alberto Fávero
http://orcid.org/0000-0002-9187-7283
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Stefanello, F., & Fávero, A. A. (2020). Os impactos da
globalização sobre a Educação do Campo: políticas
públicas de resistência. Rev. Bras. Educ. Camp., 5,
e10846. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10846
ABNT
STEFANELLO, F.; FÁVERO, A. A. Os impactos da
globalização sobre a Educação do Campo: políticas
públicas de resistência. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 5, e10846, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10846