Journal of Biotechnology and Biodiversity | v.8 | n.3 | 2020


Journal of Biotechnology and Biodiversity

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Vivências com os Macuxi da região do baixo São Marcos - Terra Indígena São Marcos (RR)

Sandra Kariny Saldanha de Oliveiraa , Márcia Teixeira Falcão a*



a Universidade Estadual de Roraima, Brasil

* Autor correspondente (marciafalcao.geog@uerr.edu.br )

I N F O A B S T R A C T

Keyworks

ethnoscience ethnicity macuxi

traditional knowledge

Experiences with the Macuxi in the lower São Marcos region - São Marcos Indigenous Territory (RR) Ethnoscientific researches have contributed to the understanding of the traditional knowledge of the peo- ples. This article aims to present information related to the ethno-knowledge of the Macuxi ethnic group (Terra Indígena São Marcos-TISM) - Roraima. Environmental knowledge reveals information about the practices, use and management of natural resources specific to their ethnicity and habitat. Studies of this nature reinforce the importance of traditional communities in the protection of natural resources and bring visibility to traditional ecological knowledge, in spaces of dialogue that make it possible to identify, eval- uate, analyze and monitor the conditions of use, management and sustainability of natural resources in IT. Indigenous communities have a complex and varied knowledge about biodiversity, and in the case of the Macuxi of Baixo São Marcos, especially because they have been little studied in this regard, it is necessary to understand and respect their knowledge and practices in a broader context, as well as informing them of the local strengths and weaknesses. Studies of this nature reinforce the importance of relations between these indigenous communities and biodiversity, valuing and bringing visibility to their ethno- knowledge.

R E S U M O

Palavras- chaves

etnociência etnia macuxi

saberes tradicionais

As pesquisas etnocientíficas têm contribuído para o entendimento dos saberes tradicionais dos povos, o presente artigo tem como objetivo apresentar informações relativas ao etnoconhecimento da etnia macuxi (Terra Indígena São Marcos-TISM) – Roraima. O saber ambiental revela informações sobre as práticas, uso e manejo dos recursos naturais próprios de sua etnia e de seu habitat. Estudos desta natureza reforçam a importância das comunidades tradicionais na proteção dos recursos naturais e trazem visibilidade ao conhecimento ecológico tradicional, em espaços de diálogo que possibilitam identificar, avaliar, analisar e monitorar as condições de uso, manejo e sustentabilidade dos recursos naturais nas TIs. As comunidades indígenas são portadoras de um conhecimento complexo e variado sobre a biodiversidade, e no caso dos Macuxi do Baixo São Marcos, em especial por terem sido ainda pouco estudados neste sentido, é neces- sário compreender e respeitar seus saberes e práticas num contexto mais amplo, assim como informá- los sobre as potencialidades e fragilidades locais. Estudos desta natureza reforçam a importância das relações entre estas comunidades indígenas e a biodiversidade, valorizando e trazendo visibilidade ao etnoconhe- cimento que possuem.

Received 01 March 2020; Received in revised from 10 July 2020; Accepted 21 July 2020

© 2020 Journal of Biotechnology and Biodiversity ISSN: 2179- 4804

DOI: https://doi.org/10.20873/jbb.uft.cemaf.v8n3.oliveira

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INTRODUÇÃO

O etnoconhecimento contribui para a compreen- são dos saberes tradicionais dos povos e dos modos de vida construídos nas inter-relações ser humanos e ambientes (Haverroth, 2013). Esta ciência é com- preendida por meio da investigação do saber- fazer e sobre o uso e manejo dos recursos naturais pelas populações tradicionais.

Sob o ponto de vista cultural, esses estudos mos- tram à visão de mundo e das práticas culturais e simbólicas das chamadas comunidades tradicionais (Diegues, 2000). No caso dos povos indígenas, por questões históricas, culturais e do ambiente onde a maioria reside, essa relação costuma ser mais “es-

treita” com os elementos do meio natural e nas vi- vências construídas nas inter-relações ser humano - ambiente (Haverroth, 2013).

O papel das comunidades indígenas na conser-

vação da biodiversidade é reconhecido em vários acordos internacionais, entre os quais, a Convenção da Diversidade Biológica - CDB e a Agenda 21 (Santilli, 2001). Outra linha de discussões interna- cionais sobre os “conhecimentos tradicionais” que ganhou proporção depois do advento da CDB se deu através da valorização dos povos indígenas

como possuidores de modelos de adaptação ecoló- gica, apoiados no que se convencionou chamar de conhecimento ou saber ecológico tradicional, isto é, o conhecimento que populações locais têm de cada detalhe do seu entorno, do ciclo anual, das es- pécies animais e vegetais, e dos solos (Oliveira, 2012).

As comunidades indígenas representam um grande potencial para proteção, conservação e uso racional de seus recursos naturais, sendo portadoras de um conhecimento complexo e variado sobre a biodiversidade. No campo de saberes tradicionais, ainda que não seja possível a diferentes grupos ex- plicar uma série de fenômenos observados, as ações práticas respondem por um entendimento formu-


lado na experiência das relações com a natureza, in- formando o processo de acumulação de conheci- mento através das gerações (Castro, 2000).

Estudos desta natureza reforçam a importância das comunidades tradicionais na proteção dos re- cursos naturais e trazem visibilidade ao conheci- mento ecológico tradicional, em espaços de diálogo que possibilitam identificar, avaliar, analisar e mo- nitorar as condições de uso, manejo e sustentabili- dade dos recursos naturais nas TIs.

Neste sentido, as comunidades locais vêm de- senvolvendo sistemas próprios de classificação e manejo de espécies vegetais, resultantes do acú- mulo de conhecimento prático ao longo do tempo, possibilitando suprir suas necessidades (Strachul- ski e Floriani, 2013).

No âmbito dos trabalhos realizados na região

Amazônica, na interface entre natureza/cultura, essa característica continua relativamente mar- cante: praticamente, todo o cotidiano de uma aldeia

indígena gira em torno do manejo de recursos natu- rais ou cultivo de plantas, no caso dos povos indí- genas, por questões históricas, culturais e do ambi- ente onde a maioria desses povos vive, essa relação costuma ser mais estreita (Haverroth, 2013).

Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo apresentar informações sobre as práticas , uso e manejo dos recursos naturais relacionados ao etnoconhecimento ddo povo Macuxi que habita a terra indígena São Marcos- TISM.

MATERIAL E MÉTODOS

Localização da área de estudo

A TISM está no Brasil, estado de Roraima e faz fronteira com a Venezuela. Pela divisão territorial brasileira está entre os municípios de Pacaraima e Boa Vista. Limita-se também com outras terras in- dígenas: Raposa Serra do Sol, Anaro, Ouro e Ponta da Serra (Manduca et al., 2009) (Figura 1).

Figura 1 - Mapa do Estado de Roraima, Locali- zação das Terras Indígenas e da Reserva São Marcos.

A TISM foi demarcada e homologada pelo De- creto nº 312 de 29 de outubro de 1991, possui área total de 654.110 hectares (Instituto Socioambiental - ISA, 2010), 43 comunidades distribuídas em três etnias: Macuxi, Taurepang (ambas de filiação lin- guística Karib) e Wapixana (de filiação linguística Aruak). Estas vivem em três regiões: Alto, Médio e Baixo São Marcos, são constituídas basicamente pelas etnias Macuxi e Taurepang (de filiação lin- guística Karib) e Wapixana (de filiação linguística Aruak). Na região do Baixo São Marcos estão situ- adas as comunidades alvo deste estudo, onde pre- domina a etnia Macuxi: Vista Alegre, fundada em

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1956 (60 anos) e Darora, em 1961 (55 anos) pos- suem uma população de 620 e 184 habitantes, res-


pectivamente. A etnia Macuxi predomina em am- bas as comunidades (Figura 2).

Figura 2 - Localização das comunidades foco deste estudo (Oliveira, 2016).

A vegetação da TISM é caracterizada pela pre- sença de floresta ombrófila e lavrado, denominação local para savana (Figura 3). As savanas roraimen- ses, conhecidas regionalmente como lavrado (Bar- bosa e Miranda, 2005) se constituem como as mai- ores áreas de savanas da Amazônia brasileira, fa- zendo parte do complexo paisagístico “Rio Branco - Rupununi”, que se estende para a Guiana e Vene- zuela (Barbosa e Miranda, 2005; Barbosa et al., 2007). Inventários fitofisionômicos realizados em diferentes áreas de savanas brasileiras têm apon-

tado uma distância florística das localizadas na Amazônia, com especial destaque para Roraima, onde as mesmas são isoladas e pobres em espécies vegetais arbóreas (Barbosa e Miranda, 2005). O la- vrado, ambiente predominante nas comunidades estudadas, geralmente apresenta relevo plano (60 - 160m), podendo apresentar pequenas ondulações, entremeadas por veredas de buritis e lagoas, parcial ou totalmente drenadas por igarapés (Santos et al., 2013). É dominado por duas categorias fisionômi- cas, que são as áreas abertas (não florestal) e flores- tal. Os ambientes não-florestais são as savanas ver- dadeiras, cobrindo cerca de 70% da região, e agru- pando todos os sistemas não-florestais, sendo estes constituídos por matas estacionais, ombrófilas e de contato (ecótonos) (Barbosa e Miranda, 2005; Campos et al., 2008). As principais espécies domi-

nantes no lavrado roraimense são o caimbé ( Cura- tella americana), murici (Byrsonima crassifolia ), sucuba (Himatanthus articulatus) e paricarana (Bowdichia virgilioides) (Barbosa e Miranda, 2005). O conhecimento científico das relações et- noambientais, ecológicas e produtivas deste macro ecossistema regional (Barbosa et al., 2005), aliado aos conhecimentos tradicionais destes povos se complementam para o aproveitamento racional das áreas de savana de Roraima.

O clima dos lavrados é o tropical monçônico do tipo Awi (tropical úmido sem estação fria), com al- tas temperaturas médias durante o ano e estação seca acentuada com pico entre dezembro e março e a chuvosa entre maio e agosto (Barbosa e Miranda, 2005). A temperatura média mensal é praticamente constante ao longo do ano (27,8 ± 0,6ºC), não vari- ando além de 5ºC entre as médias das máximas e mínimas (Santos et al, 2013).

No Estado de Roraima, foco deste estudo, atual- mente habitam nove etnias indígenas: Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Waimiri- Atroari, Wapixana, Waiwaí, Yanomami, Ye'kuana, a filia- ção linguística se apresenta em três famílias lin- guísticas: Aruak (Wapichana), Karib (Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Ye’kuana, Sapará, Wai Wai, Waimiri Atroari e Patamona) e Yanomami. Algu- mas destas etnias estão nas áreas de savanas, seus

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falantes entendem-se com muita facilidade, indi- cando que tais grupos falariam dialetos de uma mesma língua comum, a “língua Pemon/Kapon”, originada da língua Karib. Pemon é o termo usado pelos macuxi e taurepang para se auto denomina- rem, Kapon é a autodenominação dos Ingarikó e dos Patamona (Miller et al, 2008). Os indígenas macuxi são habitantes da região fronteiriça entre a

República Bolivariana da Venezuela e República Cooperativa da Guiana, entre as cabeceiras dos rios branco e Rupununi, em território politicamente par- tilhado entre Brasil e Guiana O contingente m ais expressivo da população Macuxi encontra-se em maior número de comunidades nas terras indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos (Santilli, 1997).

Figura 3 - Mapa da vegetação da área de estudo (verde - floresta; amarelo claro - savana/lavrado roraimense) (Barbosa et al., 2007).


Métodos Participativos

A pesquisa envolver autorizações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) (nº 820.111), do Comitê de Ética em pesquisa da Uni- versidade Federal de Roraima (CEP/UFRR) pare- cer (nº 953.257), do Instituto do Patrimônio Histó- rico e Artístico Nacional - IPHAN (nº 09/2014) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) process o nº 68/AAEP/PRES/2014.

A realização da pesquisa nas comunidades indí- genas ocorreu mediante reuniões nas comunidades indígenas para expor o planejamento (Finalidade e importância da pesquisa, o que será pesquisado, como será pesquisado, período de estudo, resulta- dos e impacto da pesquisa), após a explanação foi

pedido autorização por escrito no Termo de Anuên- cia Prévia (TAP).

Assim, o dossiê contendo o projeto de pesquisa, o TAP e os relatórios das reuniões foram encami- nhados ao IPHAN, então responsável pela autoriza- ção de pesquisa com acesso ao conhecimento tradi- cional associado à biodiversidade para fins de pes- quisa científica e sem acesso ao patrimônio gené- tico. O projeto foi ao mesmo tempo encaminhado à FUNAI, solicitando autorização de ingresso e pes- quisa na área indígena. Esta última autorização foi subsidiada pelo parecer de mérito científico do CNPQ.

O projeto foi ainda cadastrado na Plataforma Brasil, base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos, para apreci- ação do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa

(CONEP) e Comitê de ética em pesquisa com seres

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humanos (CEP).

Conforme instruções do CEP, CONEP e Resolu- ção 466/12 para pesquisas com seres humanos, to- dos os interlocutores entrevistados na execução da pesquisa assinaram em duas vias o termo de con- sentimento livre e esclarecido (TCLE). Na leitura do TCLE a pesquisadora explicava os objetivos da pesquisa, da abordagem metodológica, do conteúdo das perguntas, os possíveis desconfortos e benefí- cios oriundos deste trabalho. Ao autorizar a realiza- ção da entrevista, a coleta de dados foi iniciada e cada indígena assinava o TCLE concordando, com a divulgação dos dados e das informações.

Os métodos utilizados na pesquisa foram quali- tativos devido à importância destes para compreen- der os fenômenos estudados a partir da perspectiva de conhecimento dos sujeitos pesquisados (indíge- nas). Esse procedimento depreendeu de um pro- cesso de reflexão sobre os modelos produtivos e costumes, como parte do pressuposto que cada su- jeito social conhece de forma peculiar a sua reali- dade, as estruturas e as relações (Minayo, 2000). Por isto, a metodologia abordou a pesquisa- partici- pante, do tipo descritiva, onde todos os objetivos foram planejados, avaliados e executados com os sujeitos envolvidos, na perspectiva de integrar o sa- ber popular e o saber acadêmico. No processo in- vestigativo preliminar, foram realizadas visitas mensais nas comunidades, com o acompanhamento do informante em cada uma delas, o que permitiu uma aproximação com os indígenas, através da téc- nica da observação participante. A utilização des- tas e de outras técnicas, como a escolha de infor- mantes chaves ou especialistas locais, correspon- dem a indivíduos portadores de verdadeiros conhe- cimentos acerca do fenômeno. A realização da ob-

servação participante permite contato direto entre o

pesquisador e o fenômeno estudado, de modo a per- mitir a captação de uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de per- guntas (Albuquerque et al., 2010). As conduções iniciais das entrevistas são livres (abertas ou não - estruturadas), onde o informante aborda livremente o tema proposto e discursa livremente sobre seu modo de vida, tornando-se estruturadas à medida que os fenômenos vão sendo abordados (Cortez, 2010).

Para entender a realidade dos sujeitos, o diário de campo foi utilizado na tentativa de auxiliar a in- terpretação dos dados, o que permite ao pesquisa- dor apresentar suas idéias, observações e concep- ções sobre objetos, mundo, fenômenos e aconteci- mentos nas comunidades indígenas pesquisadas, a partir da observação participante. A observação participante é a melhor maneira para se assegurar de que os dados coletados refletem de fato o ponto de vista do grupo pesquisado, além de compreender

os contextos em que se dão os processos est udados (Amorozo e Viertler, 2010).

Na composição da amostra para a seleção de in- formantes foi utilizada a chamada "bola de neve" (snow ball) conforme Albuquerque et al. (2010), é um procedimento utilizado para a seleção intencio- nal na qual, a partir do contato inicial com a comu- nidade, um primeiro especialista é reconhecido, ou seja, os informantes envolvidos são selecionados a partir de indicações feitas pelos entrevistados da comunidade, e este passa a indicar outro especia- lista, e assim sucessivamente, até envolver todos os especialistas da comunidade conforme interesse e disponibilidade dos inquiridos, pois o objetivo é fa- zer o levantamento dos saberes construídos, das práticas, da oralidade, que expressa os valores cul- turais da comunidade local (Albuquerque et al., 2010).

A questão do retorno da pesquisa às comunida- des indígenas foi realizada em diversos momentos diante do interesse das comunidades em cursos/mi- nicursos, oficinas e palestras certificados pela Uni- versidade Estadual e Federal de Roraima. A contri- buição da pesquisa às populações da TISM ocorreu nos cursos, elaboração do livro didático infantil, projetos escolares, procedimentos teórico- metodo- lógicos do planejamento escolar para professores indígenas do Baixo São Marcos/RR, etnomapea- mento comunitário, entre outros temas e atividades indiretamente associados à presente investigação. Todas as atividades foram realizadas em ambas co- munidades, e integram o retorno comprometido da pesquisadora.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No Baixo São Marcos, localização do estudo, o lavrado (savana) é o ecossistema dominante, usado como fonte de recursos e como áreas de cultivo agrícola pelos indígenas do lavrado. “O aproveita- mento racional das áreas de savana de Roraima passa, sem dúvida, pelo amplo conhecimento cien- tífico das relações etnoambientais, ecológicas e produtivas deste macroecossistema regional” (Bar- bosa e Miranda 2005 p.63).

Aconservação dos ecossistemas locais e dos sis- temas tradicionais de produção de alimentos contri- bui para a manutenção de uma vida saudável das comunidades indígenas (Pedreira et al., 2013).

A agricultura praticada é de subsistência e co- mercial, em cada comunidade existe uma associa- ção de agricultores que comercializa os produtos advindos do trabalho dos associados. Vale salientar que esta área é marcada por desafios ecológicos, pois o lavrado representa um universo de recursos

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mínimos, o que exigiu dos indígenas engenhosas soluções, em termos de experiência e praticidade na infinita relação cultura versus natureza, condição que lhes garante sobreviver com um mínimo de re- cursos disponibilizados pelo meio (Costa e Souza, 2005). A mandioca e o feijão formam a base ali- mentar das comunidades e são os principais ele- mentos de suas plantações, sendo a farinha de man- dioca o alimento básico de toda a população.

A pesca e a caça dão fontes de proteína e tem grande relevância nutricional na dieta das comuni- dades, visto que um dos pratos típicos nas duas co- munidades indígenas, é a base de peixe cozido e pi- menta, iguaria conhecida como damurida.

Os povos indígenas que vivem em áreas de la- vrado em Roraima são agricultores, pescadores, ca- çadores e coletores, com um vasto conhecimento acumulado sobre o ambiente e sobre técnicas tradi-

cionalmente utilizadas (Oliveira et al., 2005). A

conservação dos ecossistemas locais e dos sistemas tradicionais de produção de alimentos contribui para a manutenção de uma vida saudável das comu- nidades indígenas (Pedreira et al., 2013), onde o componente vegetal e a cultura local constituem um sistema coexistente de conhecimentos acerca da re- lação população humana e planta (Guarim Neto e Carniello, 2007).

A organização das comunidades ocorre da se- guinte forma: Tuxaua (líder), segundo tuxaua que representa o primeiro e atua na realização dos tra- balhos comunitários tais como reuniões, resoluções de problemas e conflitos e trabalhos coletivos. Os tuxauas contam ainda com os capatazes que auxi- liam nos trabalhos na comunidade. As comunida- des indígenas e todos os povos indígenas da TISM

estão filiados à Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos (APITSM), que apresenta dois

postos de representação: comunidade Surumu, mu- nicípio de Pacaraima (RR), e balsa do passarão, município de Boa Vista-RR, são membros todos os

indígenas da TISM que estejam empenhados na

luta do movimento indígena na defesa de seus ter- ritórios.

AAPITSM tem como uma das finalidades: “pro- mover integração a outras entidades ligadas a ações indígenas na defesa do território Indígena da Re- gião São Marcos e do seu meio ambiente, visando à geração e transferência de conhecimentos, tecno- logias de preservação e intercâmbio de programas e projetos indígenas, principalmente no que tange à flora, fauna e recursos hídricos” (APITSM, Art. 2º, inciso II).

A APITSM é formada por uma coordenação ge- ral, com mandato de três anos, concorrem até dois candidatos ao cargo de coordenador e vice- coorde- nador que são indicados por cada região da TISM,

onde são escolhidos em reunião do conselho deli- berativo, coordenação geral e conselho fiscal, para assim serem enviados os seus nomes às comunida- des para que votem nos candidatos de sua preferên- cia, sendo os votos apurados na assembleia geral. Dessa forma, no conhecimento prático humano (tradicional ou local) existem informações detalha- das de caráter taxonômico sobre paisagens, vegeta- ção, processos biológicos e ecológicos, fenômenos de recuperação de ecossistemas ou de manejo da paisagem, não se restringindo aos aspectos estrutu- rais da natureza, ou que se refere a dimensões dinâ- micas (de padrões e processos), relacionais (ligados as relações entre os elementos e os eventos natu- rais) e utilitárias dos objetos e recursos naturais (Toledo e Barrera-Bassols, 2009).

CONCLUSÕES

As comunidades indígenas são portadoras de um conhecimento complexo e variado sobre a biodiver- sidade, e no caso dos Macuxi do Baixo São Marcos, em especial por terem sido ainda pouco estudados neste sentido, é necessário compreender e respeitar seus saberes e práticas num contexto mais amplo, assim como informá-los sobre as potencialidade e fragilidades locais. Estudos desta natureza refor- çam a importância das relações entre estas comuni- dades indígenas e a biodiversidade, valorizando e trazendo visibilidade ao etnoconhecimento. Ade- mais, se configura como um aporte à manutenção e valorização de suas tradições. Para tanto, há de se envolver os próprios indígenas na documentação desses saberes.

AGRADECIMENTOS

Ao povo Macuxi em especial as comunid ades Darora e Vista Alegre.

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