Journal of Biotechnology and Biodiversity | v.7 | n.4 | 2019


Journal of Biotechnology and Biodiversity

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Resultados preliminares do manejo integrado do fogo nas terras indígenas Paresi

Ananda Santa Rosaa*, Raquel Antunes Daldeganb, Ruth Elias de Paula Laranjaa, Rafael Rodrigues da Franca a

a Universidade de Brasília (UnB), Brasil

b Universidade de Porto (UP), Portugal

* Autor correspondente (ananda.andrade@aluno.unb.br )

I N F O A B S T R A C T

Keyworks

fire regime

vegetation damage active fire

management

Preliminary results of the integrated fire management in Paresi indigenous lands

Integrated fire management considers local practices, ecological and scientific information, and institu- tional management to conserve biodiversity, reduce the prevalence of uncontrolled fire, and protect fire - sensitive vegetation. In indigenous lands, management is administered through Forest Brigades Program, which is supported by the Technical Cooperation Agreement between the Brazilian Institute of Environ- ment and Renewable Natural Resources and the National Indian Foundation. There are still few evalua- tions on the implementation of this paradigm in Indigenous Lands focusing on the fire regime and the damage caused in the plant species, considering the periods of the fire treatment. Therefore, the objective of this work was to evaluate the first results of the integrated fire management in the Juininha, Paresi and Utiariti, Indigenous Lands, all occupied by the indigenous Paresi people and is located in the state of Mato Grosso, by analyzing, in 2016 to 2018, the phytophysiognomies affected by burning, of vegetation damage caused by fire, and seasonal distribution of the active fire data from 2016 to 2018. The results showed that burns on indigenous lands were shifted to the early fire season and that most of the evaluated species did not have damage caused by the burns of both periods. When with some impact level, this was higher in the period of early fire. Therefore, it was concluded that although burns are shifted to the early fire period, the prescribed burn techniques do not cover the frequency and history of the surfaces hit to consider a mosaic approach beyond the reduction of major events in the modal-late fire season.

R E S U M O

Palavras- chaves

regime de queima danos à vegetação fogo ativo

manejo participativo

O manejo integrado do fogo considera as práticas locais, as informações ecológicas e científicas e o ma- nejo institucional para conservar a biodiversidade, reduzir a prevalência de incêndios florestais e proteger a vegetação sensível ao fogo. Nas terras indígenas, a gestão do manejo ocorre por meio do Programa de Brigadas Florestais, que é respaldado pelo Acordo de Cooperação Técnica entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e pela Fundação Nacional do Índio. Ainda são es- cassas avaliações sobre a implementação deste paradigma em Terras Indígenas com enfoque ao regime de queima e aos danos causados em espécies vegetais, considerando os períodos de tratamento de fogo. Por isto, o objetivo deste trabalho foi avaliar os primeiros resultados do manejo integrado do fogo nas terras indígenas Juininha, Paresi e Utiariti, todos ocupadas pelo povo indígena Paresi e localizadas no estado do Mato Grosso, por meio da análise das fitofisionomias afetadas pelas queimas, dos danos na vegetação causadas pelo fogo e pela distribuição sazonal do dado de fogo ativo, nos anos de 2016 a 2018. Os resultados apresentaram que as queimas nas terras indígenas foram deslocadas para a estação do fogo precoce e que a maioria das espécies avaliadas não tiveram danos causados pelas queimas de ambos os períodos. Quando com algum nível de impacto, este foi mais elevado no período de fogo precoce. Por isto, concluiu-se que apesar das queimas estarem deslocadas para o período de fogo precoce, as técnicas de queimas prescritas não abrangem a frequência e histórico das superfícies atingidas para considerar uma abordagem de mosaicos além da redução dos grandes eventos na estação de fogo modal- tardio.

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INTRODUÇÃO

As queimadas naturais favoreceram a atual con- figuração do Cerrado (Ramos-Neto & Pivello, 2000; Bownman et al., 2009) com fitofisionomias savânicas e campestres propensas a passagem do fogo quando, em muitos casos, relacionadas a um regime de queima natural que ocorre nos meses da estação chuvosa e de transição (Sato & Miranda, 1996). Em razão do aumento da frequência e da re- corrência das queimadas na estação seca (Batista et al., 2018), o padrão do fogo foi modificado (Pausas et al., 2004), bem como a resposta dos ecossistemas do Bioma. O motivo desta mudança é relacionado

com a preponderância de um fogo antrópico ao na- tural. Como prova, estima-se que nos anos de 1900 a 2000, 86% das queimadas originadas em Savanas são relacionadas com atividades antrópicas (Moui- llot & Field, 2005) .

Para mitigar estes eventos, o Brasil adotou polí- ticas proibitivas ao uso do fogo (Falleiro et al., 2016), sendo permitido apenas com uma licença ambiental específica ou para subsistência pelos po- vos indígenas ou se descrito no plano de manejo da unidade de conservação (Brasil, 2012). Apesar disto, as operações de combate aos incêndios con- tinuam recorrentes, sendo gastos pelo poder pú- blico valores milionários para extingui-los em uni- dades de conservação e terras indígenas, conforme detalhamento das operações na plataforma Ciman Virtual (Centro Integrado Multiagências de Coor- denação Operacional Nacional (Ciman), [2019]). Aimplementação do Projeto de Prevenção, Con- trole e Monitoramento de Queimadas Irregulares e Incêndios Florestais no Cerrado (Projeto Ce rrado Jalapão), em 2012, como parte da Iniciativa Inter-

nacional para a Proteção do Clima (IKI) e da coo- peração bilateral entre Brasil e Alemanha, foi um marco para reduzir estes sinistros, aprimorar as me- todologias de monitoramento e de atividades de campo e romper paradigmas sobre o uso do fogo

por meio do programa piloto do manejo integrado do fogo (MIF) (Ministério do Meio Ambiente

(MMA), [2017?]). Para cumprir estes escopos, um dos propósitos do Projeto foi incluir a realização de

queimas prescritas no início da estação seca (Sch- midt et al., 2016). Outros foram de considerar prá- ticas locais, informações ecológicas, opções de ges- tão, criar mosaicos de paisagem de diferentes his- tórias de fogo, conservar a biodiversidade, reduzir a prevalência de incêndios florestais no período tar- dio, proteger a vegetação sensível ao fogo e reduzir os conflitos com os povos tradicionais (Myers, 2006; Schmidt et al., 2018).

No âmbito das Terras Indígenas (TIs), a gestão do MIF ocorre por meio do Programa de Brigadas

Federal (PBRIF), que é respaldado pelo Acordo de Cooperação Técnica (Fundação Nacional do Índio

(Funai), 2013) entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por meio do Centro Nacional de Preven- ção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), e a Fundação Nacional do Índio (Funai). Por ele, a principal forma de envolvimento dos indígenas é com a contratação temporária destes como briga- distas, cuja celebração é aprovada pelo poder pú- blico. E.g.: autorizações referentes a 2019 (Minis- tério do Meio Ambiente (MMA), 2019); (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Natu- rais Renováveis (Ibama), 2019). Outra forma é pela consulta, em especial com lideranças, anciões e mulheres, para entender o uso econômico e cultural do fogo e para identificar as práticas de queimadas tradicionais, de forma a subsidiar as estratégias do manejo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), 2019). Estas atividades são baseadas nos saberes acumulados de geração em geração sobre a biodiversidade local e a resposta desta em relação ao emprego do fogo. Estudos que corroboram e validam estas técnicas já são expressivos para unidades de conservação (ex. Schmidt et al. (2018), Borges et al. (2016) e Barradas (2017)). Para as terras indígenas, ainda são escassos, salvo o paper de Falleiro et al. (2016) que não considera o regime de queima e o impacto sobre a vegetação. Considerações da atuação da gestão pública e do MIF são importantes para ana- lisar a continuidade das atividades que são realiza- das para prevenir e combater incêndios em territó- rios tradicionais. Desta forma, o objetivo deste tra- balho foi avaliar os primeiros resultados do manejo integrado do fogo nas terras indígenas Juininha, Pa- resi e Utiariti, todos ocupadas pelo povo indígena Paresi, nos anos de 2016 a 2018, por meio da aná- lise das fitofisionomias afetadas, dos danos à vege- tação causadas pelo fogo e pela distribuição sazonal do dado de fogo ativo.

MATERIAL E MÉTODOS

As áreas de estudo

As TIs Paresi, Juininha e Utiariti são habitadas por aproximadamente 1400 indígenas do povo Pa- resi (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2010). Juntas, as três terras superam pouco mais de 1 milhão de hectares e estão situadas no oeste do estado do Mato Grosso. A maior propor- ção do território é composta por vegetação nativa, porém há usos para criação de gado, culturas de subsistência e produção econômica dos indígenas (Figura 1).

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Figura 1 - Localização e principais tipos de vegetação e uso das terras indígenas Juininha, Paresi e Utiariti. As classificações da legenda, bem como a nomenclatura, são oriundas do mapa de 2018 do Projeto MapBiomas (2019).

Oregime de chuvas na região é caracterizado por ser do tipo bimodal (Figura 2), sendo o primeiro pe- ríodo de ocorrência nos meses de janeiro a abril e o

segundo de outubro a dezembro. Os meses mais se- cos, portanto, intercorre de maio a setembro.

Figura 2 - Climatologia de precipitação da região. Esta climatologia de precipitação foi considerada a partir da média mensal dos dados registrados de 1983 a 2018 de uma estação pluviométrica locali- zada no centro da TI Utiariti (estação Bacaval - código 1358001). Os dados estão disponíveis para download na plataforma Hidroweb (da Agência Nacional de Águas (ANA), [2019]).


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Impactos socioambientais e culturais também são recorrentes nas áreas, como a contaminação por agrotóxicos (Soares et al., 2017) e pelas queimadas (Daldegan et al., 2019). Ainda que os indígenas fa- çam uso tradicional do fogo (Prevfogo, 2019), a in- cidência das queimadas no período de estiagem é uma fonte de preocupação para os órgãos ambien- tais. Por isto, desde 2013 a região é contemplada pelo Programa de Brigadas Federal. A partir de 2016, houve a implementação do MIF com aloca- ção de recursos e agentes especializados para reali- zação de consultas aos indígenas e queimas prescri- tas de abril a junho.

Análise dos Dados

Regime das queimas e vegetação afetada

Os fogos ativos registrados nos anos de 2016 a 2018, pelo satélite VIIRS, coleção 01 (Schroeder et al., 2014), foram utilizadas para avaliar a variabili- dade do fogo a partir do quantitativo total detectado por ano e nos períodos de tratamentos intra- anuais que são relacionados com as estações de chuva e seca: de fogo precoce (janeiro a junho e outubro a dezembro) e de fogo modal-tardio (compreendendo

os meses de julho a setembro).

Para a identificação das fitofisionomias atingi- das nestes períodos, foram utilizados os mapas, de resolução de 30 m, dos anos de 2016, 2017 e 2018, do Projeto MapBiomas (Projeto Mapbiomas, 2019). Os mapas foram reamostrados para a mesma resolução espacial do dado de fogo ativo, 375 m, através do método de pixels majoritários. Este pro- cedimento permitiu, embora diminua a resolução espacial dos mapas de vegetação, o uso simultâneo de dados obtidos de diferentes sensores e resolu- ções espaciais.

Análise do impacto da vegetação pós fogo

Os dados de avaliação dos danos à vegetação pós queima foram obtidos com o Prevfogo/Ibama e di- vididos conforme períodos de tratamento. As ava- liações foram realizadas em agosto e setembro de 2018 e inventariadas por brigadistas contratados, capacitados e habilitados metodologicamente para identificar e qualificar visualmente o impacto cau- sado pelo fogo às espécies arbóreas adultas do Cer- rado stricto sensu que são compreendidas pelo Pre- vfogo/Ibama de importância econômica e alimentar ao povo Paresi (Tabela 1).

Tabela 1 - Espécies vegetais avaliadas pós fogo em atividades de campo.

Família

Nome científico

Nome popular

Nome Paresi

Total de indivíduos avaliados

Apocynaceae Hancornia speciosa Mangaba Kathyola 1. 722

Malpighiaceae Brysonima sp. Murici Fare 1. 016

Caryocaraceae Caryocar brasiliense Pequi Kani 1. 726

Sapotaceae

Pouteria ramiflora Pouteria torta

Curiola ou Veadeira

Amarelinho, Guapeba ou Abiú do cerrado

Koma Manakata

3. 613 3. 024

Do banco disponibilizado, para os anos de 2016 a 2018, foram avaliados 11101 indivíduos, em 51 áreas (Figura 3), que não fazem parte de trat amen- tos de pesquisa e foram identificadas aleatoria- mente com subsídio dos dados de fogo ativo dos

satélites AQUA, TERRA e VIIRS do Banco Fire Information for Resource Management System (National Aeronautics and Space Administration (NASA), [2019]).

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Figura 3 - Áreas onde ocorreram avaliação das queimadas. Estas não fazem parte de tratamento de pesquisa e foram identificadas aleatoriamente com o apoio de dados de fogo ativo.

Durante as avaliações, os danos foram classifi- cados conforme percentual do perecimento das co- pas das árvores, dos caules, das flores e dos frutos relacionados a passagem do fogo (Tabela 2).

Tabela 2 - Classificação dos danos conforme pere- cimento da árvore.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O padrão das queimadas pós implementação do MIF

O fogo nas terras indígenas teve uma mudança na temporalidade das ocorrências: as detecções fo-

Dano

Muito baixo Baixo Médio Alto Muito alto

Morte total da planta

Porcentagem 0 a 20

21 a 40 41 a 60 61 a 80 81 a 99 100

ram antecipadas para a temporada de fogo precoce (Figura 4). Partindo de 2016, quando grande parte dos fogos ativos detectados foram na estação de fogo modal-tardio, 53% do total do ano, houve um

incremento anual da proporção das detecções rela- cionadas às queimas prescritas e uma diminuição proporcional das ocorrências detectadas no período mais seco e crítico do ano (fogo modal- tardio).

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Figura 4 - Porcentagem anual de detecções de fogo ativo nos períodos MIF e estiagem.

Em relação às detecções mensais, estas foram concentradas de maio e junho, justamente nos me- ses de realização de queimas prescritas (Figura 5).

Durante o período modal-tardio, no entanto, ainda persistiram detecções significativas.

Figura 5 - Total de fogos ativos mensais, por ano. A quantidade total de focos detectados em 2016, 2017 e 2018 foram, respectivamente, 2672, 1485 e 1723.


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Quanto as fitofisionomias atingidas, o predomínio foi em vegetações propensas ao fogo- formações

savânicas e campestres - para todos os anos e trata- mentos. Nas formações florestais a proporção de áreas afetadas foi bastante reduzida (Tabela 3 ).

Tabela 3 - Porcentagem de detecção de fogos ativos por ecossistemas vegetais sensíveis (formações florestais) e propensos (formações savânicas e campestres) ao fogo.

Ano

Período

Formação florestal (%)

Formações savânicas e campestres (%)

2016

Fogo precoce modal- tardio

0,41 2,33

99,59 97,67

2017

Fogo precoce Fogo modal- tardio

1,65 1,74

98,35 98,26

2018

Fogo precoce Fogo modal- tardio

0,49 2,02

99,51 97,98

Convém mencionar que não há base teórica e empírica para queima de florestas com a finalidade de proteção, uma vez que são sensíveis ao fogo (Myers, 2006). Além disso, apesar dos baixos valo- res registrados, estes podem estar relacionados a re- amostragem dos mapas do Projeto MapBiomas (2019), um erro de decisão de manejo ou uma me- dida extremada para proteção de vastas áreas de in- cêndios. As queimas prescritas também podem ter sido baseadas nas práticas de manejo indígenas, guiadas pela cultura, economia ou entendimentos dos ciclos e do regime do fogo que não coadunam

com o entendimento ecológico atual.

Danos às espécies arbóreas

A maioria das espécies avaliadas não foram im- pactadas diretamente pelo fogo para ambos os perí- odos; entretanto, quando com algum nível de dege- neração, há sobreposição entre as distribuições de dano entre as queimas precoces e modal- tardia (perceptível pelas barras de erros das figuras 6, 7, 8 e 9) e são discretamente mais elevados no período de fogo precoce.


Figura 6 - Porcentagem dos danos de Caryocar brasiliense para as avaliações das áreas queimadas nos períodos de tratamento fogo precoce e fogo modal- tardio.

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Figura 7 - Porcentagem dos danos de Hancornia speciosa para as avaliações das áreas queimadas nos períodos de tratamento do fogo precoce e fogo modal- tardio.

Figura 8 - Porcentagem dos danos de Pouteria ramiflora para as avaliações das áreas queimadas nos períodos de tratamento do fogo precoce e fogo modal- tardio.


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Figura 9 - Porcentagem dos danos de Pouteria torta para as avaliações das áreas queimadas nos perí- odos de tratamento do MIF e da estiagem.

Considerando trabalhos de Schmidt et al. (2016), Miranda et al. (2009) e Mistry et al. (2010), era es- perado que os danos fossem menos severos no pe- ríodo de fogo precoce comparado com os resulta- dos dos danos no período modal-tardio. Por isso, três pressupostos foram provocados para explicar este resultado: a primeira sobre a delimitação das áreas pelos agentes para a prescrição do fogo, rele- vando primariamente as áreas com a maior quanti- dade de matéria orgânica seca sem considerar a reincidência do fogo. A recorrência contínua das queimadas altera esta relação a partir de um se- gundo incidente, podendo refletir, geralmente em 10 anos, um grau de impacto de uma queimada do período de estiagem, mesmo que este fogo recor- rente tenha sempre tratamento no período de fogo precoce (Sato, 2003).

A segunda é em relação a determinação da área sem prévia avaliação do tipo de queimada em ano pregresso. Possivelmente alguns danos podem ter sido agravados pela nova queima ou simplesmente oriundos de um evento antigo. A terceira é relativa a quantidade de espécies avaliadas e a metodologia empregada pelo Prevfogo para analisar danos em espécies arbóreas, vista a riqueza das comunidades em cada fitofisionomia e do emprego habitual de

parcelas experimentais para tal finalidade (e.g.: Costa & Rodrigues, 2015; Schmidt et al., 2016; Montenegro, 2019; Santana et al., 2019).

O MIF é a resposta para reduzir os incêndios florestais e o impacto à biodiversidade nas Tis Paresi ?

O manejo do fogo com os povos indígenas reo- rientou as políticas nacionais do fogo em consonân- cia com o uso local e tradicional, a partir da dicoto- mia do fogo "bom", com base no conhecimento tra- dicional e aplicado com apoio de agentes especiali- zados; e "ruim", sem elo com o conhecimento dos povos indígenas, descontrolado, de alta intensidade que provoca mortalidade de espécies da fauna e flora. Produzir o “fogo bom” requer condição e co- nhecimento antropológico sobre o povo em ques- tão, em especial sobre a relação destes com os seus territórios. Isto vai muito além do entendimento ex- clusivo e restritivo sobre o uso da biodiversidade por estes povos (Ghosh &Sahoo, 2011). Para além, este know-how também pode ser incompreendido ou erroneamente interpretado, já que usualmente existe uma ligação espiritual, religiosa e cultural considerados, em alguns casos, como elementos

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não científicos (Mercer et al., 2007). E.g.: Mistry et al. (2016) ao compreenderem o uso do fogo na terra indígena Xerente, estado do Tocantins, diagnosti- caram que diferentes formas de plantio e uso do fogo estão atribuídas às fases da lua, descoincidente da metodologia de queimadas do agronegócio. Outra reflexão indispensável é a validação das técnicas de avaliação de danos a vegetação que fo- ram implementadas pelo Prevfogo/Ibama e a ado- ção de monitoramento (in locu e por satélite) das áreas em ambos os períodos, com enfoque à recor- rência e à frequência do fogo, à quantidade de com- bustível acumulado e aos tipos de áreas com risco de queima em relação a evolução do deslocamento do fogo e de outros parâmetros, como a umidade relativa do ar, temperatura e velocidade do vento. Ainda que estas queimas se sustentam pelas prá- ticas e conhecimentos de manejo do Prevfogo, é igualmente importante avaliar os objetivos e inten- cionalidades destas, se associadas a práticas de ma- nejos econômicos e institucionais ou aos valores culturais locais. Dentro do paradigma de manejo in- tegrado do fogo, as queimas do segundo tipo são contempladas e vistas como legítimas. Caso não, especialmente quando atingem áreas florestadas (e está afastada de erros metodológicos de detecção e de análise geoespacial), suscita a atenção para estas práticas. Por isto, as políticas públicas precisam considerar outras esferas de observação e reconhe- cer que técnicas e empregos do fogo nem sempre são coincidentes/aplicáveis em uma escala nacio- nal. Ressalta-se também a importância de incluir

dados e informações de monitoramento para expli- car o regime de queima, como produtos de áreas

queimadas operacionais e com alta disponibil idade temporal para os usuários institucionais.

Neste sentido, para redução da quantidade de in- cêndios no período de fogo modal-tardio, o manejo integrado do fogo foi relevante nestas terras indíge- nas; entretanto, caso os danos resultantes das espé- cies avaliadas sejam em consequência da recorrên- cia das queimas e sem base tradicional, o pressu- posto do manejo do fogo para reduzir o combustível é uma prioridade com vias a homogeneização da paisagem e, por consequência, perda da biodiversi-

dade.

CONCLUSÕES

As árvores que compõem as formações campes- tres e savânicas do Cerrado tem morfologia e fisio-

logia capazes de resistir relativamente bem a passa-

gem do fogo e a estiagem sazonal; no entanto, há um limite para a resiliência destas espécies que, caso seja ultrapassado, há o agravamento de danos, independente da época de ocorrência, frequência e

magnitude.

Aadoção do MIF alterou em um curto espaço de tempo a época de ocorrência das queimas, anteci- pando-as para o período de fogo precoce. Ainda as- sim, foi notado que as técnicas de queimas prescri- tas não abrangem a frequência e histórico das su- perfícies atingidas para considerar uma abordagem de mosaicos além da redução dos grandes eventos no período de fogo modal- tardio.

Quanto ao impacto nas árvores avaliadas, os re- sultados aqui apresentados ainda são rudimentares e indicaram pouca diferença entre os danos causa- dos à vegetação nos distintos períodos de tratamen- tos. Por essa razão, estes não são conclusivos, no que tange a redução de impactos ecológicos em consequência da pequena amostra, da possível me- todologia de avaliação empregada pelo Prevfogo e da carência metodológica deste estudo que suscita análises estatísticas mais robustas.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo nº 13078/2019-1), da Co- ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (Código de Financiamento 001) e do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo/Ibama).

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